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Pe. Alexandre Palma
Revolução do GPS

Passou-se comigo não há muito. Tinha de me deslocar a um lugar que não conhecia. Para mais, não tinha tempo para enganos. Recorri, por isso, a uma dessas aplicações que fazem dos nossos telemóveis autênticos canivetes suíços. Deixei-me guiar pelo que o GPS indicava. O resultado foi muito satisfatório: pus-me onde tinha de estar com grande economia de tempo e de esforço. Confesso, porém, que este é um gesto que faço sempre com grande relutância. De facto, só em caso extremo não tento, eu próprio, encontrar o caminho justo. Irrito-me um pouco com a atitude acrítica que esses aparelhos milagrosos despertam em nós. Às vezes dá a impressão de que, mesmo se eles nos conduzissem a um qualquer abismo, ainda assim, aceleraríamos alegremente, tal é a confiança cega que depositamos nestes mapas com inteligência própria. Esta minha resistência advirá ainda de uma espécie de orgulho ferido, por me ver assim tão evidentemente ultrapassado por uma simples máquina, ainda para mais numa função tão básica da nossa condição: a orientação.

Daquela vez, contudo, dei-me conta de algo que até então me escapara. Para aquelas aplicações, não há barreiras nas nossas cidades. Tudo nelas está optimizado em função da distância, do tempo da viagem ou de parâmetros do género. Nada mais. Não entra ali em consideração se já conhecemos ou não a zona que devemos atravessar; se esta é perigosa ou não; se é recomendável ou não. No fundo, não entram ali em consideração nem os nossos medos, nem os nossos preconceitos. Aconteceu, enquanto conduzia, dar comigo a pensar nisto. Porque dessa vez, assim levado por aquela voz mecânica e insistente, atravessava zonas da nossa cidade que de nenhuma outra forma atravessaria. Seja porque as não conhecia, seja porque a ideia que delas fazia me levava a não as querer conhecer. E, para encantada surpresa minha, me vi a atravessar uma zona que, afinal, me parecia, agora que a visitava, tão familiar como a minha própria rua. Nesse dia, a minha cidade ficou um pouco maior.

Senti-me, naquela vez, conduzido por um pequeno revolucionário. Levado por alguém que fura os muros invisíveis que atravessam as nossas cidades. Talvez seja esta uma das grandes revoluções do futuro: quebrar toda a aparência de proximidade, camuflada por paredes de vidro. Para tal, já não bastará um GPS para as ruas. Serão necessários GPS’s destes para as nossas sociedades. É que estar junto, nem sempre significa ser próximo. Conhecer, nem sempre implica encontrar. Os bloqueios que nos tolhem os movimentos na cidade serão, apenas, a ponta visível de um iceberg cujas bases se acham na escuridão do nosso medo do próximo. Fisicamente perto, mas interiormente afastado dele. Coabitando uma mesma cidade, mas tendo-o por estranho e estrangeiro. Trazemos nos bolsos, todos os dias, o segredo desta revolução. O GPS não será o seu agente. Mas pode ser uma inspiração.