A encíclica ‘Caritas in veritate’ aborda a temática do ambiente. A questão de fundo passa por reconhecer, como se lê no parágrafo 51, que “sempre que a ecologia humana é respeitada dentro da sociedade, a ecologia ambiental sai beneficiada”. Concorda com esta visão?
Mais do que isso: não há duas ecologias! O Homem e os restantes seres vivos vivem no mesmo ecossistema. Criados à imagem e semelhança de Deus, nós somos parte da obra de Deus. É da competência do amor do Homem à obra criada que temos a obrigação de conservar este ecossistema. É uma obrigação ética, mas não só. Tudo o que visa salvar e integrar o Homem no ecossistema onde vive – como diz o Papa – é a mesma coisa. O Homem não pode ter uma economia saudável se não conhecer o ambiente onde se desenvolve essa economia. Da mesma forma, não é possível gerir a casa sem conhecer a casa. E conhecer a casa e amar a casa, é amar a obra de Deus. E essa é a primeira condição para que se gira bem a casa. Se não conseguirmos conservar o ecossistema onde vivemos, não vamos sobreviver! É garantido que vamos a caminho de grandes desgraças…
Neste momento há um filme, o “End of the line” (“O fim da linha”), sobre os peixes e a pesca e sobre o que o Homem está a fazer. E deixe-me que lhe diga: se continuarmos a pescar o atum como pescamos actualmente, dentro de vinte, trinta anos acabou o atum; o bacalhau não dura mais do que cinquenta anos. Agora, é claro que há muita gente a enriquecer… Por isso digo: a ecologia do Homem e a ecologia ambiental não são distintas. É a mesma! Quando se trata de um, trata-se também do outro.
Mas então como se poderá sensibilizar as pessoas para esses problemas?
Falando a verdade. E explicando às pessoas que eticamente é errado enriquecer à conta do património comum. Isto é algo que não se diz, mas se eu enriquecer à conta do património comum estou a roubar e, pior, estou a destruir a obra de Deus. Não é possível amar sem verdade. E a primeira coisa que se tem de exigir é a verdade. Amar sem verdade, não é amar. Só é possível explicar às pessoas algo se se falar verdade. Ora, os políticos não falam verdade. O pior que pode acontecer a um país é as pessoas desconfiarem dos seus líderes. A verdade, mesmo que seja dura e desagradável, tem que ser dita! Não pode ser com ‘paninhos quentes’. Não é possível ter sol na eira e chuva no nabal. A pessoa escolhe uma das opções. E isto tem de ser dito claramente!
Por exemplo: neste momento estamos a discutir o problema energético. Mas o problema enérgico não pode ser justificação para destruir tudo mais. Estamos também a querer resolver o problema do desemprego e então vai-se para aquilo que é fácil, que é a construção civil. Mas a construção civil vão destruir os solos, vai causar problemas! Ao tentar também resolver o problema dos transportes, está-se a construir desmedidamente… Isto tem que ser dito às pessoas. Todas estas construções estão a criar danos no solo!
Na encíclica, o Papa diz, na sua linguagem de teólogo, de doutor da Igreja, que o Homem não pode esquecer que as relações entre os homens se devem basear na verdade. Só pode haver amor, dádiva e dedicação ao bem comum se houver verdade.
No Capítulo IV da encíclica, sobre o “Desenvolvimento dos povos, direitos e deveres, ambiente”, o Papa sublinha que o ambiente “foi dado por Deus a todos, constituindo o seu uso uma responsabilidade que temos para com os pobres, as gerações futuras e a humanidade inteira”. Como é que o Homem tem cuidado do meio ambiente neste último século?
A crise financeira nasceu de problemas éticos, que estão por detrás disto tudo, mas nasceu também de um desrespeito total. Começou nos Estados Unidos por construções a mais sem ter em conta a conservação. Depois, os problemas éticos do investimento do dinheiro de qualquer forma. Mas estamos simultaneamente com o problema do ozono, do aquecimento global, do esgotamento dos oceanos, da desertificação. Repare as crises todas… umas mais graves que outras, mas são todas a mesma coisa: o Homem não está a ter em conta o património comum da humanidade, não está a ter em conta a guarda que tem que fazer da obra de Deus. E a obra de Deus é a biodiversidade, o solo, o ar, aquilo a que nós chamamos património natural, que é o suporte da sua vida. Com esta encíclica, a Igreja começa finalmente a dizer as verdades! Mesmo que sejam duras.
Esta sua pergunta é ‘de caras’: o Homem não tem cuidado do meio ambiente! O que estamos a fazer às florestas, aos solos, à poluição dos meios, à água mostram isso mesmo.
“Hoje, as questões relacionadas com o cuidado e a preservação do ambiente devem ter na devida consideração as problemáticas energéticas”. Porquê esta afirmação do Papa?
