Entrevistas |
João Luís Fontes, coordenador da obra ‘Bispos e Arcebispos de Lisboa’
“Projetar o futuro” conhecendo a “memória que trazemos”
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Potâmio, no século IV, é apenas o primeiro nome conhecido de um Bispo de Lisboa. Até 1716, ano da qualificação patriarcal, muitos se seguiram na condução da diocese. Os seus legados, percursos e outros aspetos são agora apresentados na obra ‘Bispos e Arcebispos de Lisboa’. Em entrevista ao Jornal VOZ DA VERDADE, o responsável pela coordenação da publicação, João Luís Fontes, refere que esta não é uma obra acabada e aponta como desafio a elaboração da história da diocese.


Como surgiu a ideia para a obra ‘Bispos e Arcebispos de Lisboa’, que foi apresentada no passado dia 28 de maio?

A obra surge a partir de uma conversa com o senhor Patriarca, na altura da preparação das comemorações dos 300 anos da criação do Patriarcado, em 2014. Nas comemorações, acontecia algo que implicava repensar a Igreja de Lisboa, que era o próprio Sínodo Diocesano. E não se pensa o presente e projeta o futuro sem ter em conta toda uma memória que trazemos, enquanto povo de Deus. Por outro lado, poderia ser uma oportunidade para tentar fazer algumas sínteses sobre os percursos dos Bispos e Arcebispos de Lisboa. É evidente que a grande síntese que gostaríamos de fazer seria uma história da diocese, mas achou-se que seria, para já, precoce porque esta é uma diocese muito particular em vários aspetos. É uma diocese enorme e que, no período medieval e moderno, incluía outras dioceses que hoje já estão autonomizadas, tais como Santarém, Setúbal e parte de Leiria. Lisboa é a diocese da capital do Reino e esse facto dá-lhe uma fisionomia muito diferente. Neste meio termo, achámos que seria interessante e importante começar por recuperar e completar a biografia dos Bispos e Arcebispos que estiveram à frente da diocese. Como já existe uma obra sobre os Patriarcas de Lisboa, este novo livro contempla os prelados até a criação do Patriarcado, em 1716. Desde a restauração da diocese, no século XII, até à atribuição do título patriarcal, fizemos as biografias dos respetivos Bispos e Arcebispos. Para o período anterior, desde o século IV, em que a informação é muitíssimo mais dispersa e escassa, procurámos fazer capítulos de síntese em que apresentamos o que é possível saber, para já, sobre os primeiros Bispos após a chegada do cristianismo ao atual território português, o que sabemos sobre a Igreja de Lisboa no período visigótico e, depois, o modo como a própria Igreja de Lisboa sobrevive e resiste sob a ocupação muçulmana.

 

Que desafios se colocaram para a procura de informação?

Foi, sobretudo, a própria natureza das fontes. Para o período visigótico, o que temos, muitas vezes, são referências à participação dos Bispos de Lisboa em Concílios que aconteceram na Península. Para muitos, é a única referência que temos. Mesmo assim, permite-nos compilar dados e perceber que existe uma continuidade na organização eclesiástica no território de Lisboa.

No período da antiguidade tardia, temos um caso muito excecional que é o Bispo Potâmio, do século IV. Foi uma figura muito bem trabalhada pelo senhor D. António Montes Moreira, que já tinha estudado este Bispo na sua tese de doutoramento (1964). Potâmio é a primeira referência conhecida ao nome de um Bispo de Lisboa, ainda por cima um Bispo excecional, na medida em que se conhece grande parte da sua obra escrita, que esteve relacionada com as questões do arianismo, e com todo o debate cristológico que atravessa toda a antiguidade tardia, entre as Igrejas do Oriente e Ocidente.

 

Que ideias gerais se podem destacar nesta obra dos ‘Bispos e Arcebispos de Lisboa’?

No prefácio, D. Manuel Clemente já sintetizou algumas ideias interessantes em relação àquilo que encontramos na obra. A investigação desenvolvida procurou apresentar o que historicamente podemos conhecer do percurso dos prelados lisboetas: as suas origens familiares, a sua formação e carreiras políticas e eclesiásticas, as suas experiências pastorais e, muitas vezes, também os laços que estabeleceram entre a dimensão pastoral e a dimensão política. Aliás, D. Manuel Clemente chama a atenção para isso, de como essas duas esferas se interpenetram no percurso destes prelados. Há Bispos que são apresentados como reformadores e que têm de fazer coexistir esse ímpeto reformador com o serviço Régio. Por exemplo, houve Bispos obrigados a ausentarem-se da diocese para serviços diplomáticos, pedidos pelo monarca. Por outro lado, há aspetos interessantes de prelados que se conheciam muito mal, sobretudo aqueles que estão ligados a um período mais complicado que é o período em que o papado está em Avinhão (1309-1377) e, depois, o período do Cisma do Ocidente (1378-1415), onde tivemos dois Papas – e chegámos, até, a ter três! –, e em que os reinos cristãos se dividiram muito entre a obediência a Roma e obediência a Avinhão. Também em Lisboa tivemos alturas em que tínhamos um Bispo nomeado por Avinhão e outro por Roma.

 

Que outras dimensões é que a investigação permitiu valorizar?

As dimensões da iconografia associada aos Bispos, por exemplo, no modo como foram representados ou se fizeram representar, quer nos selos, quer na tumulária, quer na pintura ou no retrato, quer em obras que promoveram ou escreveram, ou em empresas artísticas que estão ligadas diretamente ao seu patrocínio, incentivo, ou na própria heráldica. Temos vários exemplos de como as armas dos Bispos foram sendo gradualmente valorizadas na forma de marcar a sua presença e também o seu poder. Tivemos uma equipa que colaborou connosco e procurou fazer este levantamento exaustivo do que existe em Portugal e também no estrangeiro, porque alguns Bispos, sobretudo no período no final da Idade Média, acabaram por não morrer na diocese, e nem sequer em Portugal.

