Lisboa |
Padre Colimão apresenta ‘Retalhos da Vida Pastoral’
Construtor de Igrejas
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Tem o seu nome intimamente ligado à construção da Igreja Paroquial de São Francisco Xavier, a igreja-caravela do Restelo, como é apelidada por alguns. O padre António de Oliveira Colimão nasceu na Índia, teve o Papa Paulo VI presente na sua ordenação, em Bombaim, veio para Portugal de férias e por cá ficou, tendo sempre como prioridade a construção da Igreja comunidade.

 

Esteve 25 anos na paróquia do Alto do Restelo. Construiu uma nova igreja, mas a sua prioridade apostólica foi a construção de outra Igreja, de pedras vivas: a comunidade. “A Paróquia de São Francisco Xavier tinha boa gente, formada cristãmente, mas sem sentido de comunidade cristã. Era gente que ia à Missa a Belém, mas depois nada mais…”, recorda o padre Colimão, ao Jornal VOZ DA VERDADE. “Foi nessa altura que as pessoas começaram a ouvir o termo ‘família paroquial’”, acrescenta este sacerdote indiano, de 82 anos, que sempre procurou responsabilizar as pessoas. “Integrei os leigos, que foram sempre grandes colaboradores. Como não tive a colaboração de padres, trabalhei sempre muito com leigos. Mas temos de lhes dar espaço”, aponta.

 

Ambiente cristão

O padre Colimão é natural de Silvassá, no concelho de Nagar-Avely, então distrito de Damão, na Índia. “Os meus pais eram naturais de Damão, embora o meu pai tenha nascido em Diu. Quando falamos de Goa, Damão e Diu, habitualmente pensamos que é como Algés, Belém e Alcântara, mas é tudo muito longe: de Goa a Damão são 700 quilómetros… e de Damão a Diu mais 700!”, explica. Nascido a 2 de março de 1936, diz que cresceu “num ambiente típico da Índia, que é altamente religiosa”. Apesar de o cristianismo ter menos de cinco por cento de fiéis neste país do continente asiático, o ambiente vivido na família “era profundamente cristão”. “A minha formação começou em casa, em família”, frisa, sublinhando ser o quinto de 11 filhos (sete rapazes e quatro raparigas). “Como eu era o quinto filho, a minha avó e as minhas tias, que tinham cerca de 18 anos e queriam um bebé para brincar, levaram-me para Damão, que fica a quase 30 quilómetros de Silvassá. Fiz lá a 1ª e 2ª classe e depois regressei a casa. Essa minha avó materna era o centro da família. Era pequena, mas uma grande mulher e deixou uma marca em todos nós”, garante.

A família tinha também uma grande ligação à comunidade. “A paróquia era quase a segunda casa. Eu cantava no coro – Deus dotou-me de voz e ouvido –, depois com 7, 8 anos comecei a aprender violino na própria igreja, para tocar nas celebrações e festas. A paróquia fazia parte da nossa vida”, destaca, lembrando ainda “a vida de oração, com o terço diário, em casa”. O padre Colimão perdeu a mãe quando tinha 12 anos, aquando do nascimento da sua irmã mais nova. “O meu pai, que era uma pessoa muito religiosa, acompanhou-nos sempre”, refere, em tom agradecido.

 

‘Não é brincadeira’

O ‘eu quero ser padre’ ou o ‘eu quero casar’ fazia parte das brincadeiras das crianças indianas. António Colimão, então com 13, 14 anos, recorda-se bem de como nasceu a sua inquietação vocacional. “Um dia, a minha irmã Emília – a terceira mais velha e que foi quase uma segunda mãe de todos nós –, pediu-me para fazer um recado à minha tia, que morava na vila, mesmo em Silvassá. Fui de bicicleta e passei pela igreja, para rezar, numa espécie de visita ao Santíssimo. Encontrei o meu prior, padre Pedro Pereira, e um padre missionário, de barba, que eu não conhecia, que era superior geral da Congregação de São Francisco Xavier, em Goa. Disse ‘Bom dia’ e quando fui para a capela ouvi o prior dizer ao outro padre: ‘Olhe, este há de servir’. Eu não liguei, rezei e quando me ia embora esse tal outro sacerdote, o padre Francisco Sequeira, fez-me a pergunta se eu queria ser padre, e eu disse que sim”, recorda. Feito o recado à tia, António regressa a casa e no Domingo seguinte, após a Missa, o pároco anuncia ao pai a intenção do filho de ir para o seminário. Chegado a casa, à pergunta natural do pai e perante a resposta positiva de António, o alerta: “‘Olhe que isso não é coisa para brincadeiras. Mas se queres, fico muito satisfeito’, disse-me o meu pai”.

