Lisboa |
Reinauguração do órgão da Igreja de São Martinho
“O instrumento dos instrumentos” volta a ressoar em Sintra
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O órgão da Igreja de São Martinho, em Sintra, “esteve muitos anos em silêncio”, mas volta agora, depois de recuperado, para impulsionar o “culto cristão” que é “criador de cultura”, sublinhou o Cardeal-Patriarca. Ao Jornal VOZ DA VERDADE, o pároco, padre Armindo Reis, destaca a mobilização dos paroquianos e das autoridades civis para a concretização do projeto de restauro e fala das “realidades diversas” desta Unidade Pastoral.

 

O órgão da Igreja de São Martinho, em Sintra, pode agora, e novamente, “ressoar, para o bem de todos”. Na reinauguração deste instrumento musical, o Cardeal-Patriarca de Lisboa destacou a importância daquele bem cultural para a transmissão da fé. “Tratando-se do culto cristão, é cultura. E sempre assim foi porque o culto cristão é prestar a Deus aquela retribuição que em Jesus Cristo nós aprendemos a dar a Deus Pai”, apontou. “Repercutir o que aprendemos de Jesus Cristo” é a “expressão mais bonita que podemos encontrar para que os sentimentos que nos vão na alma depois transbordem e sejam sentimentos de todos e para todos”, assegurou D. Manuel Clemente, no passado dia 4 de dezembro, na bênção do órgão histórico da Igreja de São Martinho, em Sintra.

Na intervenção inicial, o Cardeal-Patriarca referiu-se àquele tipo de instrumento musical como “o instrumento dos instrumentos”, pela variedade e gama de sons que consegue produzir e que encontrou no culto cristão “a sua esteira mais forte e que chega aos nossos dias”. “O culto cristão é criador de cultura. Cultura é o desenvolvimento máximo que podemos dar aos nossos sentimentos, onde se toca a verdade de Deus, a bondade e a beleza. Porque a beleza é o esplendor da verdade e a verdade é a caridade. Esse é o culto cristão em todas estas dimensões e que bom é verificar aqui, nesta terra de Sintra e nesta Igreja de São Martinho, o reencontro desta tradição, a sua oferta a todos e que assim prossiga por muitos anos e que nunca mais volte a ficar calado”, desejou D. Manuel Clemente.

Na homilia da Missa que se seguiu ao concerto pelo organista António Esteireiro, o Cardeal-Patriarca lembrou que “todas as comunidades cristãs existem para reproduzirem, em qualquer tempo e em qualquer espaço, tudo aquilo que foi e continua a ser, através de nós, a vida de Jesus”. “Ele, ao partir, dá-nos o seu Espírito para que nós reproduzamos, na nossa vida, o Evangelho que Ele trouxe ao mundo”, frisou, exemplificando com a transmissão secular da fé que, naquelas comunidades, se tem realizado de geração em geração. “Cristo continua vivo através dos cristãos que aqui viveram e dos cristãos que aqui vivem, hoje. Essa é a oferta que a comunidade cristã faz ao mundo”, concluiu.

 

O ponto de partida para o restauro

A construção deste órgão de 527 tubos, na Igreja de São Martinho, data de 1776 e é, segundo a organização, o único órgão, em Portugal, classificado como bem de interesse público (enquanto peça isolada de um edifício). Uma placa revela que foi fabricado pela família Fontanes e, pela caligrafia, especula-se que esta possa ser uma obra de Joaquim António Peres Fontanes – um dos mais conhecidos organeiros, responsável, entre outras obras, pela construção de três dos seis órgãos da Basílica de Mafra. A encomenda foi feita durante a reconstrução do templo em Sintra, que tinha ficado destruído pelo terramoto de 1755, mas, até hoje, o instrumento ficou “muitos anos em silêncio”, começa por partilhar, ao Jornal VOZ DA VERDADE, o pároco, padre Armindo Reis. “Já ninguém tinha memória de o ouvir tocar. Pelo menos, desde os anos 30 do século passado e, provavelmente, também não tocou durante todo o século XX”, lamenta o sacerdote, que encontrou na comunidade paroquial os impulsos para o restauro deste instrumento secular. “Em 2004, por decisão do pároco de então, padre Carlos Jorge, foi feita uma avaliação e percebeu-se que era possível recuperar o órgão e que este não estava tão danificado quanto isso. Fez-se a primeira tentativa para a concretização do projeto e, apesar de não ter resultado na obtenção do financiamento previsto, acabou por despoletar a classificação do órgão como bem de interesse público”, conta. No entanto, o órgão de tubos continuou no coro alto da igreja, encostado a duas paredes.

