Entrevistas |
Carmo Diniz, coordenadora do Serviço Pastoral a Pessoas com Deficiência do Patriarcado de Lisboa
“Toda a Igreja precisa das pessoas com deficiência”
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O Serviço Pastoral a Pessoas com Deficiência do Patriarcado de Lisboa apresentou os resultados de um inquérito, destacando a “sensibilidade do clero diocesano” para esta pastoral, mas alertando para a “necessidade de valorização” destas pessoas, na Igreja. Carmo Diniz, que coordena este serviço diocesano, fala ainda de projetos como o ‘guia de acolhimento’, as ‘Rampas para Jesus’ e as acessibilidades nas igrejas de Lisboa.

 

O Serviço Pastoral a Pessoas com Deficiência do Patriarcado de Lisboa realizou, nos últimos dois anos, um inquérito às paróquias da diocese e apresentou os resultados na reunião de vigários de 1 outubro. Quais as principais conclusões deste inquérito?

Este é um serviço muito novo, criado em 2017, e precisava de se organizar e perceber quais as áreas prioritárias, por isso preparámos um questionário muito simples, para fazer aos párocos, com a visão dos próprios sobre a deficiência na sua paróquia. Construímos este questionário, com cinco perguntas, e foi com imensa alegria que tivemos a participação de 100% das vigararias a responder, e obtivemos 186 respostas, de 99 párocos, o que corresponde a 60% das paróquias. Temos aqui uma boa fotografia do que se passa na diocese, nesta área. Para a interpretação dos resultados, pedimos ao Doutor Carlos Liz e à engenheira Leonor Freitas Simões que nos ajudassem, para não ser uma interpretação livre por parte do serviço. Foram uma ajuda muito generosa e as conclusões são orientações dele, com a interpretação do serviço.

Sobre as conclusões, uma grande maioria dos párocos (94%) afirmou que existem pessoas com deficiência nas suas paróquias. É muito engraçado esta resposta, porque no meio da deficiência fala-se muito sobre a invisibilidade da deficiência. Portanto, este é um tema com pertinência para ser tratado e trabalhado na paróquia. Por outro lado, diz que os nossos priores são bastante sensíveis à questão. É muito engraçado ver que o clero tem esta sensibilidade de se aperceber da fragilidade da outra pessoa. Depois, perguntou-se que tipos de deficiência existem e esta resposta segue um pouco o padrão do que é visível, pelo que dividimos entre motora, intelectual e sensorial. A motora tem mais expressão, a intelectual a seguir e a sensorial em terceiro lugar, sabendo nós que existem muitas interações entre uma e outra.

 

No inquérito é também destacado que metade das paróquias que responderam têm instituições/associações locais de apoio à pessoa com deficiência. É um dado surpreendente?

Essa era a terceira questão, onde perguntámos se existiam associações/instituições na área geográfica da paróquia e foi uma boa surpresa constatar que, em cerca de metade dos casos, as paróquias têm instituições que consideram associadas ou conhecidas. Muitas delas são centros sociais paroquiais, que estão integrados na paróquia, mas também há muitas que são instituições de utilidade pública, civis, e que têm, de alguma maneira, uma relação com a paróquia, seja porque os paroquianos são utentes, seja porque o próprio padre se desloca às instituições. É uma boa rede de suporte. Se em cada duas paróquias houver uma instituição de apoio, isso é muito bom como resposta física e logística de apoio à deficiência, e organiza-nos o trabalho porque nos permite entrar em contacto com estas instituições. Aliás, na quarta pergunta pedíamos isso mesmo, para os párocos identificarem as instituições e temos agora uma lista de instituições com quem entraremos em contacto, numa primeira fase, porque é muito importante conhecê-las.

 

A quinta e última pergunta referia-se às formas concretas de integração de pessoas com deficiência na comunidade. O que as respostas trouxeram de novo?

