Artigos |
Guilherme d'Oliveira Martins
Palavras, luz e esperança

Por ocasião do Advento, importa compreender os sinais dos tempos, sejam eles de dúvida e perplexidade ou sejam de esperança. Há nuvens negras no horizonte, mas há motivos bons para celebrar a vida. E o primado da cultura não deve significar outra coisa senão a prioridade das pessoas e da dignidade humana. Há muitos anos já, o saudoso Padre Alberto Neto, no Liceu de Pedro Nunes chamou-nos a atenção para um poema de João Cabral de Melo Neto (1920-1999) «Morte e Vida Severina». Aí Severino parecia ter chegado ao fim da esperança, perguntando-se sobre a razão de ser da vida. Tudo parecia fechar-se perante sinais de desistência e de incapacidade. Tudo parecia apontar no sentido da ausência de saída ou de resposta. Até que chega a notícia de um bebé que nasce, e tudo parece mudar. Não há uma resposta formal ou racional, mas há uma “explosão de vida”, que abre novos horizontes: «E não há melhor resposta / que o espetáculo da vida: / vê-la desfiar seu fio, / que também se chama vida, / ver a fábrica que ela mesma, / teimosamente, se fabrica, / vê-la brotar como há pouco / em nova vida explodida; / mesmo quando é assim pequena / a explosão, como a ocorrida; / como a de há pouco, franzina; / mesmo quando é a explosão / de uma vida Severina».

*

Há uma semana foi apresentado o livro «O Seminário da Luz nos 50 anos da Sua Igreja» coordenado pelo Arquiteto João Alves da Cunha. Frei Isidro Pereira Lamelas dá um panorama exaustivo da presença do franciscanismo em Lisboa, desde 1216-17, cidade que se designou como de S. Francisco, tão forte foi a ligação entre a Ordem e a história da urbe. Temos igualmente os pormenores sobre como se criou o Convento de Nossa Senhora da Conceição, quem foram os construtores da Fraternidade. O certo é que não foi fácil tomar a decisão de adquirir a Quinta da Alameda, considerada por alguns irmãos demasiado sumptuosa para se tornar um convento de frades menores. Frei Teófilo de Andrade (futuro Bispo de Nampula) empenhou-se, no entanto, nessa decisão e foi graças ao seu voto de qualidade que foi tomada, já que os frades intervenientes empataram no veredicto. As vicissitudes da aquisição são relatadas e percebemos como Frei Teófilo teve razão – porque a Quinta tinha boas condições para desenvolver instituições educativas e porque foi possível preservar e proteger um património arquitetónico e paisagístico muito valioso. Note-se que o Cardeal Cerejeira chegou a pensar na propriedade para instalar o que seria o Seminário Maior dos Olivais. O livro é extremamente útil, até para o conhecimento histórico da instituição religiosa e da solução encontrada no tocante à Arte e Arquitetura. João Alves da Cunha faz-nos uma análise circunstanciada de como se chegou ao conjunto que hoje constitui a Fraternidade da Luz, desde a aquisição da Quinta em 1940 até a obra do Arquiteto Norberto Corrêa, passando pelo projeto de Gonçalo de Mello Breyner, que não se concretizou por o concurso ter ficado deserto dada a conjuntura de guerra. A obra ilustra ainda a modernização da Arte Religiosa entre nós, desde a decisão corajosa do Cardeal Cerejeira para a Igreja de Nossa Senhora de Fátima (Lisboa) até à conceção e construção da Igreja do Convento da Luz, passando pela invocação do Movimento de Renovação da Arte Religiosa (MRAR - com especiais referências a Nuno Teotónio Pereira, a Nuno Portas ou a João de Almeida). O Cardeal Patriarca disse em 1938: “Todas as formas artísticas do passado foram modernas em relação ao seu tempo. Igreja dos nossos dias devia traduzir, enquanto lhe permitisse o carácter sacro e a finalidade cultural, as expressões da técnica e da arte contemporâneas. Copiar cegamente formas artísticas doutras épocas será fazer obra de arqueologia artística; mas não é seguramente obra viva de arte». Contudo Nuno Teotónio Pereira dirá em 1951, em face das circunstâncias: «a tradição da arquitetura cristã é sim ir à frente – abrir caminho (…) hoje a arquitetura religiosa vai já atrasada». O caso da Igreja do Convento da Luz (1967) é exemplo de modernidade e de compreensão das orientações decorrentes do Concílio Vaticano II. Sobre os vitrais, ecos de luz, Paulo Pires do Vale elogia a obra do Arquiteto M. Ramos Chaves: «Há uma lição a escutar neste espaço – a exigente integração da arquitetura, da arte e do design, na procura de uma unidade espacial e de uma verdadeira experiência de acolhimento do visitante…». Servida por belas ilustrações e fotografias, a obra é completada por textos sobre a História da Quinta da Alameda e a sua ligação ao Morgadio e de Carnide e ao Senhorio de Sobral de Monte Agraço da autoria do grande olisipógrafo, que há pouco nos deixou, José Sarmento de Matos (com Jorge Ferreira Paulo) e sobre o Jardim do Seminário de Cristina Castel-Branco e Carlos Ribas. A leitura permite não só recordarmos a história da Ordem dos Frades Menores, mas também a evolução da Fraternidade Franciscana da Luz. A não perder.