 

Apoios sem reservas

O novo impulso para a concretização do projeto de recuperação do órgão surge em 2018, quando o jovem paroquiano Nuno Silva, que é maestro, “chamou a atenção do pároco para a importância daquele órgão”, revela o padre Armindo. “Foi nessa altura que conversámos sobre a hipótese de o restaurar”, aponta.

Com o alvo definido, o pároco explica que foi então necessário ouvir o secretariado permanente do Conselho Pastoral e, depois, o Conselho Económico, que lhe pôs uma ‘reserva’ importante: “Não temos dinheiro para o restauro”. A solução passaria por mecenas e iniciativas que pudessem concretizar este objetivo. “Começou-se por fazer um concerto de clavicórdio – instrumento histórico, anterior ao órgão –, na Igreja de Santa Maria. Não deu muito dinheiro, mas começou a haver uma conta para o órgão”, realça. “Depois, escrevi ao presidente da Câmara Municipal de Sintra que se predispôs a apoiar com 10 mil euros, correspondendo a cerca de 40% do valor total do restauro. Essa verba deu-nos ânimo para prosseguir com uma campanha de angariação de fundos, em que contribuíram turistas que visitaram o museu da Igreja de São Martinho e muitos paroquianos”, conta este sacerdote, partilhando a forma original que um dos casais da paróquia encontrou para apoiar esta iniciativa: “Um casal que, em 2019, completou 50 anos de Matrimónio decidiu dizer a todos os amigos que as prendas que quisessem dar, fossem em dinheiro, transferido para a conta da paróquia, destinada ao restauro do órgão. Deu mais de 3 mil euros”. Somando também o contributo de 2 mil euros da União das Freguesias de Sintra e de outros donativos particulares, foi possível pagar “todo o restauro do órgão”, incluindo “a parte mecânica e a policromia interior”.

 

Realidades “diversas”

A paróquia de São Martinho, juntamente com as paróquias de São Pedro de Penaferrim e Santa Maria e São Miguel, faz parte, desde 2006, da Unidade Pastoral de Sintra. A criação destas paróquias data do século XII, quando D. Afonso Henriques pretendeu povoar esta zona. Após a reconfiguração motivada pelo terramoto de 1755, estas três paróquias assistem, nos dias de hoje, a uma redução significativa do número de paroquianos residentes naqueles lugares. “Na Igreja de Santa Maria, por exemplo, não há Missa Dominical há 30 ou 40 anos e esta passou a ser uma igreja usada apenas para casamentos e batizados. Com São Martinho está agora a acontecer o mesmo. A população foi diminuindo com o aparecimento de alojamentos locais e lojas viradas para o turismo e a proibição do trânsito no núcleo histórico da vila – que passou a ser só para residentes”. “A Igreja deixou de ter vida neste centro”, lamenta o pároco. A paróquia de São Miguel, com a igreja construída há 25 anos, é a quem tem maior vida pastoral e onde participam mais fiéis, revela o padre Armindo.

