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António Bagão Félix
O imperativo ético-social da redistribuição

Ensina-nos a Doutrina Social da Igreja que, entre os seus princípios fundamentais, estão a dignidade e a centralidade da pessoa, o destino universal dos bens e a opção preferencial pelos mais pobres.

Neste enquadramento, a redistribuição – desde logo na sua principal origem de recursos, os impostos – deve ser eficaz e equitativa. Eficaz, sobretudo no combate à pobreza. Equitativa, na medida em que deve estar sempre focada na dignidade da pessoa e tratar igualmente os iguais, desigualmente os desiguais na medida dessa desigualdade” (Aristóteles, Ética a Nicómaco).

Tendo em atenção estes princípios, a medida moral de qualquer economia não pode ser dissociada da maneira como a pobreza e a vulnerabilidade são confrontadas. A pobreza não pode ser vista como o era há décadas. Por um lado, ser pobre hoje não significa exclusivamente ter recursos financeiros insuficientes. A questão social não é apenas estar acima ou abaixo do limiar de subsistência. Significa, também, suportar outras vulnerabilidades relacionadas com a solidão, a desconsideração, a escassez de qualificações, a discriminação geracional e outras formas de exclusão. Estas novas expressões de empobrecimento manifestam-se também pela via do desemprego de longa duração e pelas ameaças da precariedade social e familiar que, mais ou menos intensamente, pairam sobre estratos médios da população, e que, crescentemente, se vem juntando à pobreza geracional e à pobreza persistente. Ser pobre é, também, estar fora ou dentro da malha social. Por isso, um problema importante da chamada “cultura da pobreza” é o da não participação e da não integração, motivadas por razões educacionais, pela ruptura urbanística, pela inactividade laboral, pelo aparecimento de novas doenças, pela omissão ou diluição das responsabilidades familiares e geracionais. Em suma, a pobreza é, cada vez mais e sobretudo, uma ausência ou escassez de escolhas e de oportunidades.

Como proteger os mais vulneráveis e os perdedores numa sociedade orientado pelo efémero fascínio do sucesso? Como diminuir o fosso entre a população urbana e rural, a cidade e a aldeia, o litoral e o interior. a ruralidade e a economia de serviços? Como dignificar o papel dos inactivos numa sociedade utilitária e geracionalmente mais egoísta? Como combater eficazmente a degenerescência ética e desviante da corrupção que grassa endemicamente? Como impedir que, em vez de se produzir riqueza, se produzam mais ricos e mais pobres? São estas e muitas outras perguntas que hoje se colocam no plano social, sabendo-se de antemão, das dificuldades técnicas para a sua resposta, mas com a consciência de que a primeira dimensão do problema é moral.

Saíram, há dias, os últimos dados sobre a pobreza em Portugal. Houve, é certo, uma melhoria em relação a dados anteriores, tendo, designadamente, a taxa de pobreza relativa diminuído para 17,3% da população (cerca de 1,8 milhões de pessoas). Neste domínio, dois aspectos são mais significativos: o primeiro refere-se á importância do Estado Social, pois que sem pensões, subsídios e abonos sociais a pobreza não ficaria pelos 17,4%, antes alcançaria quase metade da população (43,7%)! O segundo relaciona-se com a persistente fraqueza da economia, que não é capaz, só por si e pela distribuição de rendimentos (designadamente dos salários), diminuir o fosso de condições existente.

A protecção social é um imperativo ético-solidário e, como tal, uma questão eminentemente política. Deve ser entendida como um recurso colectivo e não apenas como um custo. E discutida, com rigor, prudência, autenticidade, humanismo e sensibilidade social. Partindo de uma renovada gramática de acção assente, nomeadamente, em alguns princípios: a) desenvolvimento humano é mais do que crescimento económico; b) o social não é uma resultante, antes é uma premissa em qualquer modelo de progresso; c) a solidariedade geracional é a sua base; d) sobre qualquer bem, público ou privado, impende uma imprescritível função social.

Por outro lado, a redistribuição social não é monopólio de quadrantes políticos ou ideológicos, ao contrário do que, muitas vezes, nos querem sugerir. Todos devemos sentir a insubstituível responsabilidade de contribuir para a diminuição da pobreza e dos pobres.

 

(Este texto não segue o chamado AO)