Artigos |
P. Duarte da Cunha
Inteligência Artificial – não é uma brincadeira

Há quem comece a falar da quarta Revolução industrial. E há quem vaticine que será ainda mais drástica do que as anteriores, provocando mudanças sociais verdadeiramente dramáticas.

A primeira revolução veio no século XVIII com a máquina a vapor e permitiu tantas coisas que até então ou não se conseguia fazer ou só com muitos animais e muito tempo. A segunda veio no século XIX e caracterizou-se pelo aparecimento do motor de combustão interna e pelo uso da eletricidade e do telégrafo. Era visível o progresso! Tornava-se cada vez mais claro que os homens, chamados a dominar a criação, estavam a descobrir formas não só de a usar, mas também de a controlar, fazendo instrumentos de tal forma potentes que a natureza parecia cada vez menos potente e mais manipulável pelo homem.

A descoberta dos computadores capazes de resolver problemas matemáticos complexos em relativamente pouco tempo trouxe o que alguns chamaram e justamente a terceira revolução industrial. Surgiram dispositivos não só capazes de fazer coisas como também de gerar uma comunicação entre as várias pessoas e regiões do mundo que levaram a um estreitamento quer do espaço quer do tempo em que as pessoas vivem. As máquinas/utensílios tiveram sempre esta dupla pretensão: ajudar o homem a fazer coisas que por si só não conseguia; substituir o homem onde a máquina é mais eficaz. Mas eram sempre vistas como ajudas dos seres humanos.

É verdade que temos beneficiado muito da tecnologia para resolver tantos problemas. Mas também é muito claro que nenhuma revolução industrial conseguiu resolver todos os problemas e, muitas vezes, gerou novos. Deveria ser muito evidente que a tecnologia não é capaz de transformar o coração do homem. Aliás, isso explica porque é que a técnica precisa de uma ética, e vê-se no facto de o pecado continuar presente no mundo. É que nem a ética, por si só, e mesmo pressupondo que seja justa e corresponda à verdade da natureza, consegue fazer com que os homens se tornem bons e só usem para o bem as descobertas tecnológicas. Por muito que nos custe, é um facto que tantas descobertas espantosas e reveladoras das enormes capacidades dos homens se tornaram ameaças.

Chegamos agora à tal quarta Revolução industrial, aquela em que estamos imersos e onde os instrumentos já não são vistos apenas como auxílios do homem, mas começam a ser pensados como substitutos dos homens. Em 2002, saiu um relatório da NSF (National Science Foudation), intitulado “Tecnologias convergentes para melhorar os rendimentos humanos”, onde se tentava dizer que era possível esperar que a evolução estivesse a passar por uma nova fase onde o desenvolvimento tecnológico asseguraria ao ser humano capacidades físicas e mentais superiores. Isto tem tido uma série de consequências que requerem atenção por parte dos seres humanos. A não ser que queiramos confiar no Silicon Valley como novo Éden onde o ser humano será recriado!

A Inteligência Artificial, que até há uns anos era apenas imaginada como a possibilidade de alguns computadores quando bem programados poderem realizar operações complexas – como vencer um jogo de xadrez –, começa a ser sonhada como a possibilidade de reproduzir o cérebro humano e até a consciência humana e isso leva a pensar que o ser humano, tal como o conhecemos está superado. “Num futuro distante, pode até acontecer que a espécie humana abandone completamente o suporte biológico em que se desenvolveu para viver inteiramente suportada em computadores, que emulem o corpo e o cérebro de cada indivíduo, vivendo em realidades virtuais. Se assim for, as inteligências artificiais não serão apenas nossos parceiros na construção da sociedade do futuro. Será, de certa forma, os nossos descendentes.” (cf. Arlindo Oliveira, Inteligência Artificial, 2019)

Diante destas afirmações e da aparente aprovação das mesmas por tanta gente, vemos que os desafios de hoje não são apenas económicos ou laborais. Está em jogo, nesta amálgama de ideologias em que vivemos, por causa do afastamento de Deus, uma série de tentativas de imaginar o homem como uma máquina de alta performance levando-o a perder aquilo que é verdadeiramente grande no ser humano: a consciência de si e da moralidade dos seus actos; a perceção do valor do outro e das coisas; a possibilidade de encontrar e até de se relacionar com o Criador que, apesar de transcendente, pode ser adorado e amado.