Entrevistas |
Pedro Afonso, presidente da Associação dos Médicos Católicos Portugueses
“Sempre que a política se sobrepôs à medicina os resultados foram desastrosos para a humanidade”
<<
1/
>>
Imagem

O presidente da Associação dos Médicos Católicos Portugueses, Pedro Afonso, garante que “a vida humana não é referendável” e critica a ideia de que, no debate sobre a eutanásia, os católicos sejam vistos como “retrógrados”. Em entrevista ao Jornal VOZ DA VERDADE, este médico psiquiatra considera ainda que a lei que permite a mudança de sexo aos 16 anos “não faz nenhum sentido” e “expulsa a medicina do acompanhamento destes casos”.

 

O que está realmente em causa na discussão pública acerca da eutanásia? Como avalia o debate que está a ser realizado?

Do meu ponto de vista, nos últimos anos, os proponentes das leis fraturantes têm colocado injustamente os católicos em duas posições aparentemente frágeis: os católicos são aqueles que estão sempre “contra” e se opõem ao “progresso”. É necessário desmontar esta falácia. Os católicos são daqueles que estão a favor; somos a favor da defesa da vida humana. Os católicos não são retrógrados, são daqueles que propõem as ideias mais progressistas, já que a defesa da vida foi em grande parte implementada pelo cristianismo. A legalização da eutanásia é um retrocesso civilizacional e não um avanço. Na verdade, ela foi praticada na Grécia e na Roma antiga. Os idosos, os doentes incuráveis e os “cansados de viver” podiam suicidar-se, escolhendo uma “morte honrosa”. Portanto, o verdadeiro progresso da humanidade foi no sentido de criar leis e normas que defendam a vida humana e impeçam o mais forte de exercer o seu poder sobre o mais fraco. Se as pessoas perceberem os riscos e as consequências decorrentes da legalização da eutanásia, nunca irão aceitá-la. No entanto, é necessário fazer um esforço maior no sentido de esclarecer a população. No que diz respeito aos médicos, estou convencido que a maioria é contra a eutanásia, pois o médico é formado com o objetivo de tratar os doentes e estar sempre a favor da vida. A eutanásia opõe-se à medicina e acaba por ser a sua negação.

 

Considera o assunto referendável?

Pessoalmente, sou contra o referendo sobre a eutanásia. Não é porque não seja um democrata, mas acima de tudo porque existem matérias que não devem ser submetidas a referendo. Já alguém imaginou submeter a referendo a legalização da escravatura ou a possibilidade de uma pessoa ser discriminada pela cor da pele? É necessário ter a coragem de assumir que há matérias que não são referendáveis; a vida humana é uma delas.

 

Nos países onde a eutanásia está legalizada tem-se registado a chamada “rampa deslizante”, alargando assim os casos possíveis onde se pode aplicar a eutanásia. Considera que uma possível legalização, em Portugal, iria levar ao mesmo resultado?

As experiências obtidas nos países que legalizaram a eutanásia são absolutamente assustadoras. Os dados disponíveis mostram que os números têm vindo sempre a aumentar, o que comprova que esta medida não se aplica apenas em casos pontuais. Por exemplo, na Bélgica, num período de 10 anos (2003-2013), o número de pessoas que morreram através da eutanásia passou de 235 pessoas para 1807, o que corresponde a um aumento de cerca de 789%, numa década. A eutanásia tem vindo a ser aplicada em crianças e em jovens com depressão. Estes factos mostram que a eutanásia uma vez legalizada, a sua aplicação, inicialmente prevista para doentes com doenças incuráveis em fase terminal, vai-se generalizando a um número maior de situações. Julgo que em Portugal aconteceria o mesmo fenómeno.

 

Como analisa a recente legislação aprovada pelo Parlamento referente à mudança de sexo aos 16 anos?

O sexo do indivíduo é definido pelo seu património genético em masculino ou feminino (identidade biológica), embora se reconheça que os fatores sociais e psicológicos (identidade imaterial) possam contribuir para a identidade do sexo. Esta lei que foi aprovada é essencialmente ideológica. Baseia-se na ideologia de género que, pelo seu radicalismo, se opõe à ciência e à boa prática médica. Esta ideologia opõe-se radicalmente à visão integral da pessoa e da sexualidade humana, para a qual o corpo é parte integrante da pessoa e não um objeto manipulável pela cultura ou pelas ideologias. As situações designadas por “disforia de género” são doenças, e devem ser avaliadas e tratadas pelos psiquiatras e por outros profissionais de saúde competentes. Não faz nenhum sentido, por decreto e sem qualquer base científica, expulsar a medicina do acompanhamento destes casos, tal como esta lei propõe. As doenças não se tratam por decreto. Já houve quem o tentasse fazer nos anos 60, influenciado pela corrente antipsiquiatria, e os resultados foram desastrosos para os doentes. Esta lei, inspirada numa ideologia radical, conflitua com a ciência e com a medicina. A história revela-nos que sempre que a política se sobrepôs à medicina os resultados foram desastrosos para a humanidade.

