Lisboa |
Luiza Andaluz, fundadora da Congregação das Servas de Nossa Senhora de Fátima
Uma mulher “ao serviço do Reino”
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Foi alguém que “soube colocar os seus dons ao serviço do Reino”, que tinha “um olhar atento mas não intrusivo” e que se destacou “pela capacidade de liderança” e pela “obediência”. É desta forma que a irmã Mafalda Leitão, conselheira geral das Servas de Nossa Senhora de Fátima, recorda a fundadora da congregação, madre Luiza Andaluz, a quem o Papa reconheceu recentemente as virtudes heróicas.


“É uma mulher com letra grande, que soube conhecer-se a si própria, soube ser ela própria e colocar a render tudo aquilo que tinha, todos os seus dons, ao serviço do Reino”. A irmã Mafalda Leitão, das Servas de Nossa Senhora de Fátima, recorda ao Jornal VOZ DA VERDADE a fundadora da sua congregação, destacando a entrega e doação. “Todos nós temos qualidades que podemos aproveitar, mas Luiza soube aproveitar muito bem, e colocar ao serviço do Reino, todos os dons humanos, os dons da cultura, os dons da família e também os seus dons materiais. Ela deu tudo, até ao fim”, acrescenta.

Maria Langstroth Figuera de Sousa Vadre Santa Marta Mesquita e Melo (Luiza Andaluz) nasceu a 12 de fevereiro de 1877, no Palácio Andaluz, em Marvila, Santarém, e faleceu em Lisboa, na atual casa geral da congregação, a 20 de agosto de 1973. “Luiza Andaluz vem de uma família brasonada, é filha dos Viscondes de Andaluz, tinha uma professora de inglês e uma de francês. Tudo isto traz um tecido e um cruzar de muitas culturas, de muitos saberes, até do ponto de vista religioso, porque a família da mãe, de ascendência americana, era de origem protestante e o pai era de um catolicismo tradicional português. Foi um beber de várias fontes”, conta a religiosa.

A irmã Mafalda, de 49 anos, não conheceu pessoalmente a fundadora, mas enaltece o olhar de Luiza Andaluz. “Ainda a semana passada uma pessoa me disse: ‘Gostava de conhecer mais acerca dela, porque o seu olhar toca-me’. Eu própria também fui tocada pelo seu olhar, apesar de não a ter conhecido pessoalmente. Há qualquer coisa, e as pessoas que a conheceram diziam isso, que ela olhava com um olhar penetrante, mas não intrusivo, não evasivo. Era um olhar atento, que era capaz de captar a situação pessoal de cada um, de ver não só o que é que precisava, mas também capaz de captar as situações da sociedade”, explica, baseando-se nas fotografias de Luiza Andaluz.

 

Saber ver e saber responder

Em 1917-18, Portugal foi atingido pela pneumónica. Luiza não escapou a esta epidemia e foi mandada, pelos médicos, ficar em casa. “Foi então que montou um verdadeiro quartel general, em que põe as meninas do colégio a visitar os doentes, os alunos do seminário faziam a parte dos medicamentos, os bombeiros colaboraram também e ela geria tudo aquilo. Portanto, há aqui outra qualidade que ela, desde criança, tem, que é uma capacidade de liderança – hoje, diríamos de gestão de equipa – e de uma atenção às necessidades do outro. Luiza não só tem essa atenção, como sabe o que fazer e põe os meios a trabalhar em equipa. Tinha uma grande capacidade de liderança, porque sabia ver e sabia como dar resposta”, aponta.

A irmã Mafalda Leitão entrou na congregação, para o postulantado, em 1989, então com 20 anos, professou em 1992 e, cinco anos mais tarde, fez os votos perpétuos. Esta religiosa, natural de Lisboa, salienta que a fé de madre Andaluz não é desenraizada da vida. “Em termos de questões de fé, a nossa fundadora tem uma relação com Deus, não de uma piedade, mas vai aprendendo a relacionar-se com Deus desde pequena, em casa, onde aprende as orações, em inglês, aos quatro anos, e desde sempre tem essa educação cristã, que é uma educação cristã entroncada na sua educação humana. Não era uma fé desenraizada da vida”, destaca, sublinhando ainda a “fé compenetrada” de Luiza Andaluz.

