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P. Gonçalo Portocarrero de Almada
São Francisco… de quê?!

A história, felizmente, non è vera, nem sequer bene trovata. Mas, à conta da graça que tem, merece ser contada.

A lenda não diz quem foi o infeliz protagonista do feito, tão só que, por alguma razão desconhecida, se viu numa situação desesperada: em queda livre num grande precipício. Em tal extremo, bradou aos céus uma aflita prece:

- Valha-me São Francisco!

Do céu, sempre atento e solícito aos pedidos dos mortais, logo surgiu uma mão providencial que, dirigindo-se para o piedoso fiel, o agarrou pelo fundilho das calças, sustendo-o, suspenso no ar. E perguntou-lhe:

- São Francisco … de quê?!

Pois é, ele há vários São Franciscos no reino dos céus: desde o mendigo de Assis até ao aristocrático duque de Gandia, que foi primo de outros Borjas, ou Bórgias, de não tão santa memória. Não era pois fácil, para o crente em queda livre, acertar no nome do celestial Francisco que tão prontamente o socorrera, até porque do mesmo só se via a forte mão que o agarrava e lhe impedia a desastrosa e certamente fatal queda. Muito a medo, contudo, arriscou:

- De Assis?!

Logo a mão protectora se abriu em impiedoso gesto, ao mesmo tempo que se identificava, com não disfarçado ressentimento:

- De Sales!

A verdade, graças a Deus, é outra, porque qualquer São Francisco, dos muitos que no santoral há – de Assis, de Borja, de Paula, de Sales, Pacheco, Palau y Quer, Solano, Xavier, etc. – não só socorre quem correctamente o invoca, como também qualquer necessitado que recorra a um homónimo. Não consta que entre os bem-aventurados haja desleal concorrência, nem disputas por específicos nichos (nunca melhor dito!) do mercado devocional. Mas, havendo tanto santo com o mesmo nome, seria conveniente distingui-los por especialidades, para que cada fiel saiba a quem recorrer, consoante as suas necessidades.

Assim sendo, como apelidar o novel São Francisco lusitano, canonizado com sua irmã no passado dia 13 de Maio, no Santuário de Fátima, pelo Papa Francisco?! Sendo Marto de apelido, poderia ser este o seu sobrenome, mas tendo sido vidente de Fátima, talvez esta denominação melhor o identificasse. Se a razão do cognome devesse traduzir algum carisma próprio do bem-aventurado em questão, este nosso São Francisco deveria ser designado pela sua tão intensa e terna devoção à Eucaristia. Se Jacinta se sentia sobretudo impelida a rezar pelos pecadores, para os salvar dos horrores do inferno, Francisco ficou principalmente tocado pela contemplação de Deus, naquela luz que, desde que lhe foi comunicada pela Senhora mais brilhante do que o sol, nunca mais se desvaneceu.

Como Jesus adolescente, que fugiu para o templo, também o jovem Francisco, depois das aparições, escapava para a igreja paroquial, poderosamente atraído por Jesus sacramentado, que visitava demorada e amorosamente. Quando, prostrado no seu leito de morte, já não podia ir ter com Nosso Senhor, pedia à irmã e à prima que, depois de terem comungado, se aproximassem dele, para que assim pudesse matar as muitas saudades que sentia de Jesus escondido.

Na aparição de Agosto de 1917, Nossa Senhora deu a indicação de que se fizessem dois andores, um para ser levado pela Lúcia, a Jacinta e mais duas meninas, e o outro para ser transportado pelo Francisco e três rapazes. Que bom seria que, na festa do Corpo de Deus, muitos outros Franciscos de Portugal acompanhassem Jesus sacramentado pelas ruas das nossas cidades e vilas! Que bom seria que também entre os alunos da catequese, escuteiros e grupos de jovens, surgissem muitos outros São Franciscos que fossem, como o vidente de Fátima, almas queridas por Deus, como flores postas por Maria a adornar o seu trono.