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Construir pontes
Na roda do ano, Janeiro entrou no ritmo dos nossos calendários como um mês marcado pelos temas da paz, da reconciliação e da unidade.

Penso no «Dia mundial da paz» com que os anos se inauguram. Penso ainda na «Semana de oração pela unidade dos cristãos». A estes juntou-se, este ano, a visita do Papa à Sinagoga de Roma, cuja carga emotiva e simbólica não parece ser suficientemente percebida em Portugal.

A forma como o Santo Padre se colocou perante os desafios e controvérsias que esta visita encerrava merece, a meu ver, atenção. São inegáveis as divergências entre a Igreja e a comunidade hebraica sobre alguns assuntos, não poucas vezes artificialmente elevados ao grau de polémica. Em concreto, reacendeu-se, no contexto desta visita, a questão do significado do «silêncio» do Papa Pio XII sobre o holocausto. O Papa não ignorou o assunto. Referiu-se a ele e fê-lo de um modo, simultaneamente, franco e sem as paixões que com frequência inquinam este tipo de debates. Mas, a meu ver, mais sugestiva foi a forma como, indo além desta questão, soube propor caminhos comuns de trabalho e diálogo futuro, consciente do serviço específico ao mundo que estas duas comunidades podem e devem prestar.

Também a «Semana de oração pela unidade dos cristãos» acentuava este ano, revisitando uma das mais sérias intuições que lhe deu origem, a relação entre a credibilidade do anúncio do Evangelho e a concreta vivência da unidade e da reconciliação entre todos os cristãos.

O facto de, no universo português, nós católicos sermos quotidianamente mais confrontados com a não crença, com o agnosticismo ou, talvez ainda com maior ocorrência, com o «cristianismo não praticante» pode levar-nos a achar estes acontecimentos interessantes, mas sem nos sentirmos realmente empenhados neles. Ora um autêntico sentir eclesial contradirá sempre este modo de proceder. E, numa sociedade globalizada, esses tais com quem no nosso contexto nacional mais frequentemente contactamos estão também cientes destes problemas e questionam-se a si e a nós acerca deles. Eis porque me parece que estamos mesmo, todos nós, complicados no desafio que a Igreja enfrenta de estabelecer este e outros tipos de diálogo.

Tendo sido, de certo modo, espectador de alguns destes acontecimentos e dando comigo a pensar em algumas destas coisas a que aqui procurei aludir, veio-me à memória uma frase que há já muito escutei do Eng. Edgar Cardoso, célebre engenheiro de pontes. Falando acerca das dificuldades técnicas inerentes à construção destas «obras de arte» - como são conhecidas no meio -, dizia ele que «se podem sempre unir duas margens, o que é preciso é descobrir o ponto exacto onde o fazer». Estará aqui o segredo de alguns dos nossos maiores desafios de hoje.


pe.alexandre.palma@gmail.com