À época, no início do século XX, Santarém pertencia ao Patriarcado de Lisboa. O cardeal Neto, então Patriarca, era visita habitual da casa da família de Luiza Andaluz. “O cardeal Neto foi o seu primeiro catequista, como ela diz, e foi ele quem lhe deu a sua primeira missão, quando ela tinha somente 14 anos: ir ajudar o Convento das Capuchas. Aqui temos outra vertente dela, que é a relação de obediência à Igreja e ao seu Bispo”, enaltece. Neste sentido, a irmã Mafalda destaca a “vertente social e a vertente educativa” de Luiza Andaluz. “Por vezes, podemos estudá-la mais numa vertente social, dos centros sociais que ela fundou, as casas de trabalho, tantas escolas e tantas casas aqui de Lisboa para as raparigas que vinham para cá estudar, mas não podemos esquecer os colégios e a vertente educativa. Muitas destas instituições que ela fundou são casas de trabalho, outros centros sociais, e estas duas vertentes acabam por ser entroncadas”, frisa.

 

Responder às necessidades

Os pais de Luiza Andaluz entretanto morrem e a sua irmã, Eugénia, “que era a sua grande amiga de trabalho e a direta colaboradora dos seus apostolados”, entra no Carmelo de Pamplona, em Espanha. “A irmã já tinha este desejo de seguir a vida religiosa, mas o pai não deixava. Luiza também não concordava muito e dizia que trabalhar, por Deus, para os pobres lhe enchia a alma. Mas quando vai à tomada de hábito da irmã, Deus troca-lhe as voltas e tudo a impressiona imenso: o silêncio, as grades, a pobreza com que a irmã vive… e impressiona-a sobretudo a alegria com que aquelas carmelitas vivem. Ela, que se sentia preenchida com a sua vida, afinal ainda tinha um outro espaço”, refere a irmã Mafalda.

Estávamos em 1915 e Luiza Andaluz tinha então 38 anos. “A prioresa do Carmelo aceita-a, mas pede a Luiza para ajudar uma senhora a libertar-se dos seus encargos, Henriqueta Sequeira Lopes, que tinha escolas em Lisboa a seu cargo e que queria também entrar no Carmelo. Durante sete anos, Luiza vai anualmente ao Carmelo fazer o seu retiro e, ao fim desses anos, percebe que o seu apostolado, que nasceu em Santarém, já está também muito enraizado em Lisboa”, conta a irmã Mafalda.

Em setembro de 1922, Luiza Andaluz pensa em fundar uma congregação para responder às necessidades de evangelização e dar continuidade às obras sociais de educação e promoção humana. “Madre Luiza começa a perceber que é isso que Deus quer para ela, fala com D. Manuel da Conceição Santos, então Arcebispo de Évora e que tinha sido seu diretor espiritual, que a impulsiona”, refere.

Em abril de 1923, Luiza Andaluz reúne-se com um grupo de senhoras, a quem lhes propõe, em maio, organizar uma peregrinação a Fátima, seguida de retiro.  A congregação surgiu, então, a 15 de outubro de 1923, com a primeira comunidade que se reuniu na sua própria casa, em Santarém. “A nossa primeira comunidade foi em Santarém, mas já havia uma primeira colmeia das Servas a trabalhar, como dizia a fundadora. Na verdade, desde junho desse ano que um grupinho de irmãs trabalhava na União Gráfica, no jornal Novidades”, esclarece a irmã Mafalda.

 

Missões diversificadas

Esta religiosa, que sempre pertenceu à Paróquia do Lumiar, refere que a sua congregação está hoje presente em sete países – Portugal, Bélgica, Luxemburgo, Brasil, Angola, Guiné-Bissau e Moçambique – e nasceu “da necessidade de uma resposta da Igreja, na época”. “As congregações religiosas tinham sido expulsas de Portugal, a educação, que tinha como base muitos colégios, tinha desaparecido, e aqui surge uma das características da nossa congregação que é esta atenção às necessidades da Igreja na sociedade, em cada tempo e onde estamos”, salienta a irmã Mafalda, sublinhando, por isso, ser “muito difícil” dizer qual o carisma das Servas de Nossa Senhora de Fátima: “Este carisma sacerdotal mariano tem esta vertente da vivência do mistério da Encarnação na vida quotidiana do dia-a-dia. Por isso, somos religiosas sem hábito, porque na altura da fundação não podíamos tê-lo e depois mais tarde não fazia sentido passar a ter”.