 

Qual poderá ser o impacto desta publicação?

Esta obra vem preencher uma lacuna que é a de facultar biografias atualizadas dos Bispos e Arcebispos de Lisboa. Algumas coisas estavam muito dispersas e outras só se encontram referenciadas por D. Rodrigo da Cunha (1577-1643), que foi, sucessivamente, Bispo do Porto e Arcebispo de Braga e de Lisboa e que escreveu biografias dos prelados das dioceses por onde passou. No caso de Lisboa, acabou por fazer apenas o primeiro volume de uma obra que ele projetava ser maior. Foi apenas até ao século XIV. Mesmo assim, toda essa informação é hoje muito útil porque foi consultada documentação histórica que, após o terramoto, desapareceu. A esse nível, é precioso, mas em muitos casos estávamos excessivamente dependentes da documentação e informação que ele facultou.

Mesmo assim, era preciso apresentar essas biografias num formato diferente, valorizando outras dimensões que, na versão de D. Rodrigo da Cunha, não eram tão importantes ou às quais não se dava tanta visibilidade e, por outro lado, fazer uma obra que pudesse fazer coexistir um grande rigor científico num formato que fosse acessível para um público mais geral. Por isso, procurámos não tornar a obra ‘pesada’, e fizemo-la num formato que não fosse para guardar somente na estante ou em cima da mesa, mas que fosse facilmente utilizada por quem vai ler, consultar ou, simplesmente, para quem chega, no fim do dia, e se senta para ler um percurso de vida de um dos Bispos e Arcebispos de Lisboa.

 

Como coordenador deste projeto, o que mais o surpreendeu?

Surpreendeu-me ver – apesar de percursos e de épocas em que os Bispos não estavam, ou que olhavam para a diocese com interesses de outra ordem que não o pastoral – como a vida do povo de Deus se vai mantendo e vai continuando com outras estruturas. Não deixa de haver Igreja! Há de ser a reconstituição de todo este percurso que nos vai ajudar a dar importância ao que aqui está e a enquadrar melhor o seu significado verdadeiro ou, pelo menos, aquilo que nós conseguimos apreender desse significado, daquilo que o passado nos deixa vislumbrar. Sempre com a humildade de que a realidade há de ser sempre maior do que aquela que nós descobrimos.

 

Que desafios se colocam com a publicação desta obra?

Esta não é uma obra acabada. É sempre possível investigar e saber mais. Gostávamos que fosse um desafio a não ficar por aqui, ou seja, a voltar ao desafio inicial, concretizando-o: fazermos uma efetiva história da Diocese de Lisboa e das dioceses de Portugal. Esse é o projeto do Centro de Estudos de História Religiosa, da Universidade Católica Portuguesa, onde esta obra se insere, em termos científicos. É uma área onde se está a tentar avançar e propor uma história das dioceses, agora com um novo olhar e com novas metodologias da historiografia contemporânea. 

 

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Perfil

João Luís Inglês Fontes, de 46 anos, é investigador do Centro de Estudos de História Religiosa, da Universidade Católica Portuguesa, e é subdiretor do Instituto de Estudos Medievais, da Universidade Nova de Lisboa. Para João Luís, a direção da publicação ‘Bispos e Arcebispos de Lisboa’ foi um projeto “desafiante”, feito com uma equipa numerosa. “Em grande parte, a obra não é minha. Acabei por estar a dirigir a obra com uma equipa de coordenação muitíssimo importante em que participaram os Doutores Maria Filomena Andrade, António Camões Gouveia e Mário Farelo. Além dessa equipa de coordenação, esta é uma obra que reúne cerca de 45 autores e mais uma dezena de outros colaboradores”, refere este investigador, salientando que ficou “agradavelmente surpreendido” pelo apoio que as instituições culturais portuguesas deram à obra.

 

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‘Bispos e Arcebispos de Lisboa’ aponta para uma obra mais vasta sobre a história da diocese

Na sessão de apresentação da obra ‘Bispos e Arcebispos de Lisboa’, o Cardeal-Patriarca definiu a recente publicação como “o esteio” de uma futura obra sobre a história da Diocese de Lisboa. Para D. Manuel Clemente, esse projeto é “extremamente importante” para contar a história de Portugal, sustentando que “a história da Igreja é quase a formatação da sociedade portuguesa, no seu conjunto”.

A “disponibilidade científica” para orientar o processo de realização da história da Diocese de Lisboa foi também manifestada pelo diretor de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa. “Com todos estes materiais, torna-se imperioso avançar para a síntese alargada”, afirmou Luís Carlos Amaral.

A sessão de apresentação da obra ‘Bispos e Arcebispos de Lisboa’ decorreu no passado dia 28 de maio, na Universidade Católica, em Lisboa, e contou com as intervenções de João Luís Inglês Fontes, diretor da publicação; Paulo Fontes, diretor do Centro de Estudos de História Religiosa, da UCP; Luís Carlos Amaral, professor da Faculdade de Letras da Universidade do Porto; José Pedro Paiva, professor na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra; Luciano Patrão, da editora Livros Horizonte; e Filipa Klut, administradora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

 

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A obra ‘Bispos e Arcebispos de Lisboa’, da editora Livros Horizonte, insere-se nas comemorações do tricentenário do Patriarcado de Lisboa e está à venda nas livrarias de todo o país. A publicação tem o patrocínio do Patriarcado de Lisboa e da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

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