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P. Manuel Barbosa, scj
Viver a Quaresma como um tempo

Estando em tempo de Quaresma, vivamo-la como um tempo; quarenta dias simbolicamente, mas toda a vida realmente. Longo ou breve, tudo acontece neste tempo: novidade da conversão, alegria do perdão, força da oração, partilha do amor, plenitude do silêncio; um tempo que não deve ser levado em vidas rotineiras e aborrecidas, fugazes e efémeras, sem qualquer sabor do novo que a Quaresma nos traz.

Há dias, numa viagem de avião, ao ler um artigo da revista de bordo intitulado «o novo oxigénio do século XXI», fui pensando nas nossas vidas por vezes estagnadas que criativamente precisam de novo oxigénio, nas procuras ansiosas que podem redundar em espaços vazios sem a permanência dos tempos que geram coisas novas, que para nós germinam do Espírito. Cito  breve passagem desse texto:

«Uma ideia que se mantém mais de cinco segundos é já uma ideia fixa. Cinco segundos é o limite a partir do qual começa o aborrecimento e o tédio. Ninguém pode ficar sentado na mesma ideia demasiado tempo… Há uma ânsia em relação ao novo. Novo nas ideias, imagens, notícias, etc. Os novos cidadãos e cidadãs ansiosos, os que andam de cabeça no ar, no chão e em todo o lado à procura do novo - e com um limite máximo de cinco segundos de tolerância - precisam de novidades como do oxigénio».

Ora aí está o risco de passarmos a Quaresma sem tempo, a correr, talvez com ideias fixas e rápidas, sem oxigénio gerador de vida nova, com ares tediosos, em sufocantes ansiedades que não são anseios dos novos ventos do Espírito.

A Quaresma não é uma novidade de poucos segundos, é uma questão de tempo, vivido na serenidade de quem se encontra em Deus, na inquietação de quem anseia por vida com sentido, na abundância de quem se dá em oblação a Deus e aos irmãos, no entusiasmo de quem só em Deus encontra a energia para ser mais solidário, na purificação de quem assume a essência da vida enraizada no coração, na transformação das cinzas em fogo para quem quiser iluminar as suas vidas com a luz pascal, no contínuo recomeçar a amar de quem centra a sua vida em Cristo que é Palavra e Eucaristia, como nos indica o Papa Francisco para este tempo.

Como evangelicamente Jesus Cristo nos indica, a Quaresma é um tempo de oração, jejum e esmola, práticas de vida a exigir tempo fecundo de maturação, interioridade, silêncio, permanência. Não uma oração de cinco segundos, mas uma oração continuada a envolver toda a existência em Deus; não um fugaz jejum de rápidas abstinências das carnes, mas um jejum da carne que muda o coração, a vontade e o sentir; não uma esmola de instantes, mas uma esmola que é partilha do ser a dar sentido ao ter.

Tempo de oração, jejum e misericórdia. Não é engano, é mesmo assim. Misericórdia em vez de esmola reforça ainda mais o profundo sentido da mudança a partir das nossas entranhas onde habita a misericórdia que é Deus. Este tríptico é meditado por São Pedro Crisólogo no Ofício de leituras de terça-feira na terceira semana deste tempo. Transcrevo um naco desse belíssimo texto a pedir atenta leitura meditada:

«Há três coisas, irmãos, pelas quais se confirma a fé, se fortalece a devoção e se mantém a virtude: a oração, o jejum e a misericórdia. O que pede a oração, alcança-o o jejum e recebe-o a misericórdia. Oração, jejum e misericórdia: três coisas que são uma só e se vivificam mutuamente. O jejum é a alma da oração, e a misericórdia é a vida do jejum. Ninguém tente dividi-las, porque são inseparáveis. Quem pratica apenas uma das três, ou não as pratica todas simultaneamente, na realidade não pratica nenhuma delas. Portanto, quem ora, jejue; e quem jejua, pratique a misericórdia».

Vivamos a Quaresma como tempo de autêntica mudança de vida, não a fazer coisas repetitivas e monótonas em correrias saltitantes e estafantes, também nas nossas liturgias, mas procurando que tudo em nós esteja em sintonia com Deus na interligação com os irmãos. Levemos a Quaresma como tempo de Deus em nós.