A quinta resposta é talvez a mais interessante. É muito engraçado ver como a Igreja Diocesana se mostra, de facto, muito acolhedora. Invariavelmente, há respostas que dizem que há pessoas com deficiência na catequese, nos escuteiros, que estão integradas no coro, que se vai a casa, que foram garantidas acessibilidades físicas…

 

Ou seja, há acolhimento por parte das paróquias às pessoas com deficiência…

Há acolhimento! Por isso, organizámos as respostas como uma lista de boas práticas que já são feitas e por onde se pode começar, uma vez que nós queremos trazer as pessoas com deficiência para dentro da Igreja, e não me refiro ao espaço físico. Tanto as acessibilidades físicas, por um lado, como o acompanhamento às famílias ou o acompanhamento em casa, têm como missão sempre trazer as pessoas para dentro da Igreja, para dentro desta nossa Igreja, e permitir que não só estejam lá dentro, como participem ativamente. Segundo as respostas, há 27 casos, entre os 99 párocos que responderam, em que as acessibilidades estão garantidas. Os números podem não ser muito mais altos, mas são um princípio de resposta. Do nosso ponto de vista, a Igreja é muito acolhedora, talvez possa ser mais dinâmica ou missionária a encontrar respostas e a chamar pessoas para estas boas práticas. Em 2019, já devíamos estar com as acessibilidades mais garantidas. Está na lei. As igrejas, seja porque são edifícios antigos, é mais difícil, mas estamos em tempo de garantir que a maioria das igrejas de Lisboa sejam acessíveis. E esse é um dos projetos que temos [ver caixa].

Depois, tudo o que acontece dentro da Igreja não pode ficar somente pelo acesso à liturgia e aos sacramentos, há que criar responsabilidades. Um exemplo muito engraçado é o da língua gestual portuguesa. Há oito casos em que isto acontece, mas há uma paróquia, no caso Telheiras, que assegura Missa regular com tradução em língua gestual. Desde setembro que começou a garantir a celebração com uma equipa alargada de tradutores e qualquer pessoa com dificuldade auditiva tem a certeza que em Lisboa tem um sítio onde pode ir à Missa, todos os Domingos, às 10h00. Isso é muito importante e pode ser uma semente do nascer de uma comunidade, o que desejavelmente acontecerá. Neste momento, tanto quanto sabemos no serviço, não existe nenhum padre de Lisboa que saiba, com fluência suficiente, língua gestual para acompanhar, catequizar e confessar uma pessoa surda. Isto que está a acontecer em Telheiras é a esperança de um local em Lisboa que possa ser referência para a comunidade surda. Queremos muito ajudar a Paróquia de Telheiras neste projeto que, por ser único, se tornou diocesano.

Finalmente, entre os 99 párocos, há 63 casos que têm pessoas com deficiência que vão, de forma regular, à Missa. Que vão e participam, colaboram, acolitam, ajudam a recolher o ofertório, etc… Na catequese, por exemplo, há 49 casos que têm pessoas com deficiência. Portanto, temos uma lista de boas práticas do que já acontece no Patriarcado de Lisboa e que podem servir de exemplo para os outros.

 

Este inquérito mostra então que a pessoa com deficiência tem claramente lugar na Igreja.

Sem dúvida! Sabemos que há pessoas que não vão à Missa com familiares deficientes porque pensam que eles não têm lugar na Missa. Isto é inaceitável. É claro que toda a gente tem, mesmo que essa pessoa seja ‘inconveniente’ ou faça barulho. Estas pessoas têm lugar na Igreja! E a Igreja precisa delas. Não é só terem lugar ou deverem estar, mas nós, toda a Igreja, precisamos delas. Não podemos perder nem um! Estas pessoas têm características próprias muito importantes, que nos fazem lembrar da nossa fragilidade, da nossa humanidade, e do quanto Deus gosta de nós. Toda a Igreja precisa das pessoas com deficiência.


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“Garantir que a pessoa com deficiência tem um papel ativo dentro da Igreja”

 

Qual a missão do Serviço Pastoral a Pessoas com Deficiência do Patriarcado de Lisboa?

Estamos integrados na Pastoral Social da diocese, que faz um trabalho extraordinário com a deficiência nos centros sociais paroquiais, mas este serviço vem lembrar que as pessoas com deficiência não estão só institucionalizadas, mas também estão nas famílias. De uma certa forma, as pessoas que estão ao cuidado das famílias acabam por estar mais desprotegidas na relação com a Igreja, porque estão dependentes da capacidade que as famílias têm de as trazer à igreja. É sobretudo nesta fase que o serviço tem uma área de atuação mais prioritária: garantir que as pessoas que estão em casa ao cuidado das famílias e que querem participar na vida da Igreja o façam, e que as famílias tenham condições para proporcionar isso. E garantir que estas pessoas que não estão institucionalizadas têm um papel ativo dentro da Igreja.

 

Que projetos têm para este serviço diocesano?

