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Líbano: Igreja é sinal de esperança, apesar do sofrimento e fome
O milagre da Irmã Justine
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O Líbano enfrenta uma profunda crise económica. O sistema bancário está falido e as famílias desesperam. Fome e miséria passaram a fazer parte da vida dos libaneses. Agora, quase só há pobres e miseráveis. Esta situação agravou-se ainda mais com a brutal explosão no porto de Beirute, a 4 de Agosto. Num instante, milhares de pessoas passaram a ficar sem abrigo…

 

Pedir comida ou esgravatar restos nos caixotes do lixo passou a ser uma imagem comum no quotidiano das grandes cidades libanesas. A crise neste país do Médio Oriente agudizou-se ainda mais com a brutal explosão, dia 4 de Agosto, que destruiu o porto de Beirute. Um sopro de vento arrasou prédios, ruas inteiras. O bairro cristão de Achrafieh foi dos mais atingidos. Quase 200 pessoas perderam a vida na explosão de uma quantidade apreciável de nitrato de amónio que estava armazenado na região portuária. Além dos mortos e de mais de 6500 feridos, ficou um rasto de destruição quase inimaginável. Parecia um cenário de guerra, uma cidade após intenso bombardeamento. Calcula-se que mais de 90 mil habitações tenham ficado total ou parcialmente destruídas, assim como mais de uma centena de igrejas, capelas, conventos e escolas. A explosão deixou mais de 300 mil pessoas desalojadas.

 

Gritos de protesto

A Irmã Marie Justine já tem os olhos habituados a decifrar o desalento ou a vergonha no rosto dos que lhe batem à porta no dispensário que as Franciscanas Missionárias de Maria fundaram em Beirute em 1968. No bairro de Nabaa já ninguém estranha o movimento, cada vez maior, de pessoas em busca de uma refeição quente. Muitos são idosos e vivem sozinhos. Ali, além da comida, resgatam também sorrisos, afectos, um pouco de conversa. Cumplicidades que devolvem alguma esperança. Todos os dias, forma-se uma fila de pessoas junto à porta do dispensário. É um bairro pobre que se confunde cada vez mais com a própria cidade. Em todo o lado há vestígios da crise. Lojas entaipadas, vidros quebrados, paredes escritas com gritos de protesto. Em todo o lado há sinais de uma crise que parece ter engolido todo o país. Ali, no bairro de Nabaa, já há muito que ninguém estranha ver tanta miséria.

 

Devolver a dignidade

“Chegámos a uma situação em que a classe média empobreceu e os pobres ficaram ainda mais pobres”, diz a Irmã Marie Justine Osta, que pertence à congregação das Irmãs Maronitas da Sagrada família. Ela é a directora do dispensário. “Isto”, diz, referindo-se ao estado actual em que se encontra o Líbano, “é um desastre”. Tem 72 anos mas parece cheia de uma vitalidade quase juvenil. Ela é a alma daquele recanto de solidariedade do bairro pobre da cidade de Beirute. Ali, no dispensário, não servem apenas comida. Dão importância a cada uma das pessoas que lhes batem à porta. São pessoas que ficaram sem dinheiro, pessoas que já não conseguem sobreviver sozinhas. Ali, junto das irmãs, readquirem a dignidade que julgavam ter perdido. Ali, junto das irmãs, voltam a ser pessoas, voltam a receber sorrisos, voltam a ter alguém com quem falar, com quem desabafar. “É realmente muito doloroso, para mim, ver pessoas pedindo as coisas básicas a quem têm direito, como a comida. Eles sentem que perderam a dignidade. Dói-me ver isso.”

 

O desespero de uma mãe

A esperança é sempre a última a morrer. Ali, no dispensário do bairro Nabaa, apoiado pela Fundação AIS, são distribuídas, todos os dias, 1200 refeições. Em 2017, há apenas apenas três anos, eram só 250. As refeições quentes do dispensário das irmãs são o barómetro exacto da dimensão da tragédia que se vive no Líbano. Maguy tem quatro filhos. O mais novo tem 7 anos, o mais velho vai fazer 17. Desde há algumas semanas que ela passou a ir todos os dias ao dispensário. É a única forma de poder alimentar os seus filhos. “Isto é algo que eu pensei que nunca faria”, diz-nos, ainda com uma sombra de vergonha no rosto, desviando o olhar. “Mas cheguei ao ponto de não conseguir ver os meus filhos a morrer de fome. Por eles, farei tudo…” Maguy é apenas um exemplo dos libaneses que perderam tudo. Trabalho, dinheiro, tudo. O colapso da economia varreu o país como um ciclone devastador. Famílias da classe média ficaram de mãos vazias no espaço de poucos meses. A pobreza democratizou o país. “As irmãs, aqui, fazem-me sentir muito bem-vinda”, diz Maguy enquanto espera pela sua vez para levar comida para casa para os seus quatro filhos. “Deus vos abençoe por tudo o que estão a fazer…”

 

Futuro negro

O futuro está ensombrado. A continuar assim, serão necessários muitos dispensários para alimentar todos os libaneses que entretanto vão caindo nas malhas da pobreza. “Vivemos o dia-a-dia. Não sabemos o que vai acontecer amanhã”, diz a Irmã Justine. “Não conseguimos ver a luz ao fundo do túnel.” Nada, porém, que abale a fé da irmã num tempo melhor. “A minha força vem apenas de Deus. A nossa missão é apoiar as pessoas, elevá-las, dar-lhes força e esperança, dizer-lhes que Deus está connosco e que dias melhores virão…” A dimensão da crise é assustadora e tudo se agravou com a brutal explosão de 4 de Agosto no Porto de Beirute que afectou principalmente o bairro cristão de Achrafieh. A Irmã Justine não poupa nas palavras. “Estamos a aproximar-nos da fome, os produtos estão a ficar cada vez mais caros, as pessoas não terão dinheiro para conseguirem comprar seja o que for no supermercado. Precisamos de um milagre…” 

 

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A Fundação AIS lançou uma campanha de ajuda de emergência para a distribuição de alimentos a mais de 5800 famílias afectadas pela explosão de 4 de Agosto no porto de Beirute. A Irmã Marie Justine está a supervisionar essa distribuição.

 

texto por Paulo Aido, Fundação Ajuda à Igreja que Sofre
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