Eu vou mais longe nos problemas energéticos e nós na Liga para a Protecção da Natureza levantámos muitas dúvidas. Por exemplo, quando se faz uma barragem para produzir energia, se acima dessa barragem existem agricultura intensiva e povoação, há poluição da água. Se há poluição da água, há algas que crescem, que apodrecem e produzem metano. Ou seja, fez-se a barragem para poupar CO2, mas produz metano que tem um efeito muito mais grave… Então, deite-se a barragem abaixo, se não o estudo é uma mentira e estamos a enganar as pessoas! Mas não é só isto. Temos alterações climáticas e com isso vamos ter menos chuva, o que diminui a quantidade de água na barragem. Os custos e a produção são economicamente viáveis? É que precisamos de manter a água, caso contrário deixamos de ter os estuários em condições… Agora, ao fim destes meses todos, a Comissão Europeia mandou fazer um inquérito sobre as barragens e a empresa belga que fez o trabalho chega a conclusões muito mais graves que as nossas, exigindo que o Estado português não faça as barragens e pague de quem recebeu dinheiro para fazer. No fundo, trinta por cento da economia depende da construção civil. Mas a energia não pode ser uma justificação para tentar resolver o problema da mão-de-obra. Porque se o problema é só a mão-de-obra, ponham as pessoas a fazer umas ‘ruazitas’, uns infantários, umas creches ou lares da terceira idade! O que o Papa diz é que não há resolução dos problemas sem a preservação dos ecossistemas.
Atendendo às frases: “é desejável que a comunidade internacional e os diversos governos saibam contrastar, de maneira eficaz, as modalidades de utilização do ambiente que sejam danosas para o mesmo” e “a protecção do ambiente, dos recursos e do clima requer que todos os responsáveis internacionais actuem conjuntamente e se demonstrem prontos a agir de boa fé, no respeito da lei e da solidariedade para com as regiões mais débeis da terra”, podemos concluir que tem havido pouca vontade política para preservar o ambiente?
O problema é que não se fala verdade! Repare, faz parte do direito de propriedade o direito de construção? A nossa Constituição diz que não! Porque ao construir, implica que tenha infra-estruturas, que sejam feitas pela comunidade, como a água, o gás, a electricidade, os meios de comunicação, etc. Portanto, esse direito é um direito administrativo. Ao atribuírem uma capacidade de construção num espaço, cria uma mais-valia muito grande. Para ter noção, as mais-valias criadas por esse acto são mais-valias e núcleos maiores que os negócios legais da droga ou das armas. Sabia? O que é uma situação perfeitamente imoral. Quando se tem um terreno da RAN (Reserva Agrícola Nacional), o terreno não vale nada. Vale, talvez, 10 cêntimos, 50 cêntimos, 1 euro… mas se se conseguir um PDM (Plano Director Municipal) e aprovar para esse mesmo terreno um prédio de cinco andares, este terreno passa a valer dois mil euros! Já viu qual é o lucro?
Isto é algo que já foi dito em 1848, por Stuart Mill, filósofo e economista inglês que dizia que “isto é inaceitável”. O Kruger dizia que “isto era a causa de os políticos todos ficarem com o labéu de corrupção”.
Tudo isto tem também a ver com um problema de tentação. Quando eu era miúdo, dizia-se que nunca se deve deixar dinheiro à mão de uma pessoa que tem dificuldades económicas. Pois este dinheiro todo à solta por aí é um perigo… E os partidos políticos, não tomam posição? Porquê? Eu peço às pessoas que pensem porquê e vejam o dinheiro que se gasta nas campanhas…
Estamos a levar o ambiente, o terreno para fins de enriquecimento, do meu ponto de vista indevido.
A minha última questão é sobretudo a pensar nas crianças. Como é que poderemos pedir às novas gerações o respeito do ambiente natural se, como diz o Papa, “a educação e as leis não as ajudam a respeitar-se a si mesmas”?
É muito grave a forma como a família hoje está a educar as crianças. É lícito, por exemplo, que os alunos comecem logo a copiar na escola? E aquele que cumpre e não copia é parvo… Repare o que estamos a fazer: estamos a educar as crianças dizendo-lhes que não se cumpre a lei.
E as leis são justas? Todo o sistema é desrespeito pela pessoa e pela obra de Deus. Isso implica mudar completamente o paradigma de educação, no amor ao próximo, no amor à obra de Deus. Ainda para mais num país tão bonito como o nosso…
Estamos numa crise ética, da qual resultou uma crise ambiental, uma crise financeira, que nos deveria obrigar já a repensar toda a nossa civilização. Estamos a fazer isso? O Papa começou, mas era preciso que a nossa Igreja, os nossos párocos, os nossos leigos debatessem esta questão de fundo: o que é que estamos a fazer ao nosso mundo, o que é que estamos a fazer à obra de Deus, o que é que estamos a fazer aos nossos irmãos que vêm a seguir? É uma responsabilidade nossa!
Perfil
Eugénio Sequeira tem uma carreira de investigação científica. Doutorado em Engenharia Agronómica, professor catedrático e investigador, publicou várias centenas de artigos nas temáticas do ambiente e ordenamento do território. Foi chefe do Departamento da Ciência do Solo, que na altura contava com 30 investigadores, obtendo nestas funções a formação em ecologia, do conhecimento do meio. Participou na Conferência do Rio, que consagrou o conceito de desenvolvimento sustentável, e foi nomeado responsável pelo ambiente do Ministério da Agricultura. Esteve ainda na elaboração da convenção do combate à desertificação, tendo sido o único português perito que esteve nas Nações Unidas.
Eugénio Sequeira, actualmente com 73 anos, foi ainda presidente da Liga para a Protecção da Natureza e enveredou também pela política: foi o primeiro presidente da Assembleia Municipal de Cascais e foi ainda líder do Partido Socialista no concelho cascalense. “Era demasiadamente radical e duro com a verdade para poder ter carreira política”, reconhece.
Casado há 49 anos, Eugénio Sequeira tem três filhos, quatro netos e pertence à paróquia de Cascais.
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