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No Ruanda, a Irmã Cécire luta contra a memória dos tempos do massacre
Livre para amar
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Tem 49 anos e lembra-se perfeitamente dos tempos em que o Ruanda se transformou num matadouro. Em 1994, um milhão de pessoas foram assassinadas. Foram hútus contra tutsis. Um verdadeiro massacre. Num país onde a memória dos mortos ainda alimenta vinganças, um grupo de mulheres consagradas a Deus procura ajudar os mais débeis, os mais idosos. Os mais desprotegidos. Todos os dias a Irmã Cécire prova que o amor é mais forte do que o ódio…

 

Foram apenas 100 dias. Em 1994, grupos de homens armados, pertencentes à etnia hutu, mataram membros da minoria tutsi. Provavelmente nunca se saberá o número exacto dos que morreram. Estima-se que entre 800 mil a 1 milhão de pessoas tenham sido assassinadas, muitas vezes com requintes de malvadez, em cerca de três meses. Foram 100 dias que enlutaram o país. Ainda hoje é difícil olhar para trás e recordar o que se passou. Fala-se em massacre, em genocídio. Que importam as palavras para quem ficou enlutado, para quem perdeu tudo o que tinha, para quem arrasta desde esse tempo uma memória dorida que dificilmente alguma vez irá cicatrizar. Houve famílias destroçadas. Mulheres violadas em frente aos maridos antes de serem assassinados. Filhos mortos, um a um, perante o olhar impotente e aturdido dos pais. Houve de tudo. No Ruanda há 1 milhão de razões para quem ainda transporte algum ódio no olhar, para quem ainda não tenha conseguido sossegar a sua vontade de vingança. Mas no Ruanda há também quem procure todos os dias levar gestos de amor onde parece só haver espaço para o ódio.

 

“Deus escolheu-me…”

A Irmã Cécire tem 49 anos e lembra-se perfeitamente dos tempos em que o Ruanda se transformou num matadouro. No entanto, desde muito jovem que sonhava com uma vida dedicada aos outros. Até que descobriu a Congregação das Irmãs Palotinas. A sua vida mudou nesse dia. “Desde criança que sonhava cuidar de pessoas idosas”, explica a Irmã Cécire. “Deus escolheu-me para fazer este trabalho”, afirma com toda a simplicidade, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Juntamente com mais sete irmãs, trabalha num centro de saúde, num jardim-de-infância e ainda em escolas. E todos os dias consegue ainda arranjar tempo para visitar algumas pessoas em suas casas. São órfãos, idosos, pessoas abandonadas. Pessoas que vivem ainda em famílias destruídas pela onda de violência que varreu o Uganda há pouco mais de duas décadas. São pessoas que a sociedade continua a ignorar, que ninguém vê, que ninguém escuta. Muitos são idosos. Muitos continuam todos os dias a morrer, ainda como se os dias do massacre não tivessem fim, como se o ódio que esteve à solta em todo o país continuasse a fazer vítimas. Todas as pessoas abandonadas que a Irmã Cécire visita são consequência ainda dos dias de terror. A insensibilidade à dor do outro continua a fazer vítimas no Ruanda.

 

Amor e perdão

“Toda a gente perdeu alguém”, diz a Irmã Cécire. Perante a dimensão da tragédia, da violência que se abateu sobre o Ruanda, o trabalho destas religiosas Palotinas faz toda a diferença. “Quando a violência passou, percebemos que o que precisávamos mais era de amor e perdão. “O nosso povo sofre com as consequências da guerra”, explica a Irmã. “Perdemos muito e isso afecta-nos até hoje. Há muitos órfãos, muitos idosos abandonados, muitas famílias destruídas, é por isso que temos de espalhar o amor de Deus.” A Irmã Cécire tem um sorriso desarmante. Todos os dias ela vai a casa de algumas pessoas mais fragilizadas. Normalmente são idosos. Normalmente estão sós, estão abandonados. Se não fossem as Irmãs, ninguém trataria deles. Esta insensibilidade talvez seja uma consequência ainda do massacre. Talvez. “Às vezes não têm nada para comer”, explica, procurando traduzir numa simples frase a dimensão trágica que se esconde em cada uma das casas que as irmãs visitam. São pessoas abandonadas. A solidariedade tem de ser construída. É preciso varrer barreiras de ódio, de incompreensão. É preciso trazer o outro para dentro da nossa casa. “Às vezes pedimos às crianças que convençam os pais a partilharem um pouco de comida com os mais velhos…”

 

Ultrapassar a desconfiança

Partilhar, ajudar, sorrir. Estender a mão. Não é fácil o trabalho destas Irmãs Palotinas num país em que a desconfiança sobre o outro ainda está tão presente. A Irmã Cécire sabe que, sozinha, não consegue mudar o mundo. Mas não desiste. “Eu poderia ter tido uma família, mas isso não seria suficiente para mim”, diz. “O amor em mim é maior. O amor de Deus inunda-me e transborda. Sinto-me livre para amar toda a gente. A minha família é maior do que os laços de sangue. A minha família é toda a minha aldeia”, acrescenta. “Quando amamos e fazemos tudo com amor, não nos cansamos porque ficamos felizes por partilhar o que recebemos.” Num país onde a memória dos mortos ainda alimenta vinganças, um grupo de mulheres consagradas a Deus procura ajudar os mais débeis, os mais idosos. Os mais desprotegidos. Todos os dias a Irmã Cécire prova que o amor é mais forte do que o ódio…

 

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As Irmãs Palotinas, no Ruanda, precisam da nossa ajuda.

A Irmã Cécire é exemplo de entrega e dedicação aos mais frágeis e desfavorecidos. Vamos ajudar estas Irmãs?

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