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Ser Pai
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Reaprender jogos em que nunca fui bom, como o futebol e o xadrez, aprender a ganhar com delicadeza, preocupado com quem perde e não com o resultado, obrigar-me a ganhar, ainda assim, porque perder também se aprende e os erros ensinam; mas também ver-te ultrapassar-me e deixar-te passar sem que o percebas e ver-te ficar feliz e ficar feliz por isso.
Correr para acudir a um choro, desviar-me de um brinquedo perdido, bater com o pé em qualquer coisa e com dores chegar e perguntar “Onde é que te dói?” e ouvir “Não é a mim, é ao ursinho…”. Dizer-te que me magoei, e receber um beijinho que cura tudo, mesmo que eu continue com dores e não diga, porque há coisas mais importantes que as dores e o teu beijo cura tudo – eu sei que cura tudo, porque fui eu que to ensinei. E no final dar um beijinho ao ursinho, coitado, que também ele se tinha magoado.
Roubar tempo ao sono para acordar a meio da noite com o teu choro, trazer-te para a cama e ver-te adormecer, sabendo que não voltamos a dormir e ficarmos felizes, com sono mas felizes, de te termos ali e do teu sono descansado.
Mas também dar-te estrutura:
fazer-te comer o peixe e os legumes, mesmo que não aprecies, e entusiasmar-te pelos seus sabores reinventá-los em receitas diferentes, juntar-lhes fritas, ervas, gengibre, canela, açafrão, torná-los outra experiência, uma curiosidade ou mesmo o teu orgulho de cozinheiro aprendiz.
fazer-te arrumar o que não te apetece – e que não me apetece fazer-te arrumar – porque é importante dar-te ordem, porque o caos e a desarrumação não são base para ti e por isso também forçar-me a arrumar o que não me apetece e não me apetece fazer-me arrumar. Mas também, às vezes e só às vezes, deixar tudo desarrumado, para poder-mos ficar quentinhos debaixo do cobertor a ver os desenhos que tu gostas na televisão.
fazer-te ter atenção àquilo a que deves estar atento, lembrar-te de te vestires em vez de saltares na cama, de não serem brutos uns com os outros mesmo que estejam só a brincar, de estimarem roupas e brinquedos para os que virão a seguir e ver-vos orgulhosos dessa responsabilidade.
e resolver-te os medos sem os alimentar, ensinar-te a subir escadas com o credo na boca, pegar-te ao colo quando o cão está solto, acender-te a luz quando está escuro demais para veres o que fazes. Mas deixar-te fazer, deixar-te subir, deixar-te crescer, atento e preocupado deixar-te crescer.
Mas também ser estrutura, que passa por sermos pai e mãe, que é ser pai e mãe, que é ser pai e mãe. E entendermo-nos nas nossas cumplicidades, nos nossos segredos – que também os temos e são nossos e só nossos – nos nossos planos e até no que deixamos para mais tarde, porque sabemos que mais tarde também será tempo para nós – talvez então recebamos com juros o tempo que agora aplicámos a ser felizes convosco.
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