Missão |
Ana Rita Marques, Leigos para o Desenvolvimento
“O meu coração foi vazio para se encher de tantas vidas”
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Ana Rita Marques nasceu a 22 de agosto de 1988, no Hospital de Matosinhos (Porto). É licenciada em Ensino Básico e Mestre em Educação Pré-Escolar e Ensino do 1º Ciclo do Ensino Básico. Já integrou várias missões e, em 2017, partiu para Angola com os Leigos para o Desenvolvimento, onde ainda se encontra.


Cresceu numa família católica e recebeu “uma educação católica fundamentalmente pelas minhas avós”. “O meu percurso de fé não é linear e já viveu muitos sobressaltos. Durante estes 15 anos a minha relação com a Igreja e com Deus não foi sempre fácil, com muitos afastamentos, mas ia cumprindo com os ditos mínimos olímpicos”. Conta-nos que vem “de uma família tida como normal e por isso com tudo de normal que esta queria para mim: ser uma pessoa integra, casada, com filhos, e a viver e a trabalhar o mais perto possível da casa-mãe: a casa dos avós. Não escondo que queria o mesmo, e ainda assim, em segredo, sonhava com aquilo que eu ia chamando de ‘anormalidades’. Eu era feliz, tinha tudo que uma rapariga normalmente deseja. Tinha (e tenho) uma relação umbilical com a minha família que me deixava imensamente feliz. Não precisava de mais amigos do que aqueles que tinha, porque era alegre com estes. Estava formada no que sonhei, estava efetiva onde trabalhava e ia iniciar um processo de novos trabalhos. Tinha tudo e todos tão perto, que me possibilitava viver tudo e todos tão intensamente. Que queria eu mais? O caminho e o futuro estavam traçados e eu não sofria com isso, na verdade. Mas as ‘anormalidades’ não me deixavam. Eu disfarçava, tentava adormecê-las, eram assuntos tabu na grande maioria das vezes. E em 2013 acontece a que para a minha família era a maior das ‘anormalidades’ e para mim a que eu mais sonhava e guardava como um tesouro precioso: sair de Portugal para fazer voluntariado em África. Aconteceu, aconteceu mesmo, não seria a única vez, mas foi a primeira e mudou para sempre a minha noção de tudo e todos.”

Conta-nos ainda que começou a trabalhar “com a idade que a lei portuguesa permite. Não era algo que desejasse, mas a conjetura económica assim me obrigou e se queria estudar tinha de trabalhar. Então aos 18 anos entro para a empresa que fiquei até partir para Moçambique, em 2013, com 24 anos. Quando penso neste tempo profissional e o coloco na minha vida religiosa penso na enorme flexibilidade da empresa nos meus horários para eu não deixar a catequese e na minha preocupação para isto acontecer. E depois o ano de 2013 e tudo que trouxe à minha vida profissional e religiosa.”

 

“Estou muito feliz e acolho as escolhas de Deus para mim”

