Entrevistas |
Rita Valadas, presidente da Cáritas Portuguesa
“Nem tudo se faz com dinheiro”
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A nova presidente da Cáritas Portuguesa considera que a Semana Nacional Cáritas “superou as expectativas”, mas alerta que “atirar dinheiro para cima da mesa” não erradica a pobreza. Em entrevista ao Jornal VOZ DA VERDADE, Rita Valadas considera que esta crise vai fazer com que as pessoas estejam “mais atentas ao que se passa perto de si”, e deseja “que os abraços não desapareçam, porque isso é a condição para manter a saúde mental”.

 

Qual o balanço que faz da Semana Nacional Cáritas, que decorreu entre 28 de fevereiro e 7 de março?

Esta semana foi muito especial porque, pela primeira vez, foi uma semana completamente online. Já no ano passado, a Cáritas tinha tido esta dificuldade, no princípio do confinamento e, agora, com o confinamento completamente em evidência, tivemos que reformular tudo aquilo que é a prática natural de uma Semana Cáritas. A equipa da Cáritas Portuguesa fez um ‘brainstorming’ para encontrar opções que nos permitissem celebrar a Semana Nacional Cáritas, dar a conhecer a Cáritas em Portugal e, ao mesmo tempo, angariar alguns recursos... e tudo de forma online. Foi isso que submetemos às Cáritas Diocesanas e elas fizeram opções dentro do programa que mais lhes fazia sentido. Desenvolvemos uma campanha que assentou em duas situações: em primeiro lugar, em tudo quanto pudesse substituir o tradicional peditório nacional – que já o ano passado não foi possível fazer e que é muito importante porque algumas Cáritas Diocesanas dependem muito deste peditório para a sua ação –, de forma a que o peditório decorresse online. Encontrámos formas de doar a partir do portal, utilizando o MB Way, o multibanco e todas as opções que existem, neste momento. Por outro lado, nós discutimos bastante a necessidade de ainda esclarecer o que é a rede Cáritas em Portugal. Há sempre uma certa dificuldade em percecionar que esta é uma rede que não funciona como as outras redes. A Cáritas Portuguesa não é o chapéu das Cáritas Diocesanas, é o serviço das Cáritas Diocesanas e, para nós, e para mim em especial, que recentemente assumi este serviço, é muito importante que fique claro, que as pessoas entendam, que quando estão a falar de Cáritas em Portugal não estão a falar de uma diocese, mas também não estão a falar de um serviço que tutela os outros. Por isso, fizemos um plano com a comunicação social.

 

Nos primeiros dias como presidente da Cáritas, já tinha apontado como prioridade olhar para esta missão como “um serviço às Cáritas Diocesanas”. Como é que é feita essa articulação entre a Cáritas Portuguesa e as Cáritas Diocesanas?

A Cáritas Portuguesa, como cada uma das Cáritas Diocesanas, é “autónoma” e tem “vida própria”. Só que a “vida própria” da Cáritas Portuguesa, ao contrário do que acontece com a Cáritas Diocesana, é construída no Conselho Geral da Cáritas e esse é o órgão da Cáritas, em Portugal, onde estão representadas todas as Cáritas Diocesanas. O que é, então, a missão da Cáritas? Não tendo um território definido – quem tem são as Cáritas Diocesanas, paroquiais e todos os serviços caritativos da Igreja, em Portugal –, existem muitas iniciativas e muitos trabalhos transversais que necessitam de uma dimensão que cada uma das Cáritas não tem. As equipas técnicas que apoiam as Cáritas em Portugal também precisam de ter alguma formação e contraditório, precisam de articular com os seus pares, por exemplo. Se cada uma das Cáritas Diocesanas só pudesse existir no seu território, do ponto vista da habilitação técnica, do conhecimento, do enquadramento, da definição do seu lugar no trabalho da Cáritas e também da aprendizagem do trabalho que nós todos temos com as experiências que vão sendo feitas pelos nossos pares, dificilmente tudo isto chegaria às outras Cáritas Diocesanas. Cada uma das Cáritas Diocesanas sabe, como ninguém, a realidade das Cáritas locais. A Cáritas Portuguesa, de acordo com aquilo que vai sendo anualmente decidido no Conselho Geral, vai trabalhando determinadas matérias e propondo – tendo uma visão mais externa ao território –, iniciativas que possam robustecer ou que mereçam discussão. Nós aprendemos imenso cada vez que fazemos uma reunião. Aliás, esta Semana Nacional Cáritas foi uma evidência disso: pensámos quais seriam os recursos, as formas e depois reunimos todas as Cáritas e discutimos com elas o programa. Foi muito debatido e o que saiu, saiu consciente de que é aquilo que foi proposto. Quando se fala de Cáritas em Portugal, não se está a falar nem de Cáritas Portuguesa nem de Cáritas Diocesanas, está-se a falar do conjunto de todas, com especificidades, especializações importantíssimas, únicas.

