DOMINGO III COMUM Ano A
“Jesus começou a pregar:
«Convertei-vos, pois está próximo o reino dos Céus».”
Mt 4, 17
Lembramos a primeira palavra que ouvimos? Que palavras guardamos como tesouro interior e quais são para nós tormento ou ferida? Conseguimos imaginar a dor de não ouvir e de não poder falar? Somos também feitos de palavras: escutadas, ditas, escritas. Como não nos maravilharmos com a sua força e o seu encanto? Saboreio convosco Eugénio de Andrade: “São como um cristal, / as palavras. / Algumas, um punhal, / um incêndio. / Outras, / orvalho apenas. // Secretas vêm, cheias de memória. / Inseguras navegam: / barcos ou beijos, / as águas estremecem. // Desamparadas, inocentes, / leves. / Tecidas são de luz / e são a noite. / E mesmo pálidas / verdes paraísos lembram ainda. // Quem as escuta? Quem / as recolhe, assim, / cruéis, desfeitas, / nas suas conchas puras?”
O cristianismo não é uma “religião do Livro”. A Palavra de Deus nas palavras dos homens que é a Bíblia, refere-se totalmente a Cristo. Todas as Escrituras falam dele. S. Jerónimo escreveu: “A ignorância das Escrituras é ignorância de Cristo”. E não apenas os livros do Novo Testamento, mas toda a Bíblia aponta para o mistério da Encarnação e da Redenção que se realizam em Jesus Cristo, Filho de Deus feito homem.
A celebração, reflexão e divulgação da Palavra de Deus que o Papa Francisco nos propõe para este 3º Domingo Comum vem concretizar um desejo do Sínodo dos Bispos a ela dedicado. A proximidade à Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos lembra-nos a importância do alimento comum da nossa fé que é a Palavra de Deus. Recorda-nos como, em nome da mesma Palavra criámos divisões e distância. Pede-nos a conversão, não às interpretações que separam e excluem, mas a acolher o Espírito Santo que une na diversidade. Cristo não está dividido: o seu ensino é misericórdia, a sua proclamação é o amor incondicional de Deus, e é Ele que cura as feridas e doenças que deixámos crescer em nós e à nossa volta.
Como os primeiros discípulos, somos convidados a seguir Jesus, abandonando o que é incompatível com o Evangelho, com coragem e generosidade. A dedicar-nos a uma pesca que é salvação. A aprender na humildade o serviço do Senhor da Palavra. E como um grande perigo que as palavras enfrentam é a demagogia, lembremos um poema de Sophia: “[…]…é preciso saber que a palavra é sagrada / Que de longe muito longe um povo a trouxe / E nela pôs sua alma confiada // De longe muito longe desde o início / O homem soube de si pela palavra / E nomeou a pedra a flor a água / E tudo emergiu porque ele disse // Com fúria e raiva acuso o demagogo / Que se promove à sombra da palavra / E da palavra faz poder e jogo / E transforma as palavras em moeda´/ Como se fez com o trigo e com a terra.” Não há uma enorme diferença entre servir a Palavra ou servirmo-nos da Palavra?
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