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P. Gonçalo Portocarrero de Almada
Dois Papas, uma Igreja una

Todos os anos, a Igreja católica prepara-se para a festa da conversão de São Paulo, a 25 de Janeiro, com um oitavário de oração pela unidade dos cristãos. Durante oito dias, os fiéis são convidados a rezar pela unidade de todos os que crêem em Jesus de Nazaré. Este propósito ecuménico, relançado pelo Concílio Vaticano II, procede do próprio Cristo que, na sua oração sacerdotal, pediu pela unidade de todos os crentes em seu nome (Jo 17, 20-26).

Se é verdade que se deve continuar a orar e a dialogar em ordem à união com os nossos irmãos separados, ortodoxos e protestantes, também é certo que não é menos necessária, nem urgente, a oração pela unidade de todos os católicos. Com efeito, a Igreja católica deve ser uma experiência de comunhão na fé e na caridade, não obstante a legítima e saudável diversidade de carismas, espiritualidades e apostolados.

É curioso – e doloroso! – verificar que há católicos que têm mais simpatia pelos cristãos separados, do que pelos irmãos católicos, como se estes, tidos por concorrentes, despertassem, ao contrário dos cristãos separados, ressentimentos e invejas. Historicamente está comprovado que as experiências religiosas que foram inovadoras no seu tempo, tiveram de enfrentar a animosidade das instituições eclesiais mais antigas: assim aconteceu com as ordens mendicantes, mas também com os novos movimentos e, mais actualmente, com as expressões mais afectas à tradição eclesial. Às vezes, são os católicos mais sintonizados com o passado que olham, com receio, para experiências católicas mais vanguardistas; ou, então, são as comunidades cristãs mais adaptadas aos tempos modernos, que manifestam desconfiança em relação aos fiéis que fazem questão de preservar veneráveis tradições eclesiásticas.

Jesus Cristo conciliou maravilhosamente o antigo e o moderno, a tradição e o progresso, o novo e o velho, no evangélico exemplo do “doutor da Lei instruído acerca do Reino do Céu”, que “é semelhante a um pai de família, que tira coisas novas e velhas do seu tesouro” (Mt 13, 52). Não só coisas novas, porque nem tudo o que é velho é mau; nem só coisas velhas, porque nem tudo o que é novo é mau. Conta-se que, um arguente de um doutoramento em Direito, começou por dizer que a tese em apreço tinha coisas boas e coisas originais, o que deixou o doutorando muito contente. Mas, depois, acrescentou que as coisas boas não eram originais, e as originais não eram boas!

A excepcional circunstância histórica de coexistirem, de momento, dois Papas, foi pretexto para que, em versão cinematográfica, ambos fossem apresentados como dois polos em tensão dialéctica: de um lado, o dogma inflexível do Papa Bento XVI, do outro, a caridade misericordiosa do Papa Francisco.

Na verdade, só há um Papa, que é Francisco, pois Joseph Ratzinger, ainda que conserve o título pontifício, na qualidade de emérito, não é, nem de facto nem de iure, Papa.

Por outro lado, as diferenças entre ambos, embora sejam inquestionáveis, não devem levar a esquecer o que é realmente importante: é muito mais o que os une do que o que os separa. Com efeito, ambos professam a mesma fé católica e apostólica, de acordo com a Sagrada Escritura e a Sagrada Tradição, interpretadas segundo o magistério vivo da Igreja.

Quando se proclama o Evangelho, diz-se que o mesmo é de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas segundo Mateus, Marcos, Lucas ou João. De facto, os evangelistas são diferentes, mas o Evangelho é sempre o mesmo. O estilo de Mateus não é o de Lucas – os seus relatos sobre o nascimento de Cristo não podiam ser mais díspares! – como a escrita de Marcos, de um grande realismo histórico, é muito diferente do género, mais teológico, do quarto Evangelho. Mas seria disparatado contrapor Mateus a Lucas, ou Marcos a João, ou considerar uns como conservadores e os outros como progressistas!

Rezemos pela unidade dos cristãos e pela unidade da Igreja! Rezemos pelo Santo Padre, o Papa Francisco, gratos também pelo profícuo magistério do Papa emérito, Bento XVI, seu predecessor na cátedra petrina. E não deixemos que políticos, jornalistas ou realizadores de cinema, explorando, em termos mediáticos, esta singular experiência histórica de ‘dois Papas’, dividam a Igreja. Mesmo que haja dois Papas vivos, há uma só Igreja católica, que é una, santa, católica e apostólica.