Foi o pai do então adolescente António Colimão quem o levou a Goa, para o seminário menor, com os 700 quilómetros a serem percorridos de autocarro e comboio, ao longo de mais de 24 horas. “Encontrei um mundo completamente novo e diferente, até na língua, porque os rapazes não falavam português. Mas adaptei-me facilmente”, recorda, hoje, o padre Colimão. “Foi no seminário que descobriram os meus dotes musicais, que vinham da paróquia. Eu teria cerca de 15 anos e o mestre escolheu-me para ser responsável de um grupo de segunda voz”, lembra. Após o quarto ano, foi convidado para o noviciado. Interrompeu os estudos e levou, durante um ano, uma vida de silêncio, em que o seu único contacto era com os padres da congregação e os sete ou oito colegas. “Era uma vida bastante fechada”, aponta. Fez depois três anos de Filosofia e tornou-se “o responsável número dois da parte coral”. Algo que o “atrapalhou bastante”, mas que “foi uma grande escola”. Seguiu-se o regenciado, ou seja, um novo ano sabático, numa altura em que “já era religioso e pertencia à congregação missionária”. No Seminário das Missões de São Francisco Xavier no Pilar, Goa, cursou ainda mais quatro anos de Teologia.

 

Ordenado perante o Papa

Chegou então o dia da ordenação, em 2 de dezembro de 1964, em Bombaim, durante o Congresso Eucarístico Internacional realizado aquando da visita do Papa Paulo VI ao país. “A ordenação decorreu com a visita do beato Paulo VI e toda a Índia entrou em ebulição. As dioceses foram convidadas a apresentar os candidatos à ordenação, tendo sido ordenados mais de 100 padres, distribuídos em cinco altares, numa celebração campal. O Papa chegou ao aeroporto e foi diretamente ao nosso altar, que era o principal da ordenação”, conta o padre Colimão. “No dia da minha ordenação, o Papa Paulo VI esteve lá e abençoou-nos”, salienta, orgulhoso, este sacerdote indiano. A Missa Nova foi celebrada a 8 de dezembro, Solenidade da Imaculada Conceição, em Damão. “Foi na terra da minha avó, que ainda estava viva”, destaca.

Já como sacerdote, o padre Colimão fez estágio pastoral em Bombaim, durante cerca de seis meses. “No seminário somos tratados quase como numa estufa e em Bombaim pude contactar com as pessoas, os padres, os leigos, os hindus… recordo-me que uma das primeiras reuniões foi com os sindicalistas católicos”, observa. Seguiu-se a missão na Diocese de Sambalpur, em Orissa, em especial com os aborígenes. Passados pouco meses, recebe um convite do superior, padre José Albuquerque, “um amigo da família”, para ser professor no Seminário Maior de São Francisco Xavier, em Goa. Seria um regresso a ‘casa’. “Eu gostava muito de estar de estar nas missões, que me abriram outra perspetiva, mas, por obediência, aceitei ir. Como estava muito feliz nas missões, autorizaram a que eu fosse para o seminário somente passado uns meses, no início do ano pastoral”, conta. No seminário, durante seis anos, o padre Colimão ensinou Canto Gregoriano, Música Clássica Indiana e Música Ocidental e esteve na direção do Orfeão de Santa Cecília e Orquestra Xaveriana. “Fazia muita coisa, mas também era um jovem!”, brinca.

 

Pedidos insistentes para ficar

A chegada a Portugal aconteceu a 18 de junho de 1970, no contexto de uma visita ao pai e irmãos, que estavam no nosso país há vários anos, desde antes da sua ordenação. “Foi a primeira vez que vim à Europa”, partilha. A ideia era ficar um mês, mas então começaram a surgir os convites para ficar por cá. “Ouvia muitas vezes: ‘Eles têm muitos padres na Índia e cá é que há falta de padres’. Pediram-me muito para ficar e tive uma luta interna terrível, com um peso na consciência. Porque, normalmente, um padre sai de uma congregação quando há um problema, e eu não tinha tido nada”, confessa. Escreveu então ao superior a explicar e começou a colaborar na Paróquia da Ajuda, onde esteve seis meses. Em fevereiro de 1971, “após uns problemas com o visto, resolvidos em Inglaterra”, iniciou colaboração com o padre Aleixo Cordeiro. E assim foi, durante 13 anos. “Trabalhei muitos anos em Carcavelos e na Parede, numa missão de servir, em que fazia o que me era pedido”, recorda.

Terminado o processo de incardinação no Patriarcado de Lisboa, decorria o ano de 1983 quando o então Cardeal-Patriarca D. António Ribeiro o nomeia pároco da Cruz Quebrada e Dafundo, onde esteve até 1993. “Foi na Cruz Quebrada que comecei a desabrochar de uma forma pastoral rica. Encontrei um ambiente missionário, com perto de oito a dez mil cabo-verdianos, e a paróquia ganhou muita vida”, refere. A partir de 1991, o padre António Colimão acumulou, como pároco interino, a Paróquia de São Francisco Xavier, em substituição do padre goês José Andrade, que tinha adoecido. Dois anos depois, em 1993, foi nomeado pároco e também capelão da Prisão de Caxias.

