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Padre Fernando Sampaio
“Estava doente e chamei o padre”
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Assistência espiritual e religiosa nos hospitais: um direito que deve ser pedido.
Na Bíblia, S. Tiago ordena aos cristãos: “Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da Igreja”… (Tg 5,14). A espiritualidade e a vivência da fé fazem bem à saúde, dão ânimo, ajudam a enfrentar o sofrimento com esperança e contribuem para a recuperação, dizem muitos estudos científicos. Bem, a Palavra de Deus e o testemunho de muitos crentes também. Narram os evangelhos que Jesus curava todos os doentes que lhe pediam com fé. Nunca nenhum foi para casa defraudado ou amaldiçoado. Aos discípulos ordenou: “Ide… anunciai a Boa Nova do Reino e curai os doentes” (cf. Mt 10,1-8). A assistência espiritual faz bem, promove a saúde e é um direito, mas deve ser pedida.
O que pode fazer o capelão quando o doente pede a sua presença? Visita e acompanha humanamente o doente que pede e escuta-o se precisa; reza com ele e por ele se o deseja e dá-lhe a bênção se a espera; lê-lhe a Palavra de Deus se dela sente sede e dá-lhe a comunhão se tem fome de Jesus; celebra o sacramento da confissão se necessita de se reconciliar consigo, com os outros e com Deus e a Unção dos Doentes se quer manifestar e viver em íntima união com Jesus, o Médico divino, o tempo da doença e sofrimento. Pode também orar com e por quem inicia a passagem deste mundo para Pai para que, sem medo e com confiança, se entregue nos braços do Senhor da Vida. Pode ainda baptizar e presidir ao matrimónio em situações limite, se necessário e quando pedido.
No Hospital, tal como em casa, o doente pode e tem direito a viver e celebrar a sua fé sem impedimentos ou pressões1. A assistência espiritual e religiosa é, na verdade, um direito garantido por lei2 e por isso há em todos os hospitais um Serviço de Assistência Espiritual e Religiosa e um capelão para servir espiritualmente os católicos que o desejem. Para isso, uma vez no hospital, o doente deve ter uma atitude ativa no sentido de manifestar vontade de ter assistência espiritual. Não deve nunca ficar passivamente à espera que o capelão passe. No hospital há muitos doentes. Não têm todos as mesmas crenças e há quem rejeite assistência espiritual. Os profissionais não advinham qual a posição de cada doente, quais as necessidades espirituais e que religião pratica se não lhe for dito. Eles não sabem se o doente quer assistência ou não e quem hão de chamar se o Pastor, se o Imã ou se o Padre. A assistência espiritual e religiosa não pode ser imposta a ninguém, mas deve ser exercida em liberdade e segundo a vontade da pessoa doente, como determina a lei. Deve por isso ser pedida pelo próprio doente às enfermeiras ou médicos. É, na verdade, um assunto da competência do próprio doente.
Quando alguém é internado, portanto, não pode nem deve ficar à espera pelo capelão para ter conforto espiritual. Se deseja assistência, peça-a aos enfermeiros logo no início do internamento (é espiritualmente mais proveitos) e/ou ao longo do internamento. Não deve ficar paralisado pelo medo ou vergonha, ou porque acha que dá trabalho. É uma oportunidade para dar um testemunho silencioso da sua fé. E se o capelão não aparecer dentro de um tempo razoável, deve insistir no pedido as vezes que forem necessárias. Também os familiares podem intervir e pedir a assistência espiritual aos enfermeiros ou ao capelão, bem como o Pároco, se o doente não o quiser fazer por si ou não for capaz.
Na mensagem para o XXIX Dia Mundial do Doente, o Papa desafia os cristãos pessoal e comunitariamente a estarem atentos aos doentes para que «ninguém fique sozinho, nem se sinta excluído e abandonado». Neste tempo de pandemia há muitos doentes com ou sem covid que têm tido conforto espiritual porque as famílias e os párocos se preocuparam e comunicaram ao capelão a sua presença no hospital.
1 O internamento hospitalar não pode constituir um impedimento à prática da liberdade religiosa do doente
nos termos do Decreto-lei 253/2009.
2 A liberdade de religião e culto faz parte dos Direitos Humanos e está inscrita na Constituição da República. É garantida pela Concordata para os católicos e pela Lei de Liberdade Religiosa para os não católicos. É regulada nos Hospitais do SNS pelo Decreto-Lei 253/2009.
Padre Fernando Sampaio (Diretor da Pastoral da Saúde do Patriarcado de Lisboa)
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