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Uma casa de portas abertas na fronteira entre a Bolívia e o Chile
Um pedaço de Céu
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Em Pisiga, entre a Bolívia e o Chile, há uma casa que está sempre de portas abertas. É o centro de acolhimento das Filhas da Caridade. Ali dentro, um punhado de religiosas devolve a dignidade a pessoas desesperadas. São migrantes, muitos estão ilegais e são vistos como pessoas de segunda categoria. Todos os dias, a Irmã Fanny Lupa faz um milagre: transforma desespero em esperança…

A casa é modesta e fica a mais de 3 mil metros de altitude. Em Pisiga, numa terra de ninguém entre a fronteira do Chile com a Bolívia, a casa das irmãs é como um oásis no meio do deserto. A porta está sempre aberta e as irmãs não pedem documentos nem fazem perguntas. Apenas acolhem e ajudam. Muitos dos que passam pela casa das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo são pessoas desesperadas. A Irmã Fanny Lupa conhece os seus lamentos, os gritos de dor e comove-se com as suas lágrimas. “A maioria destas pessoas estão sozinhas, abandonadas, estão socialmente excluídas e sem o mínimo para a sua sobrevivência.” Por ali, pelo chão enrugado, pedregoso, daquele deserto, escutam-se passos de pessoas, de centenas de homens, mulheres e crianças que procuram fugir da pobreza extrema que os persegue desde sempre. Esther, colombiana, 44 anos, está sentada numa cadeira na casa das irmãs. Está ao lado dos seus quatro filhos. Está a chorar. “Eles dependem de mim. Eu sou mãe e pai ao mesmo tempo e estou disposta a lutar por eles. Tudo o que faço é para os meus filhos”.

 

Um oásis no deserto

A Irmã Fanny escuta Esther com toda a atenção, comovendo-se com as suas lágrimas, olhando-a com toda a ternura do mundo. Esther e os filhos chegaram ali, à casa de acolhimento das irmãs, depois de uma semana de caminhada naquela altitude extrema, que entontece, sem praticamente nada para comer nem roupa adequada para o frio incrível que se faz sentir durante a noite. “Eles chegaram ao nosso centro quase mortos, de frio... sofrem muito por causa da altitude. Às vezes, pensam até que estão a morrer, porque a altitude tem realmente um grande efeito sobre eles.” Quando chegam à casa das irmãs – “quase mortos”, como dizia Fanny Lupa – , todos são acolhidos com um chá quente que ajuda a retemperar forças, cor, energia. Depois, há sempre alguma comida a fumegar na panela… A casa das irmãs é, de facto, um oásis no meio daquele deserto. Esther nunca mais irá esquecer o momento em que entrou naquela casa, o sorriso das irmãs, o acolhimento que recebeu. Ali, no meio do deserto, em Pisiga, o Céu tem a forma de uma casa com um quarto com beliches e uma cozinha onde, numa panela, a comida vai ganhando sabor. Ali, naquela casa no meio do deserto, ninguém faz perguntas. Apenas se acolhe quem chega. Esther nunca mais vai esquecer o sorriso das irmãs. “Elas não sabem quem são as pessoas que lhes batem à porta... E, no entanto, de repente, elas abrem e dizem: 'Entre!'  Imediatamente, as irmãs oferecem um quarto, comida, abrigo… Estas mulheres são, verdadeiramente, uma bênção!”

 

Cidadãos de segunda

Uma destas mulheres, a Irmã Fanny Lupa, sabe que o pouco dado com amor vale muito. E ali, no meio do deserto, um banho de água quente vale mais do que todo o ouro do mundo. As irmãs preocupam-se em ajudar todos estes viajantes que passam pelo centro de acolhimento. Escutam as suas histórias, identificam problemas, aconselham soluções. Dão esperança. A esmagadora maioria dos que passam por ali transportam consigo histórias profundamente tristes. São pessoas que a sociedade não soube acolher, não soube compreender. São pessoas em fuga. São pessoas desesperadas. “Sentimo-nos impotentes tantas vezes”, diz a Irmã Fanny. Impotentes pela dimensão da tragédia humana. Muitos dos que passam por ali, à procura de um tempo novo para as suas vidas, são oriundos da Colômbia. A irmã conhece-os bem. “Dói-nos que os colombianos, especialmente os negros, se sintam rejeitados. Eles são tratados como cidadãos de segunda classe. Só posso esperar que um dia essa atitude desapareça”, afirma a Irmã Fanny.

 

“Obrigado, AIS”

O centro de acolhimento começou por ser uma pequena casa alugada. Mas não tinha condições. Era tudo inadequado: a casa de banho, a cozinha, os dormitórios… Muitas vezes, as irmãs tinham até de dormir no chão para que todos pudessem ser acolhidos com alguma dignidade. Há quatro anos, com o apoio da Fundação AIS, foi possível construir um edifício novo, com capela, sistema de bombeamento da água e até painéis solares para que a energia não seja um custo para as parcas economias das irmãs. A Irmã Fanny não se cansa de agradecer a generosidade dos benfeitores da AIS. “Não estamos sozinhas. Connosco estão todos vós, que nos permitem tornar realidade esta missão no meio dos nossos irmãos migrantes. Que Deus abençoe infinitamente por tão grande trabalho todos os irmãos e irmãs desta grande Fundação Ajuda à Igreja que Sofre.” Todos os dias, a Irmã Fanny Lupa devolve a dignidade a pessoas desesperadas. Todos os dias, a Irmã Fanny transforma lágrimas em sorrisos. Em esperança. A casa das irmãs é, graças aos benfeitores da AIS, um pedaço de Céu no meio daquele deserto.

 

texto por Paulo Aido, Fundação Ajuda à Igreja que Sofre; fotos por Fundação Ajud
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