Qual o papel da educação no desenvolvimento humano sustentável?
O “desenvolvimento humano” por sua própria definição fundamenta-se no desenvolvimento da pessoa em todas as suas dimensões constitutivas: corpo, mente, espírito e relação.
Ora, o instrumento essencial para o progresso pessoal e social é a educação, que começa na família e se prolonga pelas instituições sociais como a escola e os media, e se acaba por depender de toda a sociedade. Não é por acaso que em África se diz que é “necessária toda uma aldeia para educar bem uma criança”.
No ponto 61 da encíclica ‘Caritas in veritate’, o Papa garante: “Uma solidariedade mais ampla a nível internacional exprime-se, antes de mais nada, continuando a promover, mesmo em condições de crise económica, maior acesso à educação, já que esta é condição essencial para a eficácia da própria cooperação internacional”. Concorda com esta visão de Bento XVI? Porquê?
Concordo plenamente. Em primeiro lugar, porque só pela educação, sobretudo das populações mais carenciadas e destituídas de meios materiais, se poderá aspirar a vencer o “círculo de ferro da pobreza” que se propaga intergeracionalmente de forma inelutável na ausência desse ascensor social e económico que é a educação e o conhecimento + competências que dela resultam na forma de “capital humano”.
Em segundo lugar, porque é principalmente em tempo de crise económica que se afere o nível de solidariedade activa entre povos e nações. A crise atinge mais duramente os mais carenciados e vulneráveis exigindo, por isso, uma especial atenção a esses grupos humanos.
Foi justamente a esse título que a Comissão Internacional para a Educação no Século XXI, criada sob a égide da UNESCO e presidida por Jacques Delors, propôs oportunamente que um quarto de todos os financiamentos dedicados à cooperação internacional, bilateral e multilateral, fosse canalizado para a educação e que a comunidade internacional aceitasse o perdão de dívida desde que os países beneficiários desse perdão convertessem esse valor perdoado em investimento educacional.
Essas propostas aguardam ainda, infelizmente, um clima favorável para fazeram caminho no concerto das nações.
O Papa explica ainda que “para educar, é preciso saber quem é a pessoa humana, conhecer a sua natureza”. Que atenção tem sido dada em Portugal à “formação completa da pessoa”?
A Lei de Bases do Sistema Educativo, de 1986, assenta em pressupostos humanistas correctos. Nesse sentido, postula a existência de uma área curricular denominada “Formação Pessoal e Social” onde a formação integral da pessoa humana seja devidamente atendida e cuidada. Recordo que, nos termos da reforma curricular de 1989, a formação pessoal e social compreeendia dimensões curriculares e transcurriculares importantes: a Educação Moral e Religiosa, o Desenvolvimento Pessoal e Social, uma dotação de 110 horas de formação interdisciplinar no seio da área-escola, e finalmente o contributo de todas as outras disciplinas curriculares.
É pena que essa concepção avançada do currículo de 1989 tenha sido abandonada e que hoje se assista a uma lacuna evidente do desenho curricular e pedagógico que cumpra o mandato da Lei de Bases neste particular domínio da educação pessoal e de uma formação para os valores.
Em ‘Caritas in veritate’, Bento XVI aborda também a educação sexual, esclarecendo que esta “não se pode limitar à instrução técnica, tendo como única preocupação defender os interessados de eventuais contágios ou do «risco» procriador”. Qual deverá ser o papel da educação sexual?
A educação sexual é parte indissociável de uma preocupação educativa maior com a educação para a afectividade e o amor.
Pena é que se queira reduzir a sexualidade ao instinto hedonista e aos cuidados com os contágios que, sendo relevantes, constituem apenas uma dimensão restrita do impulso sexual e da sua função na participação do mistério maior da vida e da criação.
Numa carta enviada à diocese e à cidade de Roma sobre a tarefa urgente da educação, em Janeiro de 2008, Bento XVI pedia aos cristãos para se preocuparem “pela formação das futuras gerações, pela sua capacidade de se orientarem na vida e de discernir o bem do mal, pela sua saúde não só física, mas também moral”. Este é o caminho a trilhar pelos educadores?
A educação é condição de autonomia e de libertação da pessoa: das grilhetas da ignorância, do preconceito, do sincretismo e relativismo ético.
Não existe verdadeira educação que não se ocupe da formação moral da pessoa.
Nascendo-se propensos para o discernimento entre o bem e o mal o diamante tem de ser lapidado para se valorizar. Assim a criança e o jovem necessitam de uma verdadeira educação para os valores por forma a se relacionarem em comunidade como seres morais e a descobrir o valor desse santuário inexpugnável que é a consciência de cada um.
Educar nunca foi fácil e hoje parece ser cada vez mais difícil. Como vê a educação do futuro?
Vejo com grande esperança. Nunca como hoje se falou tanto na importância da educação e dos valores. A crise recente em que mergulhámos não foi uma simples ruptura de sistema económico e financeiro. O verdadeiro fundamento da crise é o enfraquecimento das bases éticas e morais em que se sustentam as nossas sociedades, sobretudo as sociedades “ocidentais” a cujo núcleo duro pertencemos.
Não é por acaso que mesmo em reputadas escolas de negócios como é a Harvard Business School, se tenha instituído um “juramento ético” ao final dos cursos de MBA. O lema é “greed is not good”, ou seja, a ganância não gera bem comum como se tornou patente no colapso do sistema financeiro e económico em que assentavam os países.
Assisto, todavia, com consternação ao regresso de alguns comportamentos reprováveis que pretendem regressar ao passado próximo “metendo entre parêntesis” o período da crise e fingindo que não há lições a retirar dela.
Só pela educação sólida de inteligências – cognitiva e ética – poderemos aspirar a melhorar o comportamento geral da humanidade e a sua harmonia com o planeta.
A sustentatibilidade geral é isso mesmo: a capacidade de aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser. São estes os quatro pilares das aprendizagens fundamentais do século XXI, propostos pela mencionada Comissão Internacional, e que deverão nortear toda a regeneração educacional do nosso futuro colectivo.
Perfil
Roberto Carneiro é Professor Associado da Universidade Católica Portuguesa onde dirige a licenciatura em Comunicação Digital e Interactiva, presidindo também ao Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa e ao Instituto de Ensino e Formação a Distância.
É perito e consultor de múltiplas organizações internacionais, como o Banco Mundial, a UNESCO, a OCDE, o Conselho da Europa e a União Europeia. Foi membro da Comissão Internacional da UNESCO para a Educação no Século XXI e vice-presidente do Grupo de Reflexão Educação-Formação da Comissão Europeia. Como perito internacional foi ainda examinador das Políticas Educativas em França, Turquia e Japão. Actualmente, é membro da 2ª Câmara do Programa eEurope e delegado ao Comité Director do Programa eLearning da Comissão Europeia. Actualmente, preside ao Conselho de Administração da Fundação Escola Portuguesa de Macau e ao Conselho Técnico-Científico da Casa Pia de Lisboa e dirige os Observatórios da Imigração (ACIME) e da Sociedade da Informação e do Conhecimento. Foi Secretário de Estado da Educação (1980/81), Secretário de Estado da Administração Regional e Local (1981/83) e Ministro da Educação (1987/91).
Tem mais de 400 artigos, livros e publicações sobre Educação, Gestão Pública, Gestão do Conhecimento, História, Prospectiva, Desenvolvimento dos Media, Sociedade da Informação e temáticas contemporâneas.
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