
No início de um ano pastoral dedicado à Liturgia, o padre Pedro Lourenço, diretor adjunto do Departamento de Liturgia do Patriarcado de Lisboa, fala ao Jornal VOZ DA VERDADE das iniciativas que vão ter lugar em todas as vigararias e afirma que ainda “há muito a fazer” na formação para tornar a liturgia como “lugar de encontro com Deus e com a comunidade cristã”.
Depois de um ano dedicado à Palavra de Deus, a Diocese de Lisboa é convidada a olhar para a liturgia. Como é que o Departamento de Liturgia vai ajudar as comunidades cristãs a viverem este ano?
O Departamento de Liturgia do Patriarcado tem a missão de ajudar a diocese na formação litúrgica. Seja na formação dos ministérios específicos, seja na formação de todo povo de Deus para uma melhor vivência da liturgia. Sendo um ano particularmente dedicado à liturgia, a partir da proposta da Constituição Sinodal, o departamento investirá especialmente em proporcionar a toda a diocese um contributo formativo, com cinco encontros, em cada uma das vigararias. Procuraremos ajudar as comunidades a terem um conjunto de elementos base para a vivência da liturgia. O primeiro encontro será sobre o que é liturgia, a partir da sua compreensão, proposta pelo Concílio Vaticano II na constituição Sacrosanctum Concilium. O segundo encontro será sobre a liturgia ao longo da história, para percebermos que a liturgia não é uma realidade fixa – tem elementos fixos, porque instituídos por Jesus, que, tal como próprio concílio o disse, são de instituição divina e, por isso, imutáveis; mas, depois, a sua forma tem aplicação conforme cada época da história e cada cultura. Outro encontro será sobre a celebração litúrgica no espaço e no tempo, ou seja, para compreendermos o espaço litúrgico, os seus elementos simbólicos, toda a significação do lugar onde celebramos, mas também o tempo: o ano litúrgico, as festas, o dia litúrgico. Depois, teremos dois encontros dedicados à celebração da Eucaristia, para percebermos cada um dos elementos que constituem esta celebração. Com estes encontros, é óbvio que não fica toda a formação feita, mas será uma ajuda para que cada comunidade possa encontrar os seus meios próprios de aprofundar a formação, conforme possível e nas suas realidades concretas.
Para além desta proposta de formação, temos também o projeto de fazer um folheto mensal, muito simples, de carácter formativo, para ser distribuído em todas as paróquias da diocese.
Como é que o Departamento de Liturgia está organizado, sobretudo para responder a estas iniciativas?
O cónego Luís Manuel é o diretor. Eu sou o diretor adjunto e temos mais membros que constituem a equipa: o padre Alberto Gomes, o padre Pedro Tavares, o padre Ricardo Jacinto, o padre Luís Leal e a Isabel Alçada Cardoso. Procuraremos, na medida do possível, que estes encontros sejam orientados por cada um de nós. Estamos ainda na fase de concretização da distribuição de tarefas, procurando também recorrer a outras pessoas que, pontualmente, nos possam ajudar, até porque, inevitavelmente, existirão alguns encontros que coincidirão nas datas. Esta formação vai começar já em outubro, com datas propostas pelas vigararias, e prosseguirão até perto da Páscoa, conforme o agendamento proposto.
O que ainda há a fazer, na Igreja, para se viver a liturgia como lugar de encontro com Deus e com a comunidade cristã?
Há muito a fazer porque é importante passar da compreensão da liturgia como um cumprimento de regras ritualistas, um conjunto de rubricas a cumprir como preceito, para a liturgia na compreensão dos seus ritos, ritos cheios de significado e que podem proporcionar um encontro orante comunitário e pessoal. Porque a liturgia acontece em comunidade e leva ao encontro pessoal com Jesus.
Acontece muito uma dicotomia que é acharmos que é preciso celebrar porque faz parte da nossa vida em Igreja, mas, em paralelo, a minha oração pessoal, o meu encontro íntimo com Jesus tem pouco a ver com o que eu celebro ou com o que eu recebo de alimento a partir dos ritos celebrados. É importante perceber que o encontro de Deus connosco acontece na comunidade, na ação litúrgica, aprofunda-se na oração pessoal e comunitária, para além da liturgia, e concretiza-se na missão.
Claro que para se chegar à descoberta da liturgia como lugar de encontro com Deus, na comunidade, com cada um de nós, é preciso entender o que se celebra. A linguagem litúrgica não é uma linguagem banal e, nalguns casos, é densa. É preciso perceber os sinais, perceber os símbolos litúrgicos, perceber que não são apenas simples materiais, mas que, naquele gesto ou naquele objeto, está uma presença de Deus para se encontrar connosco. E isso nem sempre é percebido.
Há então que desenvolver o sentido comunitário na liturgia?
Sim, porque a liturgia não é nunca ação individual do sacerdote, nem se limita à minha piedosa – mas, tantas vezes, individualista – assistência à ação sagrada realizada pelos ministros. O Senhor encontra-se comigo e quer encontrar-se comigo pessoalmente, mas através da comunidade e na comunidade. Isso não me priva da relação pessoal com Jesus, mas aprofunda essa relação e leva-me ao encontro dos outros.