Do ponto de vista pastoral, as religiosas desta congregação acabam por ter missões “bastante diversificadas”. “Temos irmãs que dão catequese, irmãs que estão nos secretariados diocesanos da catequese, outras que estão a criar uma escola para educadores de infância na Guiné-Bissau, e ser um berço da Universidade Católica lá, há enfermeiras, professoras ou irmãs que dão formação às educadoras. Na área social, ainda temos alguns centros sociais, concretamente no Patriarcado de Lisboa, na Ericeira, e em Valado dos Frades e na Benedita, onde temos colaborações”, descreve a irmã Mafalda Leitão.

Situada em Lisboa, mesmo ao lado da igreja de São Mamede, a casa geral das Servas de Nossa Senhora de Fátima foi o local onde Luiza Andaluz faleceu, em 1973, com 96 anos. Neste local no coração da cidade, onde funciona o governo geral da congregação, as religiosas mantêm arranjado o quarto onde a fundadora faleceu e que fica paredes meias com a capela. “A nossa casa geral está aberta a todos, e há pessoas que vêm cá ver o quartinho, rezar, conhecer um pouco mais da madre Andaluz, mas gostávamos de ter um serviço mais organizado, um espaço de serviço à comunidade”, deseja a conselheira geral das Servas de Nossa Senhora de Fátima.

 

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Um exemplo de vida cristã que interpela

A Congregação das Servas de Nossa Senhora de Fátima recebeu “com muita alegria” o reconhecimento, pelo Papa Francisco, das virtudes heróicas da fundadora, madre Luiza Andaluz, ocorrida no passado dia 19 de dezembro, mas entende que esta notícia é “uma interpelação” e “um desafio”. “Ficámos muito contentes por, no ano do centenário das aparições, recebermos esta notícia de que as virtudes heróicas da fundadora tinham sido reconhecidas e ela passava a ser venerável e um exemplo de vida cristã, reconhecido pela Igreja. Recebemos com muita alegria, mas mais do que a alegria, para mim, é a interpelação e o desafio a também assumirmos a nossa vida cristã com força, com vigor, com fidelidade, recebendo da madre este exemplo de tanta fidelidade e de caminho de obediência à vontade de Deus, de querer sempre fazer a vontade de Deus”, refere ao Jornal VOZ DA VERDADE a superiora geral da congregação, irmã Lucília Maria Gaspar, lembrando a “coincidência do centenário das aparições” e o “muito afeto” da fundadora “a Fátima”.

A fase diocesana do processo de canonização de Luiza Andaluz terminou no dia 25 de março de 2000. No dia 3 de abril desse ano, o processo foi entregue em Roma. “Foi uma grande caminhada de espera deste reconhecimento”, frisa esta religiosa, destacando o “grande esforço e o trabalho” da congregação.

Depois do decreto de reconhecimento das virtudes heróicas, a aprovação de um milagre é agora o passo necessário para a proclamação como beata. “Mesmo que não haja milagre, a nossa fundadora já é reconhecida como exemplo de vida e como modelo de santidade. Se Deus quiser servir-se dela para manifestar ainda mais a sua misericórdia para alguém, ficamos mais contentes. Mas isso pressupõe, primeiro, uma grande fé em Deus e, depois, acreditar que Luiza, pela sua vida, terá junto de Deus um lugar particular e que Ele, se calhar, a ouve – como a ouviu tantas vezes, pela confiança que ela tinha n’Ele – em favor de alguém que precise de uma atenção particular de Deus”, manifesta a irmã Lucília. A superiora geral da Congregação das Servas de Nossa Senhora de Fátima revela ainda que “há algumas graças e situações em análise”.

texto e fotos por Diogo Paiva Brandão
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