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P. Nuno Amador
Da necessidade do vazio

Quando as mulheres foram ao sepulcro de madrugada, o primeiro sinal que encontraram foi o túmulo vazio. As aparições e a vida transfigurada daqueles que acreditaram vieram depois. O primeiro embate foi com o túmulo. Vazio.

Aquele «ao terceiro dia ressuscitarei» merecia, afinal, maior aparato. Os cânones de marketing, publicidade e comunicação de Jesus foram, a este respeito, como noutras coisas, muito pouco ortodoxos. Podia ter pedido ao Pai uma fanfarra de anjos para anunciar o feito. Se, apesar da pobreza do presépio, tinham comparecido ao nascimento, porque não estiveram na ressurreição? Afinal de contas era um grande evento. Mas, Jesus, à boa maneira divina, fez tudo de forma simples: ressuscitou de noite, no interior da terra, sem direto nas redes. E quando as testemunhas escolhidas para divulgar a notícia lá chegaram encontraram em primeiro lugar um túmulo vazio. Vazio.

Convenhamos que a imagem de um sepulcro vazio não é propriamente o cúmulo da consolação. O vazio assusta-nos, temos-lhe medo, quase horror. Pensar numa vida vazia, num coração vazio, numa casa vazia, não é acolhedor nem quente, nem enche as medidas. Bolso atestado, mesa farta, copo cheio, são bem mais apetecíveis, mais calorosos e mais esperados.

O vazio é-nos ainda mais estranho se o cruzarmos com as nossas vidas atarefadas e muito ocupadas, sobrecarregadas de trabalhos e afazeres. Não pode haver tempo vazio. Nem espaço. Se o currículo não está cheio inventam-se atividades extracurriculares, se o trabalho não ocupar o dia todo é porque somos calões e pouco produtivos e há horas extraordinárias ou leva-se o trabalho para casa, e se ainda couber alguma coisa na mala não podemos deixar de a ter. A queixa simultânea de que precisávamos de mais horas na agenda, mas que nos sentimos vazios, é bastante generalizada. Supostamente não temos tempo livre, mas, provavelmente, enquanto não descobrirmos que podemos usar livremente todo o tempo nunca o teremos.

A tentação, e às vezes o problema, é querermos encher rapidamente os vazios, ocupar os espaços, não deixar margem. O horror do vazio pode conduzir-nos pelo caminho da procura desordenada de encher a vida de parafernálias que ainda nos pesam mais. Procuramos formas de aliviar o peso da vida e de preencher os vazios, mas atulhamos as nossas mochilas com pesos que nos deixam ainda mais ocos. Enchemo-nos de bens que compramos e consumimos e assim que recebemos o talão sentimos que afinal não era o essencial; estamos hiperconectados e enchemos de conhecidos e likes as nossas redes, mas não temos necessariamente uma vida mais repleta de amigos; podemos encher capas de revista ou festas de discoteca ou frequentar muitos grupos, mas viver em profunda solidão enquanto passamos diariamente entre multidões sem nos sentirmos pertença de nada nem de ninguém.

É curioso a este respeito, o percurso reflexivo do filosofo francês Gilles Lipovetsky. No seu primeiro ensaio em 1983, Lipovetsky debruça-se sobre o vazio e o individualismo contemporâneos (A era do vazio. Ensaio sobre o individualismo contemporâneo), mas nas reflexões posteriores deixa patente como a humanidade que somos procura de muitas formas anular os seus vazios, sem real sucesso. A moda e o “Império do Efémero” (1987) que a carateriza, o consumo e a felicidade paradoxal que este gera (A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade do hiperconsumo, 2006) conduzem-nos a uma deceção cada vez maior e a vazios cada vez mais profundos (A sociedade da deceção, 2006). São sinais de que sempre que procuramos encher o vazio por conta própria não somos capazes. O que é passageiro permanece passageiro e afinal o vazio em nós é tão profundo, tão originário, e tão fundamental que nada deste mundo o poderá preencher. E uma das consequências desta fuga para frente é ficarmos paralisados: sem vazio não há espaço, não há movimento, não há sede e fome de mais, não há procura, não há espanto.

Devíamos levar mais a sério o vazio! O vazio é essencial como o silêncio na música, como o espaço entre as partículas na organização da matéria, como a zona livre onde podemos circular.

O vazio é respiração, é repouso, é promessa. O vazio é disponibilidade, é espera, é aprendizagem. O vazio é a antecâmara da criação, é uma provocação à criatividade. E a vida é como um coração. Precisa de esvaziar-se toda para voltar a encher. Só um útero vazio pode ser fecundado, só uma terra limpa pode ser semeada, só uma tela branca está disponível para ser pintada, só um pulmão sem ar pode voltar a encher. Ou, como dizia São João da Cruz, “os incomensuráveis bens de Deus só podem ser acolhidos por um coração vazio”.

O túmulo vazio não é uma desolação. É o primeiro sinal de que a história e a vida permanecem em aberto, que a morte de Jesus não foi o fim da linha, de que há novas possibilidades que se abrem, de que a esperança conduz a vida e a sustenta mesmo quando ainda não vimos a meta à nossa frente. O túmulo vazio é um sinal que abre no coração dos crentes uma janela de alento e os põe novamente em movimento.

E se neste momento experimentas a tua vida como um túmulo vazio, não desesperes. Não desistas. Não tenhas medo. Não queiras substitutos fáceis nem enchas os pulmões com ares poluídos e nocivos. Expira o ar todo e volta a enchê-los com o ar da manhã de Páscoa e com a maior notícia que a humanidade poderia ter. Não roubaram Jesus nem o puseram noutro sítio. Está vivo! Ressuscitou!

O túmulo está vazio, mas a nossa vida, e todo o mundo de possibilidades, nunca esteve tão cheia!

 

Artigo publicado originalmente no portal dos jesuítas Ponto SJ (www.pontosj.pt)