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Relatório sobre a Liberdade Religiosa no Mundo, da Fundação AIS
A pandemia da violência
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Da Nigéria a Moçambique, do Paquistão ao Chile, da China ao Mali… os relatos sucedem-se até à náusea. São crimes de ódio, pessoas violentadas na sua dignidade, nos seus direitos mais básicos. São pessoas que fogem, que estão na mais absoluta indigência. São vítimas da perseguição religiosa no mundo. O número assusta.

 

Cerca de 67% da população mundial vive actualmente em países onde há graves violações da liberdade religiosa. Esta é uma das principais conclusões do relatório publicado esta semana, dia 20 de abril, em Lisboa em simultâneo com as principais capitais europeias. Estes sessenta e sete por cento significam cerca de 5,2 mil milhões de pessoas. De forma exaustiva, foram analisados todos os países do mundo. Mais de trinta especialistas estudaram documentos, relatos publicados em jornais e revistas, entrevistaram pessoas, visionaram imagens. Em mais de 800 páginas pode ler-se como vai o mundo no que diz respeito a uma das liberdades básicas, inscritas na Declaração Universal dos Direitos do Homem: o famoso artigo 18º. As conclusões são alarmantes.

 

 

A catalogação do crime

Os números sucedem-se de forma trágica. Cada um destes algarismos representa uma quantidade impressionante de pessoas. Muitas destas pessoas deixaram de ser livres ou nunca souberam o que isso significa. Há mulheres escravizadas, crianças-soldado, raparigas roubadas às famílias e colocadas em rede de tráfico sexual… Os países são agrupados por categorias. Há aqueles em que se registam casos de “violação da liberdade religiosa”, há os de “discriminação” e os que estão catalogados como de “perseguição”. Nove países aparecem nesta categoria pela primeira vez: sete em África (Burkina Faso, Camarões, Chade, Comores, República Democrática do Congo, Mali e Moçambique) e dois na Ásia (Malásia e Sri Lanka).

 

O ‘califado’ em África

África é um continente onde se regista, de dia para dia, um número crescente de casos de perseguição de minorias religiosas. Há um padrão comum à maioria destes países caídos nas malhas do extremismo: a presença de grupos jihadistas que aspiram à criação de um vasto ‘califado’. A cada dia somam-se histórias de terror, de assassínios em massa, de pessoas executadas a sangue frio, de aldeias que se esvaziam, da impotência dos países frente a esta ameaça armada. Moçambique é só um dos países onde isto está a acontecer. Cabo Delgado é apenas um lugar no mapa na ambição jihadista. O Burkina Faso é outro destes países.

 

Mulheres e crianças

A perseguição às minorias religiosas implica, com uma frequência também alarmante, a violência sobre as mulheres e as crianças. Em alguns países, isso ocorre muitas vezes perante a complacência criminosa das próprias autoridades. É o caso, por exemplo, do Paquistão. A Fundação AIS tem procurado denunciar casos de jovens raparigas, por vezes ainda crianças, que são raptadas das casas dos seus pais, são violentadas, forçadas a casar e a converterem-se ao Islão. Padrão comum nestes casos, a pobreza das famílias cristãs ou hindus, as duas principais minorias religiosas neste país. A iníqua lei da Blasfémia também tem continuado a fazer as suas vítimas. O caso de Asia Bibi, uma mãe de cinco filhos que foi condenada à morte por blasfémia por ter bebido um copo de água de um poço e que só não foi enforcada graças a uma impressionante campanha internacional a seu favor, é apenas um exemplo. Uma história com final feliz apesar de esta mulher cristã ter passado quase uma década numa minúscula cela, sempre debaixo das ameaças mais tenebrosas.

 

O ‘Big Brother’ na China

O relatório da Fundação AIS destaca também uma tendência que começa a ser comum em países como a China, muito centralizados e com baixos níveis de protecção dos direitos humanos. O abuso da tecnologia digital. A inteligência artificial permite a vigilância de multidões nomeadamente através de alta tecnologia de reconhecimento facial. Com estes instrumentos, através de câmaras de vigilância, sensores, ‘scanneres’, num país autoritário governado pelo Partido Comunista, começa a soar o alarme face ao potencial persecutório que todos estes instrumentos representam. E por vezes, a perseguição nem precisa de metodologias subtis. Na província de Xinjiang, apesar dos protestos da comunidade internacional, calcula-se que haverá pelo menos cerca de 1 milhão de pessoas, pertencentes à comunidade uigure, em “campos de reeducação” onde estão sujeitas a “detenção arbitrária em massa, tortura e maus-tratos”, como se pode ler no Relatório da AIS.