 

Construir duas ‘Igrejas’

Em São Francisco Xavier, a missão era ‘simples’: formar a nova comunidade paroquial do Alto do Restelo, que se tinha separado de Santa Maria de Belém, em 1990, e construir uma nova igreja paroquial, dedicada ao Apóstolo do Oriente. A comunidade reunia-se “num pré-fabricado, a que chamavam barracão, com desprezo”. “Foi lá que se fez esta comunidade de São Francisco Xavier”, manifesta este sacerdote, que em 1997 passou também a ser confessor das Missionárias da Caridade (Irmãs de Calcutá).

Quando lhe falam da nova igreja paroquial, que foi dedicada em 3 de dezembro de 2011, pelo então Cardeal-Patriarca D. José Policarpo, e lhe dizem que foi ‘capricho’ seu, o padre Colimão socorre-se de um pequeno cartão, que lhe foi enviado pelo cardeal D. António Ribeiro, onde está escrito: ‘Permita Deus que em breve se possa dar início à construção da Igreja Paroquial de São Francisco Xavier’. “Portanto, a nova igreja foi um pedido da Igreja. Tudo foi feito com a licença do Patriarcado, porque esta comunidade precisava, mesmo, de uma igreja paroquial”, salienta.

Dos 25 anos, entre 1991 e 2016, que esteve na paróquia do Alto do Restelo, o padre António Colimão diz ter sido “difícil” criar “o espírito de comunidade”. “No dia da minha tomada de posse, eu disse que a primeira prioridade era fazer a Igreja comunidade”, refere o padre Colimão, destacando “a importância do boletim paroquial, criado há quase 30 anos, como elo de comunicação”, bem como, “em especial, a colaboração dos leigos”, para o cumprimento da sua missão, nestes quase 50 anos em Portugal.

 

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“Implantar Cristo em todos os corações”

Na apresentação do livro ‘Retalhos da Vida Pastoral’, da autoria do padre António Colimão, a paroquiana Dina Matos Ferreira destacou o papel que o sacerdote indiano teve na construção da comunidade de São Francisco Xavier, no Restelo, em Lisboa. “Quando chegou a esta paróquia, em 1993, deu-lhe um projeto sem glosa, apenas fazendo ressoar as palavras de Cristo: ‘Eu Sou o Caminho, a Verdade e a Vida; Ninguém vai ao Pai senão por Mim’. E propôs dois objetivos: construir uma igreja viva – comunidade cristã – comunhão e missão, e construir um templo. Se sabemos como foi árduo o segundo objetivo de construir um templo, penso que não estarei longe da verdade se afirmar que o primeiro constituiu maior provação. Pois o espírito de comunidade foi sempre, entre nós, a sua prioridade apostólica e outro dos seus sinais distintivos”, destacou. Nesta sessão, que decorreu no final da tarde do passado dia 28 de junho, no adro da Igreja Paroquial de São Francisco Xavier, esta consultora de Comunicação e Relações Públicas frisou depois a “longa etapa de evangelização” do antigo pároco. “Quem conheceu, como nós, o nosso querido padre Colimão nesta fase da sua vida, descortinou imediatamente a sua urgência por acolher, chamar, integrar, chegar a todos. Todos sem exceção: de idade, de raça, de posses e até de credos”, apontou Dina Matos Ferreira, falando de um livro “completo e muito rico no acervo que reúne” e do padre Colimão como alguém que procurou “implantar Cristo em todos os corações”.

Na apresentação do seu livro, o padre António Colimão começou por agradecer “a toda a Paróquia de São Francisco Xavier” e “à família”, e destacou a presença de leigos das paróquias onde trabalhou em Portugal. “Vejo pessoas da Ajuda, de Carcavelos, da Cruz Quebrada, em especial a equipa do centro social paroquial, mas também da Índia e da Associação Fraternidade Damão-Diu e Simpatizantes, criada para promover a cultura indo-portuguesa”, apontou. Dizendo sentir-se “novato nestas andanças” da escrita, o autor assumiu ter sido “um chato” na sua vida pastoral. “Eu interpelava e chamava as pessoas”, manifestou. “Perguntam-me porque não escrevi mais, mas a vida de pároco não é fácil. Por isso, chamei ao livro ‘Retalhos da Vida Pastoral’, porque são mesmo retalhos”, assumiu o padre Colimão.

Margarida Oliveira, da editora By the Book, destacou que o livro ‘Retalhos da Vida Pastoral’ reúne “um conjunto de textos escritos ao longo de uma vida pastoral rica, frutuosa”, que deu “muitas alegrias”. Esta leiga, da Paróquia de São Francisco Xavier, confidenciou ter tido “a confiança do padre Colimão” para “dar forma às suas reflexões”, e agradeceu ao sacerdote indiano o facto de a ter ‘puxado’ para esta comunidade paroquial, no Restelo.

texto por Diogo Paiva Brandão; fotos por Filipe Teixeira e arquivo
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