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Pe. Alexandre Palma
Incêndios e (in)segurança

Nestes últimos tempos ardeu demasiado em Portugal. Pereceram demasiadas pessoas. A sua perda é irreparável. Arderam demasiados bens e propriedades. O prejuízo foi significativo. Tudo isto abalou o presente do nosso país e agitou as nossas consciências. Resta saber se e como esta agitação vai perdurar para lá dos momentos mais agudos de comoção colectiva e como ela se vai traduzir numa efectiva procura de soluções para que nada disto se volte a repetir (outra vez). Mas para lá do tanto que é quantificável, foi ainda consumido outro tesouro: o sentimento de segurança. E este é como uma floresta: basta um pouco para se esfumar; precisa de uma geração para se regenerar.

Reconheça-se que este tipo de catástrofes deixa, nas nossas sociedades, um rasto mais profundo do que aparenta. Se só alguns (mesmo que muitos; mesmo que demasiados) foram directa e materialmente afectados por estes incêndios, a sombra que eles deixaram afecta-nos a todos. Porque todos nos revemos naqueles que perderam tudo. Porque neles percebemos como são frágeis as vidas que temos e construímos. Na forma súbita como tudo aconteceu, percebemos como o que consideramos mais sólido e garantido se pode esfumar num ápice. Na forma como tantos se viram sós, esmagados pela desproporcionada escala daquilo que lhes ia consumindo as vidas, percebemo-nos demasiado indefesos e sem o necessário suporte das instituições de quem esperamos apoio. Tudo isto tem como efeito uma assinalável erosão da sensação pública de segurança, um dos pilares de qualquer sociedade livre.

As sociedades modernas precisam de dar particular atenção a esta questão. Não a podem descurar, se querem salvaguardar a liberdade que lhes deu identidade e que estimulou a sua criatividade e prosperidade. Vivemos tempos particularmente exigentes neste campo. Importa reconhecê-lo. Sob variadas expressões, a sensação social de segurança vai sendo, entre nós, sujeita a duras provas (por sucessivas transformações no mundo do trabalho; pelas crises económicas; pela pressão de actos terroristas; etc.). Nem sempre o aumento da sensação de vivermos tempos mais inseguros é suportado pela realidade dos factos. Mas, ainda assim, ela não deixa de ser uma dinâmica social a que é preciso atender. Não para, reactivamente, nos tornarmos sociedades mais fechadas e amedrontadas. Bem pelo contrário. Para activamente defendermos a liberdade que nelas achamos e prezamos.