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P. Gonçalo Portocarrero de Almada
Eles, os padres

O subtítulo de “Nós, os padres”, é algo despudorado: “11 padres confessam-se”! Contudo, corresponde à realidade do texto que a Aletheia deu agora à estampa. Com efeito, onze presbíteros acederam ao convite de se confessarem publicamente. Todos eles, com total liberdade, responderam por escrito ao mesmo questionário que a todos foi proposto e que, de alguma forma, abarca toda a sua vida e vocação sacerdotal.

Neste tempo de vésperas das próximas ordenações sacerdotais no patriarcado de Lisboa e de rescaldo da solenidade do Sagrado Coração de Jesus, a leitura destes testemunhos sacerdotais vem muito a propósito, muito embora todas as ocasiões sejam boas para rezar pela santificação dos presbíteros desta diocese e de todo o mundo.

“Estes onze padres, que aqui expõem a sua vida e as razões que a sustentam – como explica D. António Couto, no prefácio da obra – vão contar-nos a sua experiência, os caminhos que encetaram e prosseguiram, os passos que deram e, sobretudo, o que os fez, ou vai fazendo, nas diferentes encruzilhadas que se lhes depararam, começar a ver a vida com olhos diferentes, com esquadrias diferentes”.

Não se pense contudo que, na iminência do campeonato mundial de futebol, esta equipa é uma selecção nacional: na realidade, não são os melhores nem os piores, não são os mais importantes nem os mais insignificantes, não serão também os mais santos nem os mais pecadores, os mais doutos nem os mais ignorantes, os mais prudentes nem os mais temerários. O critério não foi o da excelência pessoal, sem prejuízo para a evidente qualidade de todos e cada um deles, mas o da relevância do seu respectivo carisma no panorama eclesial. Neste sentido, cada um interessa não tanto pela pessoa que é individualmente, mas pelo caminho que percorreu na Igreja e no mundo: estes nomes e apelidos poderiam ser outros quaisquer, porque é sempre Deus quem escreve as biografias daqueles que chama para o seu serviço no ministério sacerdotal.

A amostra é significativa e variada: predominam, como é lógico, os padres diocesanos, nomeadamente do patriarcado de Lisboa e de diversas dioceses nacionais: Algarve, Coimbra e Lamego, em representação, respectivamente, do sul, centro e norte do país. Também constam os testemunhos de outros sacerdotes seculares, como um presbítero do Caminho Neocatecumenal e um padre da prelatura do Opus Dei. Entre os religiosos, há também uma expressiva representação de várias instituições eclesiais: dois presbíteros da Companhia de Jesus, um religioso dominicano e um missionário claretiano. As idades oscilam entre os 76 anos do mais velho e os 28 anos do mais novo. Muito diversas são ainda as proveniências sociais e eclesiais, os percursos vocacionais e as experiências de vida. Mas, mais do que as diferenças, sobressai da leitura destas páginas, inspiradas e inspiradoras, uma curiosa afinidade sobrenatural, que a todos irmana num mesmo chamamento e que a todos configura à imagem e semelhança de Cristo, o bom Pastor.

Surpreendentemente, estes padres, que não são figuras mediáticas nem, salvo algumas honrosas excepções, de especial relevo na vida eclesial, coincidem num aspecto que é, sem dúvida, assombroso, sobretudo para quem, como se escreve no prefácio, “tem a ideia feita de que os padres são cinzentos e monótonos, feitos de renúncias e sacrifícios vários”. Com efeito, quem ler estas páginas, que são vidas de uma só vida de amor, poderá “verificar que palpita nestes onze retratos, não apenas uma vida igual a tantas outras, mas também uma alegria nova, um amor novo, um grande abraço à vida”.

Porque são homens apaixonados, transparece nos seus relatos um denominador comum: a alegria. Todos, de uma forma ou outra, confessam humildemente que são felizes, embora bem cientes das suas próprias limitações e das dificuldades que encontram na realização da sua exigente missão pastoral. Não sentem ainda, decerto, aquela felicidade que só no Céu se pode alcançar, nem também a que decorre da satisfação imoderada de todos os prazeres, até porque alguns lhes estão canonicamente vedados. Mas já experimentam aquela felicidade a que aludiu Jesus de Nazaré, quando disse que “há mais felicidade em dar do que em receber” (Act 20, 35).

Todas estas histórias são, afinal, uma só história, a de “Quem levou estes onze jovens (ou nem tanto) a deixar para trás um percurso já andado e cimentado, uma carreira já perspectivada, um modo de vida já experimentado, a abraçar livros novos, páginas novas, portas novas, todas ainda por abrir e percorrer”, como escreve, no prefácio, o Bispo de Lamego. É também D. António Couto quem conclui que a entrega deles a Cristo, no ministério sacerdotal, “não foi por desgosto ou desamor, mas por um amor maior, por mais amor”.