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P. Gonçalo Portocarrero de Almada
Quando Deus se esqueceu do Natal…

Foi há dois mil e dezoito anos, mais coisa menos coisa. Às vezes acontece, sobretudo aos homens, um aniversário que escapa. Desta vez não foi a nenhum ser humano que ocorreu esse terrível lapso, mas ao próprio Deus.

Desde o início da história da humanidade que estava prevista a vinda do Messias. Assim tinha sido dito a Adão e Eva, depois de contraído o pecado original. Essa promessa tinha sido repetidas vezes e recordada à humanidade, através dos patriarcas e profetas, para que a esperança dessa libertação nunca esmorecesse na memória do povo eleito. A cada novo anúncio da tão esperada redenção, novos dados iam sendo paulatinamente revelados: o Messias deveria descender do Rei David, nascer de uma mãe virgem, em Belém de Judá… Tudo apontava para que, chegada a plenitude do tempo, no inspirado dizer do apóstolo dos gentios, o nascimento do redentor da humanidade acontecesse com todos os requintes devidos à sua régia e divina condição.

Era de esperar, portanto, um palácio onde viesse a este mundo, uma corte que o recebesse e venerasse, sacerdotes que lhes prestassem o culto devido à sua divina condição, soldados que honrassem a sua dignidade régia, multidões que o aclamassem, dignitários estrangeiros que lhe prestassem as devidas homenagens, cantores que o louvassem com sublimes cânticos, ourives que talhassem a coroa que deveria cingir a sua majestática fronte, aios e amas que se ocupassem da sua esmerada educação, cozinheiros que preparassem os banquetes que deveriam festejar tão auspicioso nascimento, etc.

Tudo isto, que seria normal para um rei terreno, não seria demais para o rei dos reis e senhor dos senhores. Deus poderia tê-lo feito. Com efeito, a sua divina providência bem poderia ter organizado as coisas para que, chegado o momento determinado desde sempre para que tivesse início a redenção da humanidade, sua mãe vivesse num palácio real, como era suposto para quem era casada com alguém que, como São José, era da casa e família do Rei David. Era de crer que tal acontecimento se verificasse quando já estivessem em Belém, pois era essa a localidade em que o profeta Miqueias tinha previsto o nascimento do Rei de Israel. Era de imaginar que o sumo-sacerdote, bem como todos os escribas e fariseus, conhecedores como eram da lei e dos profetas, fossem os primeiros a adorar o Deus-Menino. Era de crer que o Rei Herodes, também ele ciente das tradições judaicas, se sentisse profundamente honrado pelo nascimento do verdadeiro rei e a seus pés depusesse a coroa real. Era de esperar um berço de oiro, para quem é o autor do universo.

Mas não foi nada disto que aconteceu: Maria e José não tinham nenhum palácio para que nele nascesse o Filho de Deus. A bem dizer, nem sequer uma modesta vivenda, porque teve de nascer num estábulo infecto, pois não havia lugar para eles na hospedaria local. Também não estavam em Belém de Judá, mas em Nazaré e, por isso, para que se cumprissem as escrituras, tiveram que fazer uma longa viagem, já nas vésperas do nascimento de Jesus. As autoridades civis não só não acolheram com júbilo a chegada do verdadeiro rei de Israel, como Herodes procurou provocar a sua morte, causando assim a matança dos inocentes. Por sua vez, as autoridades religiosas, quando alertadas pelos magos do nascimento do Messias, reagiram com uma incrível indiferença. Em vez do esperado berço de oiro, o Menino Deus foi reclinado numa manjedoura, num lugar indigno do nascimento de um ser humano, quanto mais do próprio Filho de Deus.

Mas, quando Jesus nasceu, porque correu tudo tão mal?! Um supersticioso diria que foi azar, mas um crente sabe que foi porque Deus assim o quis. Decerto, não por mal mas, talvez, porque se esqueceu …

Não, não foi Deus que se esqueceu do Natal, como às vezes nós nos esquecemos de alguns aniversários; somos nós que nos esquecemos d’Ele em todos os natais … Pensamos em tudo menos em Deus: nas festas, nas iguarias, nas viagens, nas roupas, nos presentes, etc. Por isso, convinha que Ele se ‘esquecesse’ de tudo isso, para nos ensinar o único que verdadeiramente importa.

Muitos pensam que, se procurarem tudo o que é fútil, o essencial lhes será depois dado, mas Jesus Cristo ensinou-nos, precisamente, o caminho contrário: “procurai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais se vos dará por acréscimo” (Mt 6, 33).

Santo Natal!