 

Como referiu, este ano, devido à pandemia, não foi possível realizar o peditório de rua da Cáritas. Aquilo que foi conseguido, através das iniciativas online, traduziu a generosidade dos portugueses neste contexto específico que estamos a viver?

Do ponto de vista do apoio financeiro, superou as expectativas, tanto no momento da semana, como nos dias que se seguiram. Nós fizemos um contacto, quer a nível diocesano, quer a nível nacional, com muitas empresas e houve muitas que não conseguiram tornar-se visíveis neste momento, porque tinham coisas já planeadas. Há programa, para além da Semana Nacional Cáritas, feito com propostas de muitas empresas e que são muito interessantes. Ainda não temos tudo completamente contado, mas ultrapassámos bastante os 100 mil euros. Acho que suplantámos, claramente, aquilo que eram as nossas expectativas de visibilidade, de esclarecimento e financeiro, também.

 

Que soluções encontrou a Cáritas na resposta a esta crise?

Muitas e, sobretudo, uma grande flexibilidade. Aliás, há duas palavras que nos são muito importantes, neste momento: a flexibilidade e capilaridade. Não há nenhuma rede tão capilar como a rede da Igreja, não há nada mais perto de cada pessoa do que a igreja do seu bairro. Portanto, a Cáritas podendo contar com essa capilaridade ao nível do trabalho que se faz localmente, consegue chegar muito perto. E também aprender muito com cada solução que existe.

Eu já tinha estado na Cáritas, na direção, durante dois mandatos, entre 2006 e 2011. Nessa altura nós vivíamos a outra crise. Talvez por isso eu não me assustei tanto. Nessa altura percebi o quão poderosa, em termos de apoio, a Cáritas pode ser. Nem tudo se faz com dinheiro, muitas vezes atiramos com dinheiro para cima da mesa e não resolvemos nada. É isso que tem estado a acontecer em Portugal, nós temos gasto tanto dinheiro para erradicar a pobreza e, até hoje, não conseguimos. Quando aparece uma crise, não nos podemos conter aos programas que estão em cima da mesa. Já nessa altura, a Cáritas fez uma coisa que continua a permanecer e que, de certa forma, se apoiou, do ponto vista financeiro: foi a distribuição de vouchers em vez de géneros. Nestas crises há pessoas que não estão ligadas à pobreza “mais resistente” e a outras situações que carecem que lhes dê bens alimentares. É preciso encontrar formas de combater aquilo que é natural, que é um certo pudor, uma certa vergonha nas pessoas que, por exemplo, nos ajudam durante os seus tempos bons e chegam a esta altura e confrontam-se com uma situação de carência e têm algum pudor em entrar, de chegar ao pé de nós para pedir ou para dizer qual é a sua situação, de forma a discutirmos com eles e vermos que soluções existem. É essa a facilidade que a Cáritas tem: encontrar soluções fora dos programas, como nós fizemos desde a primeira linha. Com a direção que nos antecedeu, houve um reforço para a compra e distribuição de vouchers. Na primeira fase, houve um apoio muito sólido para a compra de equipamentos de proteção individual para distribuí-los pela rede. Depois, para as pessoas que foram ficando, financeiramente, numa situação crítica, criou-se um programa que se chama ‘Inverter a curva da pobreza’, precisamente para inverter estas situações.