 

A Associação dos Médicos Católicos Portugueses (AMCP) organizou, no último fim-de-semana, em Lisboa, um encontro que juntou médicos católicos de todo o país. Quais os principais problemas abordados e que balanço faz?

Neste encontro nacional tivemos três temas importantes. O primeiro incidiu sobre as dificuldades sentidas pelos médicos na conciliação trabalho-família. Foram apresentados os resultados de um estudo efetuado junto dos nossos associados. Este estudo revelou uma clara preocupação dos médicos sobre o excesso de carga horária semanal. O segundo grande tema abordou os desafios na gestão e no ensino da medicina. Participaram alguns alunos de medicina, discutiram-se as dificuldades, bem como algumas propostas para melhorar o ensino médico, numa perspetiva de ética cristã. Finalmente, foi realizada uma reflexão sobre o médico em missão, com testemunhos de médicos católicos que fazem voluntariado junto dos peregrinos em Fátima, com os refugiados e na política. Pretendeu-se, deste modo, fomentar o voluntariado médico como parte importante e integrante da formação, principalmente das gerações mais jovens, contrariando um certo ambiente de hiperindividualismo que se vive atualmente na nossa sociedade. O balanço final é muito positivo, pois tivemos uma boa participação, principalmente de médicos mais jovens.

 

Sobre o inquérito recente, que revelou dificuldades na conciliação trabalho-família, como pensa a AMCP contribuir para atenuar esse fator?

Os resultados do estudo realizado mostraram que a insatisfação dos médicos na conciliação trabalho-família é maior no setor público face ao privado. 73% dos inquiridos deram nota negativa à conciliação trabalho-família no Estado, o que nos surpreendeu, pois, o Estado deveria dar o exemplo. É preciso implementarem-se mais medidas que ajudem a conciliar o trabalho e a família, até porque temos em Portugal um problema grave de natalidade. Pensamos, numa próxima reunião que iremos ter com o bastonário da Ordem dos Médicos, propor que o estudo seja alargado a nível nacional a todos os médicos. Julgamos que a profissão médica é muito penalizada pelo excesso de carga horária. Esta situação também pode aumentar o risco de erro médico e prejudicar a relação médico-doente. O médico não pode andar constantemente exausto física e psiquicamente. Além disso, é inaceitável que se coloquem os médicos perante a escolha entre “medicina” ou “família”, pois acreditamos que existem soluções que permitem conciliar a vida profissional com a vida familiar.

 

Que desafios para os médicos católicos de hoje?

Como facilmente se pode perceber, têm surgido nos últimos tempos uma série de leis (por exemplo, a lei que legalizou o aborto até às 10 semanas) que colidem com a tradição hipocrática de medicina, confrontando os médicos com problemas éticos graves. É preciso continuar a defender uma prática da medicina inspirada numa ética personalista de matriz cristã. Mais do que nunca, é urgente dizer claramente, sem receios ou tibiezas, que não existe incompatibilidade entre ciência e a fé na Igreja Católica. A religião não deve estar em oposição à ciência, mas isso não significa que se possa fazer tudo em nome da ciência. Há obviamente limites éticos e deontológicos que têm que ser respeitados.

Existem ainda outros desafios que se relacionam com uma tendência crescente da prática de uma medicina demasiado tecnológica. É importante valorizar a empatia e a relação médico-doente. Convém não esquecer que o médico existe porque existem pessoas doentes e não porque existem doenças.

 

Qual deverá ser o papel da AMCP nos próximos tempos?

A AMCP vai continuar a intervir na sociedade sobre estas matérias, e outras que surgirem, sempre em defesa da doutrina da Igreja. Temos atualmente uma direção com gente jovem, competente do ponto de vista técnico, e bem preparada para discutir estes assuntos e integrá-los numa vivência de vida cristã. Recentemente, um jornalista classificou a AMPC como “a guarda avançada da Igreja”. Talvez o epíteto seja demasiado militarista, mas sentimos que temos a responsabilidade de estar na linha da frente do apostolado e esta missão não é realizada apenas nos hospitais, nos centros de saúde ou nos consultórios médicos, é também realizada no espaço público, na sociedade, junto das pessoas crentes e não crentes.

