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Depois do terror jihadista, o regresso a casa contado na primeira pessoa
“Esta é a nossa fé!”
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Fugiu quando se tornou impossível ficar. Foi refugiado entre refugiados no Curdistão iraquiano e foi também o primeiro a regressar quando ainda se escutavam ao longe os combates contra os jihadistas na batalha pela libertação da cidade. O Padre Thabet Habib é o principal responsável pela reconstrução da vida da comunidade cristã em Karamlesh. O regresso não é fácil. Demora tempo. Mas o mais importante, diz-nos este sacerdote, é encontrar Deus nas coisas mais simples do dia-a-dia…

 

Fugiu em Agosto de 2014 quando a sua cidade caiu nas mãos dos jihadistas. Refugiado entre refugiados, o Padre Thabet partiu de mãos vazias juntamente com toda a população da cidade de Karamlesh. Foi um dilúvio de pessoas desesperadas e em lágrimas. Pessoas em fuga para salvarem as próprias vidas. Todos deixaram tudo o que tinham para trás. Ficaram sem nada. Em duas horas a cidade esvaziou-se de cristãos. Agora, com a derrota dos jihadistas, aos poucos as famílias começam a regressar. Não é fácil ultrapassar a desconfiança de quem olha em redor e vê ainda tantos vestígios de violência, de terror. Não houve bairro nem rua nem casa que tivesse escapado à passagem dos terroristas. Eles deixaram marcas e cicatrizes impossíveis de apagar na memória das pessoas. O Padre Thabet é agora um dos principais responsáveis pela reconstrução da sua cidade. “A nossa fuga foi um milagre. Em duas horas as famílias saíram antes da chegada do Daesh”, diz, lembrando essas horas que pareciam anunciar o fim do mundo.

 

Sarar feridas

Foram todos para Erbil, uma cidade no Curdistão iraquiano. Pareciam ovelhas sem pastor. Nas primeiras noites muitas famílias dormiram ao relento. De um dia para o outro, Erbil encheu-se de gente assustada, crianças em choro, pessoas com fome e frio. Foi em Agosto de 2014. De um dia para o outro, a Igreja conseguiu acolher milhares de pessoas, improvisando abrigos, sarando feridas, oferecendo esperança. Foi gigantesco. O Padre Thabet estava lá. Esteve sempre lá. Eram milhares de pessoas, de famílias perdidas como se fossem náufragos. Em Outubro de 2016, o exército iraquiano conseguiu expulsar os últimos jihadistas que ainda resistiam em alguns bairros de Karamlesh. A cidade foi libertada, mas as marcas da opressão continuam presentes em todos os lugares como fantasmas de um tempo que ninguém quer recordar.

 

Perfume do incenso

Os jihadistas procuraram apagar da cidade as marcas do Cristianismo. Destruíram igrejas e casas, arrasaram imagens, todos os símbolos religiosos. Mas esqueceram-se do mais importante. “Graças a Deus, os terroristas não conseguiram destruir a nossa fé”, diz o Padre Thabet Habib. Numa igreja dedicada a Santa Bárbara, os jihadistas chegaram a escrever nas paredes que o templo era “propriedade do Estado Islâmico”. Aos poucos, tudo está a mudar. Desde Outubro de 2016 que a vida tem regressado a Karamlesh. Isso sente-se nas casas que estão a ser reconstruídas, nas igrejas que voltaram a abrir as portas ao culto, no incenso que voltou a perfumar as celebrações religiosas. “Reconstruir as igrejas é importante – explica o Padre Thabet –, tranquiliza as pessoas, porque elas sabem que têm um lugar onde ir e onde encontrar ajuda.”

 

O mais importante

O regresso faz-se aos poucos. Mais importante do que recuperar as casas é recuperar a confiança das pessoas. E isso demora. Há demasiados vestígios de violência e de medo para que tudo volte ao normal. É como um luto. É preciso tempo. “Voltar não é fácil”, admite o Padre Thabet, que no ano passado esteve em Portugal a convite da Fundação AIS. Mas nada pode impedir a vontade dos Cristãos iraquianos de voltarem a ser comunidade numa terra bíblica que já foi dos seus antepassados. “Graças a Deus e à vossa ajuda – diz o sacerdote referindo-se ao apoio que a Fundação AIS tem enviado –, nós pudemos regressar às nossas terras e começar a reconstruir as nossas casas. Após 2 anos de trabalho duro, estamos lentamente a regressar à normalidade. Para nós, não são apenas edifícios. É a nossa fé, a nossa identidade, cultura e memórias. Lugares nos quais nos sentimos seguros como Católicos.” Aos poucos, Karamlesh volta a ser a cidade de antigamente, orgulhosa dos seus edifícios, das suas igrejas, da fé do seu povo. Exemplo dessa reconstrução, o Centro Católico de São José já reabriu as suas portas, ressurgindo de novo depois da destruição causada pelos jihadistas. Tudo isso é fundamental. Mas o Padre Thabet sabe que o mais importante está no coração das pessoas. “O que me deixa mais feliz é o sorriso no rosto do meu povo. E encontrarmos Deus nas coisas mais simples do dia-a-dia…”

texto por Paulo Aido, Fundação Ajuda à Igreja que Sofre
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