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Porque Não: a força da razão
É recorrente, entre os defensores de um eventual casamento entre pessoas do mesmo sexo, a afirmação de que uma tal reforma é juridicamente viável e politicamente irrecusável. Acresce, no seu parecer, que os já cônjuges nada podem objectar a um eventual casamento entre pessoas do mesmo sexo, pois uma tal reforma do regime do casamento civil não afectaria o seu estatuto matrimonial.

A falácia é óbvia, porque a razão que não permite que se outorgue carácter conjugal a esse tipo de uniões, sejam ou não entre pessoas do mesmo sexo, não é formal mas substancial, ou seja, não tem que ver prioritariamente com os conceitos ou com o seu enquadramento institucional, mas com as realidades em causa: não é admissível considerar juridicamente como matrimonial uma união que o não é.
Quem opta por constituir uma família, unindo-se, para esse efeito, a uma pessoa do outro sexo, opta pelo matrimónio; quem prefere ficar só, ou unir-se a uma pessoa do mesmo sexo, ou ainda a uma pessoa do outro sexo mas sem o propósito de constituir uma família, opta por uma vida não matrimonial. Portanto, não são o Estado, nem a sociedade ou a religião que impedem aos parceiros de uma tal relação a condição matrimonial, mas são os próprios que, ao optarem por uma união não conjugal, rejeitam o casamento.
Não se pode exigir a ninguém que case, mas também não se pode conceder o estatuto conjugal a quem positivamente não quer casar, nomeadamente para viver uma relação homossexual. Se for o caso, outorguem-se algumas prerrogativas dos cônjuges aos parceiros de uniões não matrimoniais, excepto a adopção, mas não se lhes conceda o que não são, não por causa de nenhum preconceito, mas por razão da verdade da sua situação não conjugal. Por razão, afinal, da sua própria opção de vida.
Por outro lado, não é verdade que um eventual casamento entre pessoas do mesmo sexo deixaria incólume o matrimónio natural, que é heterossexual por essência. Se, por absurdo, se concedesse a todos os videntes o estatuto de médicos, não colheria afirmar que estes, que não deixariam de ser o que já são, não seriam lesados pela ascensão daqueles à sua categoria profissional. Na realidade, se a lei permitisse essa aberrante equiparação, os verdadeiros clínicos teriam que se diferenciar dos seus falsos colegas, cuja indevida titulação profissional seria também enganadora para o resto da população, que correria o risco de levar gato por lebre, à conta dessa simulação jurídica.
Pois bem, se os que vivem uma relação afectiva não matrimonial fossem considerados civilmente casados, todos os que já o são veriam significativamente alterada a sua condição, por força dessa abusiva equiparação. Em consequência, os verdadeiramente casados só teriam duas alternativas: renunciar ao seu estatuto conjugal civil, para evitar uma igualdade que, para além de falsa, os não dignificaria; ou então acrescentar à sua condição matrimonial uma menção que os diferenciasse dos ditos casamentos civis não verdadeiramente matrimoniais.
Seria então necessário distinguir dois tipos de casamentos civis: o dos que são legalmente casados e, de facto, também o são, e que seria o matrimónio propriamente dito, ou casamento natural; e o dos que, sendo legalmente casados, de facto não o são, porque a sua relação não é de tipo conjugal, e que seria aplicável a todas as outras uniões, nomeadamente a estabelecida entre pessoas do mesmo sexo. Nesta conjuntura, ser casado, em termos jurídicos, pouco ou nada significaria, pois também os de facto não casados seriam, de iure, casados, o que é um absurdo e uma contradição.
Não seriam apenas os que vivem uma verdadeira união conjugal as únicas vítimas desse embuste legal, porque todos os outros cidadãos seriam também prejudicados por essa fraude jurídica. Como poderia o cidadão comum distinguir os médicos, que o fossem de verdade, dos que o não fossem na realidade mas, por manigâncias políticas, tivessem ilegitimamente obtido esse estatuto legal?
A questão do casamento entre pessoas do mesmo sexo não diz principalmente respeito a conceitos abstractos ou a sibilinas definições jurídicas, mas à verdade e à dignidade das pessoas e das instituições. Propor esse tipo de casamentos não é querer a quadratura do círculo, é pior: é exigir que, por um capricho ideológico, se passe a chamar quadrado ao círculo e círculo ao quadrado. É mentir, porque é outorgar a condição de cônjuge a pessoas que o não são na realidade, mas que, por um exorbitante privilégio político, teriam obtido esse estatuto legal, em detrimento dos que optaram pelo verdadeiro matrimónio. É a perversão do casamento civil que, desta feita, ficaria reduzido a uma qualquer relação.
Frente à insistência dos lóbis minoritários que, por isso, temem o referendo popular e esgrimem, como único argumento, a arbitrariedade da sua pretensão, espera-se agora que os representantes da maioria não cedam à tentação da precipitação mas, com a ponderação que a sua magistratura exige, dêem voz à nação e oponham, à razão da força, a força da razão. Contra a mentira e a hipocrisia da falsificação do casamento civil, exige-se a coragem da verdade na defesa da dignidade matrimonial, porque é indeclinável o dever de chamar às coisas aquilo que são.