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P. Manuel Barbosa, scj
Obrigado à vida

Escrevo estas notas alguns dias antes de ser votada a despenalização da eutanásia pelos “representantes” do povo no parlamento, sabendo que as ides receber alguns dias após essa votação, cujo resultado se prevê face à atual composição do espetro parlamentar.

Vem-me à memória a célebre canção “gracias a la vida”, nascida há quase seis décadas no Chile. “Obrigado à vida que me deu tanto…” é o início desse belo poema expresso em melodia suave e penetrante. Diante da forte possibilidade de mais um atentado à vida humana com a legalização da eutanásia, devemos continuar a dizer obrigado à vida, continuando sem cessar e sem cansar a lutar pela defesa da vida desde o seu início até ao seu fim natural.

Claro que a vida não é referendável. Apoiar um referendo sobre a matéria, como fizeram os nossos bispos, não significa referendar a vida, mas dar voz à sociedade para um profundo e sereno debate de humanidade com o empenho de todos os cidadãos sobre as propostas legislativas, pois tal não aconteceu durante a campanha eleitoral, nem constava de todos os programas dos partidos políticos. Basta lembrar que os dois maiores partidos políticos não tinham esta matéria nos seus programas…

Na mensagem para o Dia Mundial do Doente, o Papa Francisco reiterou com veemência a defesa da dignidade e da vida da pessoa, dirigindo-se aos profissionais de saúde: «qualquer intervenção de diagnóstico, de prevenção, de terapêutica, de investigação, de tratamento e de reabilitação há de ter por objetivo a pessoa doente, onde o substantivo “pessoa” venha sempre antes do adjetivo “doente”. Por isso, a vossa ação tenha em vista constantemente a dignidade e a vida da pessoa, sem qualquer cedência a atos como a eutanásia, o suicídio assistido ou a supressão da vida, mesmo se o estado da doença for irreversível».

A ele se juntam as tomadas de posição da Igreja em Portugal com as suas associações profissionais de médicos, enfermeiros, juristas e outros, assim como os líderes das religiões em Portugal que, em uníssono, reafirmaram a declaração comum contra a eutanásia expressa um ano atrás. Sem esquecer, no mesmo sentido, a posição de associações cívicas, da ordem dos médicos e enfermeiros e dalguns partidos políticos.

«Obrigado à vida que me deu tanto…». A vida é para ser agradecida e reconhecida, nunca eliminada simplesmente, mesmo quando o sofrimento é enorme. A resposta concreta exprime-se em proximidade pessoal e apoio efetivo, com o imprescindível fomento dos cuidados paliativos.

Noutra mensagem, esta para a próxima Quaresma, o Papa Francisco convida-nos a olhar a vida em dinamismo de reconciliação ao contemplar o Mistério Pascal: «Colocar o Mistério Pascal no centro da vida significa sentir compaixão pelas chagas de Cristo crucificado presentes nas inúmeras vítimas inocentes das guerras, das prepotências contra a vida desde a do nascituro até à do idoso, das variadas formas de violência, dos desastres ambientais, da iníqua distribuição dos bens da terra, do tráfico de seres humanos em todas as suas formas e da sede desenfreada de lucro, que é uma forma de idolatria».

Eis um forte convite a agradecer a Vida plena que acolhemos em Cristo ressuscitado, dando assim fecundo sentido aos andamentos da nossa existência peregrina, comprometendo-nos no constante cuidado a ter pelo ser humano criado à imagem e semelhança de Deus, seja em que situação estiver. Não há meios-termos, há que dizer sim à vida sem mais, a nossa e a dos próximos, palmilhada em sintonia de amor, ternura e compaixão.

Que a Quaresma, quase a iniciar-se, seja autêntica caminhada da Vida do Ressuscitado em nós. Não há Quaresma sem Páscoa, dizia o Papa Francisco, não há Páscoa sem Quaresma, podemos igualmente assumir com todo o entusiasmo e empenho, sem intervalos nem demissões. «Obrigado à Vida que tudo nos deu».