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Isilda Pegado
Um aborto no Alentejo

O Dr. Rui (nome fictício) era um bom médico de família, que acompanhava os doentes (muitos) que lhe estavam destinados, no cumprimento das melhores práticas clínicas e deontológicas. Quando se colocou a questão do Aborto declarou imediatamente que era “objector de consciência”. Isto é, estava salvaguardado, ninguém o podia obrigar a colaborar em tal acto, melhor, em nenhum acto de abortamento.

Tinha como regra moral e deontológica, que sempre seguira, e também correspondia ao seu mais profundo sentimento, que “tinha estudado para ser médico” isto é, “salvar vidas” e não, para “eliminar vidas”. A ciência cada vez lhe dava mais razão. Ninguém tem dúvidas de que às 8 ou 10 semanas é um ser humano que está a ser gerado, para vir a ser um belo bebé. Pôr fim a este processo de desenvolvimento natural é tão violento que só de o pensar já o deixava incomodado e com “má cara”.

Porém, o inevitável acontecia. Várias mulheres o procuraram para fazer o aborto. Era uma dor, para o Dr. Rui. E, de todas as vezes a resposta era a mesma – “Não faço, não encaminho, não colaboro, procure a Assistente Social…”

Um dia apareceu a Teresa (nome fictício) que com mais insistência lhe solicitou o Aborto. Já trazia a ecografia onde se via o bebé. E o Dr. Rui voltou a dizer o mesmo – “Não faço… não encaminho, procure a Assistente Social.”

O Dr. Rui sabia que a lei proíbe os objectores de consciência de continuarem a acompanhar aquela mulher/utente.

A Teresa ficou perturbada com aquela resposta. Não sabia que ajuda procurava. Carregava consigo a dor de recusar aquele filho. Mas não encontrou quem a ajudasse.

Durante mais de 20 dias a Teresa nada fez. Mas acabou por ir a um, e a outro hospital. Outros médicos objectores de consciência também recusavam o aborto. A Teresa apresentou queixa às Autoridades competentes contra o Dr. Rui, e os jornais com grande alarido disseram “Médico recusa-se a realizar aborto a utente por motivos éticos e religiosos no Alentejo”. Vários foram os “entendidos” que defenderam publicamente que a “objeção de consciência” deve ser banida porque a mulher “tem direitos”.

E o Dr. Rui que ouvia isto, pensava “não sabem que só os regimes políticos totalitários negam o direito à Objeção de Consciência?”

Veio finalmente a relatório da Entidade competente que nada apontou de errado ao Dr. Rui. Ele bem sabia que tinha agido em conformidade com a ética e com a lei. O relatório da Entidade aponta falhas aos Hospitais. Mas, não está o Serviço Nacional de Saúde cheio de falhas? É só no aborto? E no cancro? E nos traumatismos?

Um colega do Dr. Rui telefonou-lhe e disse: “Sabes, hão de querer fazer abortos até às 12 semanas, ou mais, e por isso usaram o caso daquela mulher”. E acrescentou: “Nunca se sabe o que aí vem quando se usam casos pontuais, mal explicados, com meias verdades e que permitem dizer “coitada”. Todos ficamos com pena”.

E o Dr. Rui respondeu: “Mas a nossa maior pena tem de ser sempre para com aquela criança que não teve quem a defendesse, e para com a Teresa que não teve quem a ajudasse a acolher o filho. Até quando este abandono das mulheres, que estão em risco de aborto? Precisamos de todos. Somos uma sociedade a definhar. Cada vida tem um valor único e irrepetível. Que Estado é este que nem cumpre a lei, nem faculta meios alternativos ao aborto? Um Estado que não informa as mulheres dos seus direitos e capacidades. Há muito a fazer para um Estado livre, uma Sociedade solidária ou onde o Amor impere”.

 

(P.S. O presente é uma história ficcionada, que se baseia em alguns factos relatados na comunicação social).