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Apaixonada, Warda Masihiya fugiu de casa. E até mudou de religião
Verdadeiro amor
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A história de Warda Masihiya daria um filme. Talvez mesmo uma novela. Nasceu em Mossul, no Iraque, numa tradicional família muçulmana com regras bem definidas. E apertadas. A tal ponto que, aos 17 anos, lhe deram a conhecer o homem com quem iria casar. A sua vida mudou nesse instante…


Warda é bonita, tem uns espantosos olhos verdes e uma história que daria seguramente um filme ou mesmo uma telenovela. Warda nasceu numa família tradicional e abastada de Mossul. Uma família muçulmana. O pai, imã numa das mesquitas desta enorme cidade, é o chefe indiscutível da família como se fosse o rei de uma pequena tribo. Warda, por mais que procure na sua memória, não tem grandes recordações da infância. Praticamente passou o tempo todo fechada em casa, como se fosse prisioneira, como se o mundo exterior a pudesse contagiar de algum vírus perigoso. Warda só saía de casa para frequentar a escola primária. Os livros, como se fossem janelas abertas para o mundo, encantaram-na. Apesar de ter sido excelente aluna, foi forçada a deixar a escola aos 11 anos. Tinha aprendido a ler e a escrever. Para o pai, isso bastava. Warda estava destinada a casar cedo. E, até haver um pretendente, iria ajudar a mãe no restaurante da família.

 

Prenda de aniversário

No dia em que fez 17 anos, o pai anunciou-lhe que tinha encontrado um pretendente. Um noivo. O homem com quem iria casar. Não lhe perguntou a opinião, não lhe pediu nada. Anunciou-lhe apenas o nome. Era um primo distante, alguém com quem teria trocado meia dúzia de palavras em toda a vida. O presente de aniversário deixou-a profundamente assustada e deprimida. Chegou a ser hospitalizada com fortes dores de cabeça. O tempo foi passando com Warda sempre debilitada, sem dar sinais de recuperação. Nesse impasse, o primo distante acabou por desistir do matrimónio. Warda voltou ao trabalho, à rotina do restaurante, até que um dia o seu olhar se cruzou com o de um jovem cliente, um soldado do exército iraquiano. “Ele era sorridente e encantador.” Foi assim que a sua memória fixou esse primeiro encontro. O jovem soldado passou a frequentar o restaurante e Warda consegue descobrir o seu nome: Bechara. Warda tenta chamar a sua atenção, deixando propositadamente, por exemplo, um pouco de cabelo fora do hijab, como se estivesse desalinhado, como uma provocação, um sinal. Normalmente, Bechara vai ao restaurante aos sábados e domingos. Entre os dois estabelece-se logo uma química. Praticamente não trocam palavras, mas os sorrisos que oferecem um ao outro dizem mais do que muitas cartas de amor.

 

Uma folha de papel…

E, num domingo, numa ousadia que só um coração sobressaltado consegue explicar, Bechara entrega-lhe discretamente uma folha de papel. É um poema de amor. É o tesouro mais precioso que Warda alguma vez imaginaria receber. Proibida de lhe falar, como a qualquer cliente, como a qualquer outro homem, Warda descobre, aflita, que ele é cristão. Como se não bastasse tudo o resto, havia ainda esse fosso intransponível da barreira da religião, da intransigência do pai. Mas Bechara, também já infectado pelo vírus do amor, insiste com ela. É preciso ousar. E um dia Warda toma a decisão mais arrojada da sua vida. Sai de casa. Bechara tem um pequeno apartamento em Bagdade. É lá que ela se refugia. Bechara apresenta-a à sua família.  Ela é acolhida com simpatia, ternura e algum receio. No Iraque é muito difícil para um cristão casar com uma mulher muçulmana. Mas Warda descobre que nada é impossível para quem ama de verdade. E se ela se convertesse ao Cristianismo? Porque não? Oferecem-lhe uma Bíblia e aos poucos um mundo novo começa a revelar-se perante os seus olhos. Ela descobre um Deus de que nunca tinha ouvido falar. “Não fazia ideia do que era o Cristianismo.” Com o entusiasmo militante dos recém-convertidos, Warda inscreve-se nas aulas de catequese da paróquia e, um ano depois, decide ser baptizada. Warda Masihiya descobre um mundo novo feito de liberdade e amor, sem condicionalismos, sem barreiras. Sem medos.

 

Mártir do exército

Há semanas, Warda contou a sua história a uma equipa da Fundação AIS. Ela hoje vive no estrangeiro, com o filho, numa casa de acolhimento da Igreja. A sua morada é secreta, pois teme ainda a vingança da família. A história de Warda daria um filme. Um filme com um final um pouco triste. Em Maio de 2017, Bechara integrou uma grande operação militar do exército para a libertação de uma parte da cidade de Mossul que ainda estava nas mãos dos jihadistas do auto-proclamado Estado Islâmico. Morreu nessa operação. Uma parte de Warda morreu também nesse dia. “Perdi o meu marido e o meu amor em Maio de 2017. Ele morreu como um herói na minha cidade natal. Guardo a sua memória no meu filho que é a pessoa que amo mais do que a tudo na vida. E guardo a sua memória também nas cartas e poemas de amor que ele me deu no restaurante…” A morte de Bechara foi noticiada em todo o país. Falaram dele como “mártir do exército”. E a história da sua vida passou a ser conhecida de todos. Ainda com medo de represálias por parte da sua família, Warda decide fugir de casa. Novamente. O padre que agora a acolheu fala dela com admiração. “É sempre a primeira a chegar para a Missa…” Warda voltou à escola. Estuda para ser auxiliar de enfermagem. Um dia, talvez venha mesmo a ser enfermeira. Até lá, a cristã Warda Masihiya vai cuidando do seu filho que todos os dias lhe faz lembrar o jovem soldado que entrou no restaurante e que a sobressaltou logo no primeiro olhar. Um jovem soldado que a fez descobrir o verdadeiro amor.

texto por Paulo Aido, Fundação Ajuda à Igreja que Sofre
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