Como presidente da AMCP, gostaria de finalizar esta entrevista com uma mensagem muito clara de alegria e de esperança: a Igreja Católica pode contar connosco.

 

________________


Perfil

Pedro Afonso é médico psiquiatra. Licenciou-se em Medicina, na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. É mestre em ciências do sono e doutorado em psiquiatria e saúde mental, pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Atualmente, é professor convidado da AESE - Business School, professor auxiliar de psiquiatria da Faculdade de Medicina de Lisboa e, desde 2017, presidente da Associação dos Médicos Católicos Portugueses. É casado e tem três filhos. 

 

________________


Lei sobre a eutanásia corre o risco de se tornar num “terreno pantanoso”

Presente em Lisboa, o professor holandês Theo A. Boer, que integrou a Comissão de Supervisão da Lei sobre a Eutanásia na Holanda, alertou para a “ambiguidade” que tem marcado a aplicação da lei no seu país, onde o número de pessoas a pedirem a eutanásia tem “aumentado significativamente”, sobretudo desde 2005, por razões muito mais diversas do que estava estabelecido. Sem uma legislação bem cuidada, a aplicação da eutanásia pode tornar-se um “terreno pantanoso”, frisou, em declarações à Ag, promovido pela UCP. erseca. anista titular da Base "xE, o presidente da Asetembro, em Fência Ecclesia, no âmbito de uma conferência sobre a eutanásia, na Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, no dia 23 de abril.

O especialista em Ética nos Cuidados de Saúde, pela Universidade Kampen, observou, também, no colóquio organizado pela UCP e pela campanha ‘Toda a Vida tem Dignidade’, que para além de situações de doença terminal, a eutanásia começou a ser utilizada em situações de pessoas com “distúrbios psiquiátricos, demência, doenças cardiovasculares”, e mesmo em pacientes com doenças associadas a situações de “solidão”. Mesmo assim, o número de suicídios “não decresceu”, antes “aumentou” em certo período de tempo, referiu. Por todos estes fatores, este professor recomendou a Portugal “não legalizar a eutanásia, e apostar na implementação de cuidados paliativos mais adequados e acessíveis a todos”.

 

________________


“Sociedade paliativa” é a resposta à legalização da eutanásia

O Cardeal-Patriarca de Lisboa assistiu, esta semana, à conferência do professor Theo A. Boer, sobre a evolução da eutanásia na Holanda, onde se tem verificado uma generalização dos casos. Em declarações à Renascença, D. Manuel Clemente apontou que “a melhor maneira só pode ser resolver um problema que realmente existe, que afeta tantas pessoas que estão doentes e desacompanhadas, no sentido de as acompanhar mais, com os cuidados paliativos, com certeza, e com uma sociedade que se torna toda ela paliativa”. “Nesta situação em que as pessoas são abandonadas tantas vezes à sua dor, e não têm quer da parte do Estado quer da parte da sociedade o acompanhamento devido, poderia agravar-se com uma legislação deste género”, frisou.

Para o Cardeal-Patriarca, a análise à realidade holandesa é esclarecedora das consequências que podem vir com a aprovação dos projetos de lei que estão em discussão na Assembleia da República. “Acredito sobretudo que informações deste género, que tivemos sobre a situação da Holanda e de outros países que foram por este caminho e que não resultaram de maneira nenhuma – antes pelo contrário, porque nem diminuíram os casos de eutanásia nem diminuíram os casos de suicídio – nos façam pensar. Eu acredito que as pessoas que estão na Assembleia da República e na sociedade são pessoas com consciência e, por isso mesmo, esta informação fará que decidam da melhor maneira”, considerou D. Manuel Clemente.

entrevista por Filipe Teixeira; fotos por Associação dos Médicos Católicos
A OPINIÃO DE
Guilherme d'Oliveira Martins
Quando Jean Lacroix fala da força e das fraquezas da família alerta-nos para a necessidade de não considerar...
ver [+]

Tony Neves
É um título para encher os olhos e provocar apetite de leitura! Mas é verdade. Depois de ver do ar parte do Congo verde, aterrei em Brazzaville.
ver [+]

Tony Neves
O Gabão acolheu-me de braços e coração abertos, numa visita que foi estreia absoluta neste país da África central.
ver [+]

Pedro Vaz Patto
Impressiona como foi festejada a aprovação, por larga e transversal maioria de deputados e senadores,...
ver [+]

Visite a página online
do Patriarcado de Lisboa
EDIÇÕES ANTERIORES