O que nós temos é de tentar ter capacidade financeira para agir nas situações pontuais de crise e não permitir que essas situações engrossem os nossos índices de pobreza porque são pessoas que têm competências e ainda estão em condições de reabilitar o seu sonho. Nessas, temos que evitar que caiam em situações que, depois, nós não temos sabido curar. Não temos sabido curar a pobreza, portanto, o que podemos fazer é evitar que mais pessoas caiam nessa situação, para depois o caminho seguinte ser a criação de resiliência na rede, para poder estar capaz de responder a outros desafios.

 

Na sua opinião, que boas práticas da caridade, trazidas pela pandemia, irão ficar para o futuro pós-pandémico?

Acho que as pessoas vão estar mais atentas ao que se passa perto de si. Na primeira fase, achámos que o vírus não chegava até nós e, hoje em dia, toda a gente conhece uma pessoa que está doente ou que faleceu. Eu acho que vamos estar atentos ao que se passa mais perto e, sobretudo, desenvolver algumas competências de prudência que não havia antes. Aquilo que espero que não aconteça é que as pessoas se virem para dentro...

Também descobrimos formas de nos fazermos presentes sem um abraço, mas eu espero que os abraços não desapareçam porque isso é a condição para manter a saúde mental, é aquele “coração de dentro” que precisa da atenção e essa eu espero que saibamos recuperar na situação pós-pandémica.

 

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Perfil

Rita Valadas, presidente da Cáritas Portuguesa desde 14 de novembro passado, é licenciada em Política Social e trabalhou no Departamento de Ação Social da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Nesta entrevista ao Jornal VOZ DA VERDADE, referiu que dará o melhor nesta missão e que o contexto de crise não a assustou no momento de aceitar o cargo. “Sou uma mulher do terreno, não nasci presidente, não é essa a minha orientação. Acho que quem trabalhou e trabalha no terreno tem mais condições de agir sobre a realidade nestas situações”, considera esta profissional, que é a segunda mulher a ocupar o cargo, após a primeira presidente e fundadora da instituição, Fernanda Mendes de Almeida Ivens Ferraz Jardim, Condessa de Valenças.

 

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Renúncia Quaresmal: presidente da Cáritas de Lisboa apela “à confiança” na instituição

Nesta Quaresma, o Patriarcado de Lisboa vai destinar o valor da Renúncia Quaresmal à Cáritas Diocesana, para “poder continuar a socorrer os mais vulneráveis”, refere uma comunicação da Vigararia Geral, divulgada no início deste tempo de preparação para a Páscoa.

Ao Jornal VOZ DA VERDADE, o presidente da instituição disse ter recebido “com muita satisfação” esta notícia, pelo próprio Cardeal-Patriarca D. Manuel Clemente. “Satisfação porque constituirá um reforço financeiro para continuarmos a apoiar através das paróquias e instituições sociocaritativas ligadas à Igreja, mas também porque ela representa uma grande afirmação de confiança do senhor Patriarca na sua Cáritas Diocesana”, enalteceu o almirante Luís Macieira Fragoso, deixando ainda um apelo à confiança na missão da instituição: “A Cáritas Diocesana de Lisboa atua principalmente através dos que estão próximos dos carenciados, ou seja, os grupos sociocaritativos paroquiais. Para cumprir cabalmente a sua missão, necessita de meios financeiros que provêm exclusivamente de donativos. Consideramo-nos apenas intermediários entre os que doam e os que necessitam, e procuramos fazê-lo com a máxima eficiência. O senhor Patriarca confia em nós, esperamos que os católicos do Patriarcado também confiem”.

 

A entrega da renúncia pode ser feita diretamente ou através da paróquia, até ao próximo dia 11 de abril, para o IBAN PT50003300004544795746905.

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