A criação de grupos de oração e outras iniciativas semelhantes podem ser um veículo para chegar a esse encontro?
Claro que sim, através da perscrutação da Palavra de Deus, da Lectio Divina, da partilha da Palavra… Tantos métodos propostos pela Igreja para um encontro com Jesus a partir da Palavra. Mas é importante termos consciência de que essa Palavra, que nos alimenta na oração, em grupo ou pessoalmente, é uma Palavra que depois culmina na liturgia e também dela deriva.
Na carta do Cardeal-Patriarca de Lisboa, no início do ano pastoral, é feita a sugestão para uma releitura da constituição Sacrosanctum Concilium, “base de toda a reforma litúrgica que recebemos”. Quais as novidades, na liturgia, que o Concílio Vaticano II trouxe à Igreja?
Uma coisa muito importante que o concílio trouxe, e foi pouco entendida ou pouco acolhida, foi o interpretar da liturgia como o acontecimento presente da história da salvação, ou seja, não se trata apenas de repetir algo que Jesus fez e nos mandou fazer. Tudo o que Jesus fez é o culminar de uma história de amor de Deus pela humanidade. A isso chama-se história da salvação. Essa história culmina na Páscoa de Jesus e essa obra da Páscoa continua na vida da Igreja, através da liturgia. É a história da salvação a acontecer hoje para nós. Esta leitura da liturgia em chave de história da salvação é uma novidade, apesar de não ter sido inventada no Concílio Vaticano II, uma vez que foi sendo preparada ao longo de toda a reflexão, já no movimento litúrgico. Só assim se pode compreender depois a novidade proposta, procurando uma simplificação dos ritos. Não se trata de um simplismo, nem sequer um despojamento para os tornar vazios de sentido. É uma simplificação para acolher o essencial, aquilo que é de instituição divina, aquilo que é de enquadramento eclesial, recebido ao longo da tradição cristã, percebendo que muitos elementos foram sendo adicionados à liturgia, por vezes, fruto de determinada época e que não fazem parte do essencial.
Alguns consideram que esses ritos ficaram demasiado despojados da sua riqueza e que assim já não possibilitam o encontro com Deus, com o mistério de Deus. Atenção a uma coisa muito importante: o Concílio Vaticano II, na constituição Sacrosanctum Concilium fala muitas vezes do “mistério” e esta palavra é, frequentemente, mal entendida porque achamos que o mistério é aquilo que é incompreensível e obscuro, imaginando Deus como incompreensível e misterioso e que assim deve permanecer. Ora, a Bíblia, a teologia e a própria tradição litúrgica mostram-nos que o mistério é o desígnio do Amor de Deus por nós: infinito, insondável, mas tornado acessível em Jesus. É isso que nós celebramos: o mistério, o desígnio, o acontecimento do Amor de Deus em Jesus, oferecido para nós. Por isso, a liturgia não há de ser nunca o esconder esta realidade do mistério de Deus, mas torná-lo presente para nós. Não se trata apenas de mostrar, mas de nos fazer participantes deste desígnio, deste projeto, deste mistério. Claro que é inesgotável e nunca o compreenderemos todo – está para além daquilo que são as nossas capacidades. Só o vamos saborear e contemplar plenamente na eternidade. Por agora, contemplamo-l’O através dos sinais litúrgicos e da vida comunitária.
Trata-se de uma reforma litúrgica que ainda está a acontecer...
O Papa João Paulo II, na carta Vicesimus quintus annus, por ocasião dos 25 anos da Sacrosanctum Concilium, também citada na recente carta de D. Manuel Clemente, ajuda-nos a perceber em que ponto estamos. O primeiro momento foi o de reformar os ritos, restaurar o que era necessário e purificar os elementos acessórios ou a excessiva repetibilidade. Depois, a publicação dos livros litúrgicos e a sua receção eclesial, ou seja, o aprender a celebrar segundo a proposta da liturgia reformada. Passados 25 anos, o Papa João Paulo II dizia que o tempo seguinte era, não o da reforma (da mudança da forma, já proposta pelo Concílio Vaticano II), mas o da renovação litúrgica, a partir da proposta conciliar. Ou seja, trata-se de reencontrar a riqueza da liturgia como uma realidade a ser sempre aprofundada e vivida, em cada geração, comunidade e por cada um dos fiéis. Portanto, a reforma em si, está feita. O acolhimento ou a renovação que é necessária, de cada comunidade ou pessoa, é uma realidade permanente que tem de acontecer, sobretudo a partir da formação litúrgica.
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Carta aos diocesanos
O Cardeal-Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, escreveu a ‘Carta aos diocesanos de Lisboa, no início do ano pastoral 2018-2019’. O documento, que foi publicado no passado dia 1 de setembro, está acessível através do link: http://bit.ly/carta_18_19.
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