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Pedro Vaz Patto
Construir sobre a rocha

Parece que o casamento passou de moda… São cada vez mais os jovens que vivem juntos sem fazer tal opção. Há quem reduza esse ato a um dispensável procedimento burocrático (uma questão de “papéis”). Ou quem o associe necessariamente a uma festa que custa uma “pequena fortuna”. Mas, mais do que isso, este fenómeno reflete a recusa, ou o medo, de escolhas definitivas. É verdade que a generalização do trabalho precário não facilita a opção por escolhas definitivas. Mas não é só essa a causa que explica o predomínio da cultura do provisório numa sociedade que tem sido caraterizada como sociedade “líquida”.

São oportunas, a este respeito as palavras que o Papa Francisco dirige aos jovens na exortação apostólica Amoris laetitia (n. 131 e 132):

«(…) o matrimónio supera qualquer moda passageira e persiste. A sua essência está radicada na própria natureza da pessoa humana e do seu carácter social. Implica uma série de obrigações; mas estas brotam do próprio amor, um amor tão decidido e generoso que é capaz de arriscar o futuro.»

«Semelhante opção pelo matrimónio expressa a decisão real e efetiva de transformar dois caminhos num só, aconteça o que acontecer e contra todo e qualquer desafio. Pela seriedade de que se reveste este compromisso público de amor, não pode ser uma decisão precipitada; mas, pela mesma razão, também não pode ser adiado indefinidamente. Comprometer-se de forma exclusiva e definitiva com outrem sempre encerra uma parcela de risco e de aposta ousada. A recusa de assumir um tal compromisso é egoísta, interesseira, mesquinha; não consegue reconhecer os direitos do outro e não chega jamais a apresentá-lo à sociedade como digno de ser amado incondicionalmente. Aliás, aqueles que estão verdadeiramente enamorados tendem a manifestar aos outros o seu amor. O amor concretizado num matrimónio contraído diante dos outros, com todas as obrigações decorrentes dessa institucionalização, é manifestação e proteção dum “sim” que se dá sem reservas nem restrições. Este sim significa dizer ao outro que poderá sempre confiar, não será abandonado, se perder atrativo, se tiver dificuldades ou se se apresentarem novas possibilidades de prazer ou de interesses egoístas.»

O amor conjugal é mais do que um sentimento volátil, implica uma doação total, envolve o corpo, a alma, a vontade e os projetos futuros (é «assumir o destino do outro» – dizia São João Paulo II): amar o/a outro/a hoje que é jovem e atraente, mas também amanhã, quando envelhecer, estiver doente ou vierem mais em evidência os seus defeitos. O casamento é muito mais do que um papel ou uma festa…

E o casamento como vínculo definitivo não é só um facto privado que beneficia os cônjuges; assume a máxima relevância social, pois nele assenta a família como núcleo social fundamental.

Disse também o Papa Francisco, a este respeito, no seu discurso aos membros do corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé, em janeiro:

«Em vez da estabilidade dum projeto definitivo, preferem-se hoje ligações fugazes. Ora, não se mantém de pé uma casa construída sobre a areia de relacionamentos frágeis e volúveis; mas é preciso a rocha, sobre a qual assentar bases sólidas. E a rocha é precisamente aquela comunhão de amor, fiel e indissolúvel, que une o homem e a mulher, comunhão essa que tem uma beleza austera e simples, um caráter sacro e inviolável e uma função natural na ordem social. Por isso considero urgente que se adotem políticas efetivas em apoio da família, da qual aliás depende o futuro e o desenvolvimento dos Estados. Sem ela, de facto, não se podem construir sociedades capazes de enfrentar os desafios do futuro. E a falta de interesse pela família traz consigo outra consequência dramática – particularmente atual nalgumas regiões – que é a queda da natalidade. Vive-se um verdadeiro inverno demográfico! Isto é sinal de sociedades que sentem dificuldade em enfrentar os desafios do presente, tornando-se, por conseguinte, cada vez mais temerosas do futuro e acabando por se fechar em si mesmas.»

Na verdade, o futuro da sociedade depende de escolhas definitivas, como a decisão de gerar filhos, que é talvez a mais definitiva das escolhas. Para o bem destes, o contexto em que nascem dever ser o de uma relação estável e duradoura. O casamento é aquela rocha sobre a qual se constrói o futuro da sociedade.