Estamos a acabar um instrumento muito importante que é um guião de acolhimento nas paróquias. É uma adaptação de um guião que foi publicado o ano passado pela Arquidiocese de Madrid. É um guião muito prático, que dá indicações a qualquer pessoa de como se relacionar com uma pessoa cega, com uma pessoa surda, com uma pessoa com outra deficiência. São cerca de 20-30 páginas, que vão estar disponíveis, gratuitamente, em cada paróquia da diocese, para consulta, desejavelmente dentro de um mês porque está mesmo em fase final de impressão.

Ainda este ano, vamos publicar a proposta paroquial, que se chama ‘Rampas para Jesus’, que é uma proposta muito concreta para as comunidades. Vamos começar com duas vigararias piloto, em Cascais e em Lisboa V, para podermos acompanhar muito de perto, e o objetivo é identificar em cada paróquia da vigararia uma pessoa que tenha interesse em desenvolver esta área da deficiência, para se juntar aos representantes das outras paróquias. Teremos um grupo, que não será muito grande, que vai olhar a realidade, reunir e procurar resolver questões, porque o documento das ‘Rampas’ apresenta também soluções.

No âmbito do ano da caridade, vamos promover pequenos vídeos caseiros, que chamámos ‘#melhorcontigo’, em que estamos a perguntar às pessoas com deficiência, ou aos cuidadores, porque é que o mundo é melhor contigo. Temos respostas muito engraçadas, em vídeos curtos que serão mostrados nas Semanas Vicariais da Caridade.

Temos também um grande desejo: que a diocese e as igrejas diocesanas sejam fisicamente acessíveis. Temos ideias e vontade de mapear e identificar as igrejas acessíveis em Lisboa e de as identificar no site do Patriarcado e na aplicação ‘Missas em Lisboa’. Este projeto das acessibilidades, que é tão ambicioso como necessário, partiu da vontade de leigos que não estão no serviço. A Carina e a Madalena Brandão, que precisam de usar cadeiras de rodas elétricas, dirigiram-se a nós com esta vontade de identificar as igrejas acessíveis em Lisboa.

Finalmente, temos a preocupação da formação. Vamos participar em algumas ações de formação da catequese diocesana, sempre com o mote do acolhimento e valorização das pessoas com deficiência, e temos também um módulo, a pedido, com o Instituto Diocesano da Formação Cristã, para as paróquias que queiram.


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“A deficiência foi sempre um tema pertinente para os Papas”

Carmo Diniz é mãe de uma criança portadora de deficiência e destaca os gestos do Papa para estas pessoas. “O Papa Francisco tem o condão de exemplificar. E é muito pelo exemplo da relação com a pessoa com deficiência que se vai criando este à vontade da relação, o que nem sempre é fácil”, aponta a coordenadora do Serviço Pastoral a Pessoas com Deficiência do Patriarcado de Lisboa, destacando também o papel do Papa Emérito: “Se o Papa Francisco tem os gestos, o Papa Bento XVI deu o mote e disse, com muita clareza, que as pessoas com deficiência devem aceder à Igreja e aos sacramentos. Devem! E devem não pela sua capacidade, mas porque comungam da fé dos cuidadores e família”. Carmo Diniz sublinha ainda que “a deficiência foi sempre um tema pertinente para os Papas”. “Quando juntamos todos estes nossos queridos Papas, percebemos que as pessoas com deficiência têm de estar no coração da Igreja”, reforça.


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Perfil

Carmo Diniz é coordenadora do Serviço Pastoral a Pessoas com Deficiência do Patriarcado de Lisboa desde o início do ano 2019. Casada e mãe de cinco filhos (três raparigas e dois rapazes, um deles portador de deficiência), entre os 10 e os 17 anos, Carmo já colaborava neste serviço diocesano desde o ano passado e pertence à Paróquia de Cascais há 20 anos. Bióloga de formação, especializada em Entomologia [especialidade que estuda os insetos], ainda exerceu durante alguns anos, após o curso. “Depois, tomei a opção de me dedicar à família e, de há 18 anos para cá, tenho feito colaborações com a Fundação Evangelização e Cultura, numa editora, a Principia, e, mais recentemente, na Fundação Scholas Occurrentes, além do serviço diocesano”, refere.

 

Serviço Pastoral a Pessoas com Deficiência do Patriarcado de Lisboa

pastoraldadeficiencia@patriarcado-lisboa.pt

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