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Pedro Vaz Patto
As forças do Mal

Dados recentemente divulgados dão uma ideia mais nítida da dimensão dos abusos sexuais praticados por sacerdotes em vários países ao longo das últimas décadas. São números impressionantes e tenho dificuldade em encontrar uma explicação razoável para este fenómeno.

Convém sublinhar que este fenómeno não se verifica do mesmo modo noutros países, que não se verifica entre os sacerdotes mais do que noutras profissões (embora destas se fale menos) e que as medidas preventivas entretanto tomadas pela Igrejas de vários países (e que poderão servir de modelo para outros âmbitos onde medidas como essas não têm sido adotadas) vêm surtindo efeito (a ponto de serem hoje raras os casos denunciados). As situações mais frequentes não são de abusos sexuais de crianças (pedofilia), mas antes de atos homossexuais com adolescentes (efebofilia). São sempre reveladoras de abuso do poder clerical e de completo menosprezo dos princípios da ética sexual cristã.

Diante deste fenómeno, alguém verá abalada a sua fé na Igreja. Um dos motivos que é apontado como razão da quebra acentuada da prática católica na Irlanda nos últimos anos será, precisamente, o destes escândalos.

Outros, porém, recordarão outras épocas da história, em que os escândalos de membros da Igreja que traíram a mensagem de Jesus não eram menores. Nessas épocas, Deus não abandonou a sua Igreja, não deixou de a presentear com grandes santos (São Francisco e São Domingos na Idade Média, Santa Teresa de Ávila e Santo Inácio de Loiola, no Renascimento), que lhe deram novo vigor. Por isso, a Igreja resistiu a todos os escândalos e todas as crises, como não resistiria qualquer instituição humana. Até há quem sublinhe, a propósito, que esses escândalos serviram a muitos para reforçar a sua fé na Igreja, para descobrir como a força e a vitalidade desta não reside nas qualidades humanas dos seus membros, mas na assistência divina.

O escândalo dos abusos sexuais praticados por sacerdotes também deve servir para assim raciocinar. Não há que minimizar a gravidade do fenómeno, dizendo que os abusos sexuais de crianças se verificam mais em outros âmbitos sociais (onde também têm sido ocultados). É que eles, pura e simplesmente, não deveriam existir, pois representam a perversão completa da missão do sacerdote. Mas não podemos esquecer que também hoje Deus presenteia a sua Igreja com santos sacerdotes. Alguns deles dão a sua vida nos lugares mais pobres e esquecidos, lá onde não chega o trabalho (também meritório) de funcionários bem pagos de organizações internacionais. Recordou-o um sacerdote de Angola numa carta publicada mo New York Times e que circulou na internet.

Disse que não consigo encontrar explicação para este fenómeno dos abusos sexuais praticados por sacerdotes. Há certamente que procurar razões psicológicas ou sociológicas que possam ajudar a compreendê-lo. Mas talvez a explicação resida numa intervenção demoníaca que a mentalidade contemporânea tem dificuldade em reconhecer. O Papa emérito, Bento XVI, disse, quando veio a Portugal, que os ataques à Igreja muitas vezes não vêem dos seus inimigos exteriores, mas do seu interior. Disse Jesus, a respeito da sua Igreja, que as forças do Mal não prevalecerão sobre ela (Mt 16, 18) – o que quer dizer que essas forças a hão de atacar. É à luz desta promessa de que essas forças não prevalecerão, que os maiores escândalos não poderão nunca abalar a nossa fé na Igreja e não poderão fazer-nos perder a esperança de que esta (também com o contributo de cada um de nós) se há de purificar e regenerar sempre.