Os limites desta unidade pastoral vão “desde o Autódromo do Estoril, Manique de Cima, até Azenhas do Mar”, sendo uma área imensa e, socialmente, “muito diversa”, que engloba “desde zonas agrícolas, zonas urbanas, como no centro de Sintra, até bairros ilegais”, apresenta o sacerdote, evidenciando a necessidade de existirem mais igrejas em diferentes lugares da paróquia. “Começou-se por construir uma, no Lourel, e ainda não está terminada. Em 2018, construímos uma (pequenina) em Galamares e temos outra para construir na Várzea e outra na Abrunheira – onde já temos uma cave para celebrar... Precisamos de igrejas onde as pessoas vivem!”, reforça o pároco, lembrando as capelas e igrejas dos conventos e das casas religiosas para as celebrações eucarísticas. “São 13 Missas dominicais”, revela o padre Armindo Reis que, juntamente com o vigário paroquial, padre Jorge Doutor, e o padre Pedro Jorge formam a equipa de sacerdotes da Unidade Pastoral de Sintra. A apoiá-los, contam com a colaboração de três diáconos permanentes: Carlos Marques, Joaquim Craveiro e Vasco d’Avillez. “Os diáconos são essenciais! Teríamos que rejeitar casamentos e batismos se não tivéssemos essa ajuda, porque as paróquias são muito procuradas. Costumávamos ter por volta de 200 batismos e 150 casamentos por ano. Seria impossível nós, padres, com todas as Missas, darmos resposta a estes pedidos”, considera o pároco.

 

Renovação

Em Sintra, a aposta pastoral “é a de sempre: evangelizar”. Mas chegar a todos os paroquianos continua a ser desafiante. “Temos desde bairros sociais a bairros de classe média-alta e até quintas, sendo que a grande maioria destas – e são centenas – são propriedade de estrangeiros. Cerca de 99% das famílias que vivem nestas quintas não põe os filhos na catequese da paróquia porque estão em colégios e têm lá catequese. Muitos até vêm à Missa, mas não têm a referência de pertenceram a uma paróquia”, lamenta. Contudo, a catequese agrupa cerca de 400 crianças, divididas por seis centros. Existe também o agrupamento de escuteiros, com 100 elementos, e alguma atividade juvenil. “A realidade é semelhante à maioria das paróquias, que, depois da catequese, os jovens tendem a afastar-se”, refere. Os desafios passam, por isso, pela “renovação das estruturas pastorais com mais jovens”, aponta o padre Armindo, reconhecendo também a “falta de casais de meia-idade empenhados na pastoral”.

A resposta caritativa das paróquias de Sintra é assegurada pela Conferência de São Vicente de Paulo, com 20 voluntários a prestarem apoio a cerca de 70 famílias, e pelo grupo GOTA A GOTA- Grupo de Ação Social, que conta com oito pessoas para fazer chegar o apoio a cerca de 40 famílias. Esta é uma realidade que surpreendeu o padre Armindo, quando chegou a Sintra, em 2013. “Encontrei aqui casos de pobreza tão extrema, de miséria, que noutras paróquias onde estive, na região Oeste, nunca encontrei”, partilha. “Apercebi-me, por exemplo, da realidade dos sem-abrigo. Há uma tendência de os sem-abrigo se porem no comboio e virem parar ao fim da linha – Sintra”, acrescenta este sacerdote, revelando que, nos últimos anos, as suas paróquias “já tiraram quatro pessoas da rua”.

  

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O presidente da Câmara Municipal de Sintra agradeceu ao Cardeal-Patriarca “a colaboração que a Igreja tem prestado” no concelho. “A cooperação da Igreja com a câmara, e também com as nossas comunidades, tem sido permanente”, afirmou Basílio Horta.


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O órgão da Igreja de São Martinho, em Sintra, é composto por 527 tubos que podem ser acionados por ventilação mecânica manual (com dois foleiros) e, agora, também por ventilação elétrica. O restauro do mecanismo esteve a cargo da Oficina e Escola de Organaria, de Pedro Guimarães, e Beate von Rohden Guimarães e o restauro da policromia da caixa foi executado pela profissional Dores Macias, permitindo agora ao órgão, quando aberto, mostrar os tons vermelhos, adornado com elementos florais. Para já, vai ser possível escutar o órgão uma vez por mês, nos atos litúrgicos, e prevê-se igualmente a realização de concertos regulares.

Mais informação: www.paroquias-sintra.pt

texto e fotos por Filipe Teixeira
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