Em março de 2013 partiu por nove meses para Lichinga (Moçambique), com as Irmãs Doroteias para a Escolinha Dom Luís de Gonzaga. “E com esta experiência as minhas ‘anormalidades’ só cresceram… Trabalho com as Irmãs Doroteias neste projeto, depois volto a Portugal para trabalhar na Casa Nossa Senhora do Rosário, na Figueira da Foz.” Em 2015 partiu para a Guiné-Bissau com a FEC – Fundação Fé e Cooperação de onde regressou em 2016. Em 2017 partiu para Angola com a ONGD Leigos para o Desenvolvimento, onde permanece atualmente. “Ver assim escrito parece simples. Não foi. Muitas questões se iam levantando à medida que ia escolhendo. O ser católica e ter Deus era normal, ter Deus nas minhas escolhas profissionais foi uma das ‘anormalidades’ que vivi e vivo. Foi difícil parar e acolher tal ‘coisa’ na minha vida. Mas algo tinha de acontecer, sabia-o, e é quando em novembro de 2016 inicio a formação dos Leigos para o Desenvolvimento (LD) e em outubro de 2017 parto para a missão de Benguela (Angola). Não quis muito esta nova partida em missão de voluntariado, mas de nada adiantou… Nesta vez não era eu a querer nada, era Deus, e eu só tinha de fazer a Sua vontade. Passo por um processo maravilhosamente ‘anormal’ durante a formação e, destaco, os Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola onde entreguei o meu ‘sim’ a Deus. Um sim inteiro, fosse qual fosse a vida, a minha vida pessoal, profissional, familiar, amorosa e todas as outras estavam totalmente nas Suas mãos. E Ele deu-me Benguela. Vivi um ano maravilhoso! Morei e vivi na casa Esperança com o Gonçalo, a Marta e a Teresa (a minha comunidade LD), trabalhei e vivi no Bairro Nossa Senhora da Graça, onde acompanhei o projeto do Grupo Comunitário. Imagine-se: várias entidades de um mesmo bairro, saúde, educação, ação social, poder tradicional e administrativo, grupos de teatro, grupo de mulheres, entre outras, todas sentadas à mesma mesa a refletir e discutir os problemas e soluções para o seu bairro. O que tive de deixar morrer na profissional que sou para acompanhar este projeto, o que tive Deus neste projeto. O que feliz fui com as pessoas deste projeto. Os amigos que fiz e tenho para a vida. São família que construi. Em casa, com os meus manos de comunidade? Foi o maior desafio e foi de onde trouxe mais maiores e melhores gargalhadas. O que tive de deixar morrer na pessoa que sou, no que gosto, no que não gosto, no que quero, no que penso. O que cresci em ser. O que cresci na vida espiritual. O que o exemplo de acolhimento de Jesus era nos meus dias com o Gonçalo, a Marta e a Teresa.  Deus deu-me tudo nesta missão e a única coisa que tive de fazer foi escrever ‘sim’. Com esta missão percebi o quão pouco com Deus tinha vivido, o quanto escolhia e queria tudo sozinha. Nesta missão conheci o verdadeiro sentido do testemunho cristão, e muito se deve às pessoas que Deus trouxe durante este ano. Vinha com tão pouco para esta missão, trouxe tão pouco para este ano e durante algum tempo culpei-me por isso. À medida que vivia e crescia percebi que o meu coração foi vazio para se encher de tantas vidas. E era tão feliz com a vida que vivia que receava o regresso, sofria só de pensar que um dia tinha de entregar as chaves de casa (e o que isso implicava). Mas também entendia que nada era exclusivamente meu e sim tudo de Deus. Ele deu-me a missão de Benguela e chegaria a hora de a devolver. Em outubro de 2018 termino a missão e o que mais desejo a quem ficara era que fossem tão ou mais felizes que eu, que se deixassem ser tocados pelas pessoas e viver com elas. Não escondo que foi muito duro despedir-me, foi muito duro o regresso. Sentia falta de tudo: da oração comunitária, das missas, de cantar a oração da Glória e o Credo em umbundo, dos jogos de cartas com os manos, dos passeios pelos becos do bairro, de ‘só’ estar em casa dos meus amigos, de tanto mais. Foi difícil regressar, mas estava muito grata a Deus por Benguela e por tudo que se transformou em mim. Sentia muita confiança que ia ficar bem, porque o que vinha seria para continuar a servir Deus. Então, em janeiro volto a Benguela. Volto para um trabalho dentro da missão LD e não me sendo pedido para viver a proposta de missão percebo a graça a acontecer em mim: eu regresso a Benguela regressada de missão. Às vezes é confuso e a linha é muito ténue, mas estando em Benguela e na missão LD muitas vezes sinto saudades de estar em missão. Embora acredite que em missão estou sempre, sou consciente que estar em missão de voluntariado, com a proposta dos Leigos para o Desenvolvimento, nunca mais estarei. Estou muito feliz e acolho as escolhas de Deus para mim. Faz-me sentir uma privilegiada por estar de volta às pessoas, à cidade e com novo trabalho.”

texto por Catarina António, FEC | Fundação Fé e Cooperação
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