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P. Gonçalo Portocarrero de Almada
Eucaristia virtual e comunhão espiritual

Na impossibilidade de celebrações eucarísticas presenciais, em boa hora a Conferência Episcopal Portuguesa sugeriu que se fizessem transmissões, via televisão ou internet, da Missa, que levem a casa dos fiéis a Palavra de Deus, bem como a dos seus pastores. Estas celebrações virtuais não substituem, contudo, a própria Eucaristia: aqueles que assistem a estas transmissões não podem, obviamente, comungar. No entanto, no momento em que o fariam, podem fazer uma comunhão espiritual: proferir uma breve oração, em que manifestem o seu desejo de receber Cristo na Eucaristia.

À prática da comunhão espiritual devem recorrer os fiéis, objectiva ou subjectivamente, impossibilitados de comungar. No primeiro caso, encontram-se aqueles que, estando pessoalmente em condições de comungar, o não podem fazer por impossibilidade física: todos os fiéis no actual estado de emergência nacional ou, em circunstâncias normais, os doentes acamados, os embarcados, os reclusos, etc. No segundo caso estão os que, por razões de ordem moral, por se encontrarem em pecado grave, ou mortal, não podem comungar.

A comunhão espiritual é uma excelente devoção, mas não equivale à eucarística porque, se assim fosse, de nada serviria a comunhão propriamente dita. Há quem pense que a devoção é o que que cada um quiser que seja. É a lógica dos que dizem que ‘é Natal sempre que o homem quiser’. Ora, acontece que muitos homens, antes do nascimento de Cristo, quiseram que fosse Natal e o Natal só aconteceu quando Deus quis. É magnífico que um fiel queira muito receber Nosso Senhor, mas só O recebe verdadeiramente quem comunga: nenhuma oração, por fervorosa que seja, pode substituir a graça deste sacramento que, por isso, é tão essencial à vida cristã. Como recordou São João Paulo II, na sua última encíclica, é a Eucaristia que faz a Igreja.

Dito isto, fica claro que, quem assiste, pela televisão, à Missa, não cumpre o preceito, porque na realidade não participa na Eucaristia: só a assistência presencial, e não meramente virtual, é válida para este efeito. Isto quer dizer, também, que quem não pode ir à igreja para participar na Missa dominical, não tem obrigação, em sentido estrito, de assistir à sua transmissão pela rádio, televisão ou on line.

Nas actuais circunstâncias, os fiéis estão impossibilitados da assistência à Missa dominical e, portanto, não têm culpa, nem estão obrigados a assistir à sua transmissão, mas é óbvio que é muito conveniente que o façam. O aluno que, por estar acamado, falta às aulas, deve, contudo, estudar em casa, se puder. O mesmo se diga da transmissão televisiva, ou on line, da Missa: não substitui a participação presencial, mas atenua os efeitos negativos dessa falta. Com efeito, graças às novas tecnologias, é possível que o fiel se encontre, virtualmente, com a comunidade cristã a que pertence; oiça e medite a palavra de Deus e a sua explicação pelo celebrante; professe a fé, recitando o credo; se una espiritualmente às intenções da oração universal; reze, em conjunto com os demais paroquianos, a oração que o Senhor nos ensinou, etc.

A Eucaristia é, sobretudo, uma acção da Igreja e para a Igreja. Os fiéis, embora aconselhados a participar na Eucaristia da sua paróquia, têm a liberdade de o fazer onde quiserem, desde que validamente celebrada por um ministro habilitado para o efeito. Da mesma forma como os fiéis podem escolher a celebração que lhes é mais conveniente por questões de horário, ou de localização e acesso, também podem ter preferências no que respeita ao espaço, ou ao celebrante. Mas não seria razoável que se caísse numa fulanização da celebração, como se o protagonista não fosse Cristo, mas o ministro que celebra.

Nunca gostei que me perguntassem onde é que celebrava a ‘minha’ Missa, porque nunca entendi a Eucaristia como algo pessoal, mas divino e eclesial. A Eucaristia é, sobretudo de Deus e para o seu povo, não do padre A, B ou C, nem para os seus amigos ou, desculpe-se o termo, fãs. No altar, o sacerdote há-de ser outro Cristo e o próprio Cristo – alter Christus, ipse Christus! – não fulano, nem sicrano. No altar, não é o padre que actua, mas Cristo pela sua pessoa: por isso, quando o celebrante consagra o pão e o vinho, transforma-os no ‘seu’ Corpo e no ‘seu’ Sangue, que não são o corpo, nem o sangue, do padre A, B, ou C, mas o Corpo de Cristo, como diz ao dar aos fiéis a sagrada comunhão.

Ainda bem que tantos sacerdotes acederam à sugestão da Conferência Episcopal Portuguesa, permitindo a transmissão das suas celebrações privadas, sem fiéis, por força destas circunstâncias. É excelente que, por estes meios técnicos, possamos escutar a palavra do Santo Padre, na homilia que diariamente profere na casa de Santa Marta, dos nossos Bispos e párocos. Mas não se justifica que todos os padres promovam também as suas próprias celebrações ‘pessoais’, não só porque seria excessivo, mas também porque se poderia prestar a um certo vedetismo clerical, de todo alheio à dignidade da celebração litúrgica. Como me dizia um amigo sacerdote, há já alguns anos, uma Missa transmitida pela televisão é a exibição de um coro, a propósito de uma Eucaristia …

São Josemaria Escrivá celebrou as suas bodas de ouro sacerdotais no dia 28 de Março de 1975 que, por providencial coincidência, ocorreu em plena sexta-feira santa. Ante a impossibilidade de festejar essa efeméride no dia em que a Igreja celebra a paixão e morte de Cristo, pediu orações, mas não quis nenhuma festa pessoal, porque o seu lema sacerdotal era ocultar-se e desparecer, para que só Jesus brilhasse!   

Amemos e respeitemos todos os sacerdotes, ministros de Deus que, por seu intermédio, se faz presente sobre os nossos altares. Mas não os veneremos principalmente por quem são, mas porque neles e por eles se faz realmente presente Nosso Senhor Jesus Cristo, a quem deve ser dada toda a honra e glória, pelos séculos dos séculos.