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Pedro Vaz Patto
Civilização e barbárie

Os recentes atentados de que foram vítimas cristãos no Sri Lanka e no Burkina Faso justificam a indignação e a solidariedade do mundo inteiro. Mas ainda parece que a atenção que é dada a este tipo de atentados não corresponde à que é dada a outros ataques terroristas. Ainda não está suficientemente presente na consciência de muitos a dimensão da perseguição aos cristãos no mundo inteiro, que supera a que atinge qualquer outro grupo religioso, cultural ou político.

Quando começaram a ser apresentadas em várias instâncias políticas propostas de reconhecimento da perseguição aos cristãos no mundo, houve quem as recusasse com o pretexto de que desse modo se poderia contribuir para incentivar o chamado «conflito de civilizações», ou uma guerra de religiões. Preferiam esses políticos abordagens genéricas, que não mencionassem explicitamente os cristãos. Também na reação de políticos e jornalistas a estes últimos atentados se notou alguma resistência em reconhecer que eles atingiram os cristãos enquanto tal, por causa da sua fé.

Na verdade, é disso que se trata. Não se trata de um conflito que só indiretamente assume uma dimensão religiosa, dimensão que muitas vezes é apenas um fator identitário de um determinado grupo étnico e cultural, num conflito de raiz política e social (assim sucede, por exemplo, nos conflitos entre católicos e protestantes na Irlanda do Norte, entre croatas católicos e sérvios ortodoxos, ou entre cristãos e muçulmanos no Líbano). Não, nestes casos, os cristãos são perseguidos e assassinados por causa da sua fé, não por motivos políticos ou sociais.

A verdade não pode ser ocultada ou escamoteada com o pretexto de não criar tensões. O diálogo autêntico não sacrifica a verdade. O respeito e a solidariedade para com as vítimas não permite que elas sejam esquecidas ou desvalorizadas com o pretexto de evitar que se incentivem divisões e conflitos

E, para ser fiel à verdade e ao respeito para com as vítimas, não pode ignorar-se, ou silenciar-se que a motivação destes atentados, e de muitas perseguições aos cristãos no mundo, é feita com a invocação da religião islâmica.

Seremos, então, tentados a afirmar que está em ação uma guerra do Islão contra o cristianismo? Há quem assim pense e o proclame e essas vozes fizeram-se ouvir com mais força a propósito destes atentados.

A convivência entre cristãos e muçulmanos, as duas religiões com mais seguidores no mundo inteiro, é, cada vez mais, nas sociedades globalizadas, um fenómeno incontornável. Estarão eles condenados ao reacender dos conflitos do passado?

Para evitar que isso suceda, é bom dar o devido relevo (um relevo pelo menos tão acentuado como o que é dado aos terroristas) a todas as vozes muçulmanas que repudiam estes atentados, que consideram que eles deturpam o Islão autêntico, que afirmam “não em meu nome” e que são, também elas, vítimas deste tipo de terrorismo.

Dar o devido relevo, por exemplo, à declaração de Abu Dhabi, em que o Papa Francisco e reitor da Universidade Al Azhar, a maior autoridade do Islão sunita, afirmam o repúdio da instrumentalização da religião para justificar a violência, assim como o valor da liberdade religiosa.

Desse modo, poderemos afirmar que não está em causa uma guerra de religiões, está em causa uma perseguição ao cristianismo por parte de uma ideologia mortífera que lhe é hostil. Não está em causa um conflito de civilizações, mas um conflito entre a civilização e a barbárie.