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Guilherme d'Oliveira Martins
Economia e trabalho humano…

Há alguns meses, a revista “The Economist” perguntava-se sobre o que representa, de facto, o pensamento económico do Papa Francisco. Com efeito, torna-se necessário fazer uma leitura atenta da encíclica “Laudato Si’” para que retiremos dela consequências num momento como o atual de grande incerteza e dúvida. Muitas vezes temos ouvido dizer que há economia a mais no mundo de hoje – contudo o que há é uma abordagem pobre sobre a importância de uma economia humana. A economia é central para que se pense no progresso da humanidade. Não pode, porém, confundir-se uma mera lógica financeira com a “regra da casa” que está na base da economia (do grego oikos, casa e nomos, regra). Se a economia se reporta à vida quotidiana e à dignidade humana, ao invés a lógica financeira vem da etimologia latina finis, que significa prazo e que nos conduz à dívida e ao crédito, à usura e ao curto prazo.

Para o Papa Francisco e para a doutrina social da Igreja, desde tempos imemoriais, a economia está intimamente ligada à ideia de justiça, de repartição, de partilha e de equidade entre gerações. Ao apelar para a lição de S. Francisco de Assis, o Papa, como S. João Paulo II e Bento XVI, mas essencialmente S. João XXIII e S. Paulo VI, não propõe um modelo ideológico ou um programa fechado – mas sim uma visão aberta e transversal, capaz de animar a economia contemporânea. Ao colocar os jovens e o seu compromisso no centro do encontro de Assis, o Papa suscita a exigência de se ir além das respostas gerais e globais – preferindo a atenção, o cuidado e o compromisso. Aliás, o pensamento franciscano desenvolve esta perspetiva, merecendo especial referência o contributo decisivo de Santo António de Lisboa para esse aprofundamento, mercê da extraordinária compreensão de S. Francisco relativamente à força inovadora que o grande religioso português pôde assumir. No seu pensamento, encontramos uma das chaves da originalidade dos frades menores – na procura da dignidade pessoal, no sentido da fraternidade, na troca de dons, na vivência espiritual da pobreza, na compreensão do outro, na procura de tudo o que a irmã Natureza tem para nos dar e nós para lhe atribuir… De facto, os Sermões de Santo António, longe da abstração, contêm uma voz severa e crítica contra os falsos profetas, os hipócritas, os padres avarentos, os prepotentes, os ladrões, os luxuriosos, os bispos indignos, os monges que fazem do deserto um palácio, do claustro um castelo, da solidão uma corte real – e ainda contra os leigos presos de todos os vícios… Sem eufemismos, Frei António pôs cada um perante as suas responsabilidades, exigindo aos cristãos que soubessem dar o exemplo…

Regressemos ao tempo atual. Vejamos os compromissos que nos são exigidos, pois, como disse Emmanuel Mounier, não podemos responder aos anseios dos nossos filhos com as audácias de nossos avós. De facto, precisamos de mais audácia e de mais capacidade inovadora: de melhor segurança laboral, de mais justiça distributiva, de rendimento mínimo, de conciliação entre os tempos para o trabalho e para a família, de equidade intergeracional e de reforço da qualidade dos serviços públicos. A fragmentação social põe em causa o funcionamento das instituições e da sua função mediadora, bem como a participação e a representação dos cidadãos.

Michael Sandel tem referido, por isso, que uma certa visão do sucesso, em que os ganhadores se consideram os artífices do êxito, deixando que os outros se sintam desprezados, foi posta em xeque nesta pandemia, que revelou a importância dos que com salários modestos realizam tarefas essenciais, com o risco da própria vida. A linha da frente do combate do vírus foi, com efeito, assegurada por pessoas comuns, e o sucesso dependeu da colaboração e da interdependência de todos. Houve intervenções científicas que falharam, por generalização imprudente, como a defesa da imunidade de grupo, com efeitos desastrosos na mortalidade dos mais idosos ou frágeis. Por outro lado, houve soluções muito simples que puderam ter resultados positivos, como o distanciamento físico, a lavagem das mãos ou o uso de máscaras. O que tem acontecido é que ao longo de quatro décadas a crescente desigualdade social e económica destruiu os laços sociais, a coesão e a confiança. Não pode haver compartimentos estanques nem becos sem saída. A pandemia está a afetar profundamente a cultura em todos os seus domínios. Importa, por isso, usar as novas tecnologias e os meios de comunicação, como modos de melhor regressarmos ao contacto pessoal, olhos nos olhos. Hoje a partilha mútua tornou-se claramente necessária, o que obriga a uma nova política do bem comum, centrada na economia e no trabalho humano (e recordemos o Cardeal Cardijn ou o Padre Lebret e a experiência da Ação Católica Operária). A criação de valor obriga a dar importância à capacidade inovadora – que exige o desenvolvimento solidário da humanidade, que é uma proposta atualíssima do Papa Paulo VI.