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P. Gonçalo Portocarrero de Almada
Amor de Mãe

Por uma muito feliz e providencial coincidência, as minhas duas mães fazem anos no mesmo dia: 8 de Setembro! Embora a Mãe do Céu seja muito anterior, não é mais velha porque, como já alcançou a bem-aventurança celestial, vive uma eterna juventude.

Quando, há já algum tempo, comentei à minha mãe cá de baixo que não me lembrava de nenhuma vez que me tivesse batido, logo me respondeu, com a sua habitual vivacidade: “Levou e não levou poucas!” Apesar de não ter o imaculado cadastro que supunha, este meu esquecimento não significa apenas um excesso de autoestima, nem tão-só uma deplorável falta de memória. Se não recordo esses castigos, se não deixaram marca na minha memória, nem nenhum trauma, é porque foram justos e moderados; em caso contrário, decerto que os não teria esquecido.

Não sou especialmente partidário de castigos corporais, mas sou levado a crer que uma palmada, no momento certo e por uma razão justa, não só não faz mal nenhum como pode até fazer muito bem. Muitas outras pessoas têm, decerto, a mesma experiência, sem guardar também nenhum ressentimento, nem qualquer lembrança sequer desses episódios porventura menos gratos, mas não menos salutares.

Os adultos que não alcançaram a maturidade que seria de esperar com essa idade, se calhar foram vítimas de uma educação tão benevolente que, na realidade, os não ajudou a forjar uma personalidade equilibrada. Onde falta esse substrato humano, impossível é assentar os alicerces das virtudes cardeais, sem os quais não se pode construir uma verdadeira vida cristã. A formação e educação cristã, a receber na família, na catequese e na escola, não pode ser meramente intelectual, pelo ensino dos conteúdos da fé e da moral cristã, ou piedosa, pelo exercício individual, familiar e comunitário da oração e de outras devoções, mas também prática, ou seja, pela vivência das virtudes humanas.

Logo na primeira aparição na Cova da Iria, Maria faz uma proposta de uma enorme exigência: “Quereis oferecer-vos a Deus para suportar todos os sofrimentos que Ele quiser enviar-vos, em acto de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores?”. Ante a resposta afirmativa, Nossa Senhora disse depois: “Ides, pois, ter muito que sofrer …”.

É sabido que a Lúcia, bem como os seus primos, os agora santos Francisco e Jacinta, tomaram muito a sério o convite à penitência que Nossa Senhora lhes fez na sua primeira aparição e que, nos sucessivos encontros mensais, renovou. Nas suas Memórias, a Irmã Lúcia conta que, tendo descoberto uma corda, a atou ao braço e lhe doeu. Logo lhe ocorreu que a podiam usar à cinta, oferecendo a Deus esse sacrifício. “Seja pela grossura e aspereza da corda, seja porque às vezes a apertássemos demasiado, este instrumento fazia-nos por vezes sofrer horrivelmente”. Descobriram depois que, para mais se mortificarem, podiam fustigar as próprias pernas com as urtigas do campo.

Na aparição de Setembro, cujo centenário ocorreu no passado dia 13, a Mãe de Jesus atenuou um pouco o rigor das penitências corporais dos pastorinhos, mas não ao ponto de as suprimir: “Deus está contente com os vossos sacrifícios, mas não quer que durmais com a corda; trazei-a só durante o dia”.

Os pastorinhos foram favorecidos com graças especiais, em virtude das quais foram capazes de sacrifícios que seriam desaconselháveis para outras crianças dessas idades. Não seria prudente, nem razoável, pedir às crianças tão duras penitências, mas também os mais pequenos devem aprender a contrariar a sua vontade, a renunciar aos caprichos, a obedecer aos pais e professores, a respeitar os mais velhos, a dizer sempre a verdade, a cumprir com as suas obrigações cristãs, familiares e escolares.

Em muito pouco tempo, Nossa Senhora fez da caprichosa Jacinta e do pouco piedoso Francisco dois grandes santos, que hoje a Igreja muito justamente venera sobre os altares. Neste começo de um novo ano lectivo, queira Deus que muitas outras mães e pais proporcionem também aos seus filhos uma rija educação cristã. Como ensina a sabedoria popular, é de pequenino que se torce o pepino!