 

Assistência negada

A perseguição religiosa acontece por vezes nas circunstâncias mais adversas e até absurdas. Quando seria de imaginar uma maior solidariedade entre as pessoas numa situação difícil, como por exemplo a pandemia do coronavírus, aquilo que se assiste é a discriminação punitiva das comunidades minoritárias, os mais frágeis, mais pobres, mais indefesos. Mesmo sabendo-se que estas comunidades sobrevivem normalmente com grande dificuldade, recorrendo a trabalhos duros, mal pagos e incertos. O confinamento decretado pelas autoridades conduziu muitas famílias cristãs a situações dramáticas de pobreza. No Paquistão ou na Índia, por exemplo, houve inúmeros relatos de casos em que foi negada a assistência humanitária às minorias religiosas.

 

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Quantos cristãos precisam de morrer?

Todos os seres humanos têm direito à liberdade de pensamento, consciência e religião. O artigo 18º da Declaração Universal dos Direitos Humanos é claro. Todos têm direito a professar, ou não, uma religião. Têm direito a rezar e a não serem molestados, nem perseguidos, nem violentados por isso. Têm o direito de praticar a sua religião de forma pública ou em privado.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adoptada pelas Nações Unidas em 1948. Vai fazer, em Dezembro, 73 anos. Desde então são praticamente incontáveis os casos de homens, mulheres e crianças que foram perseguidos, por vezes de forma brutal e humilhante, por causa da sua fé. Quantos crimes foram cometidos que nunca chegaram sequer a ser notícia? Nunca saberemos. Mas sabemos, e é inquietante, que os Cristãos são a comunidade religiosa mais perseguida no mundo e que nunca como nos tempos actuais houve tantos mártires, tantas pessoas que perderam a vida por causa da sua fé. É inquietante que o mundo, no que diz respeito à liberdade religiosa, seja hoje um lugar ainda mais perigoso do que em 1948, quando se escreveu a Declaração Universal dos Direitos Humanos. É inquietante e triste.

 

Sri Lanka, Paquistão, China…

Neste preciso momento há pessoas atrás das grades, em prisões do estado ou às mãos de grupos terroristas, por causa da sua fé, por serem cristãos. Apenas por isso. De que vale haver uma Declaração Universal dos Direitos do Homem quando alguém perde a vida por ir à missa ao domingo quando essa Igreja, que devia ser um lugar de paz, é sacudida pela violência brutal de uma explosão, como aconteceu no Sri Lanka, na Páscoa de 2019? De que vale haver uma Declaração Universal dos Direitos do Homem quando jovens, às vezes ainda crianças, são raptadas e forçadas a casar e a mudar de religião perante a complacência criminosa das autoridades, como acontece, com uma frequência aflitiva, no Paquistão? De que vale haver uma Declaração Universal dos Direitos do Homem quando raparigas são levadas à força da sua escola e mantidas em cativeiro, como escravas, às mãos de grupos jihadistas, como já aconteceu tantas vezes na Nigéria, por exemplo. De que vale haver uma Declaração Universal dos Direitos do Homem quando fiéis, sacerdotes e bispos são perseguidos, as suas igrejas são destruídas ou encerradas à força, como têm ocorrido na China, por decisão das autoridades?

 

Quanto vale um cristão?

De que vale haver uma Declaração Universal dos Direitos do Homem quando as pessoas são perseguidas e mortas violentamente e obrigadas a fugir, aos milhares, deixando para trás as aldeias e vilas, por vezes totalmente queimadas e destruídas, onde nada é poupado, nem sequer as igrejas, as escolas, os centros de saúde, como tem acontecido em Cabo Delgado, no norte de Moçambique?

O artigo 18º da Declaração Universal dos Direitos do Homem é um bom exemplo de como os bons princípios são por vezes apenas letra morta. Os cristãos são a comunidade religiosa mais perseguida no mundo. Pergunto: quanto vale a vida de um cristão no Sri Lanka, ou na China, ou no Paquistão, ou na Nigéria? Quantos cristãos precisam de morrer para que o mundo se indigne de verdade? Quantos cristãos têm de ser perseguidos, violentados e humilhados para que o mundo perceba que as proclamações de direitos de nada valem quando nada se faz em sua defesa? A Fundação AIS publicou mais um relatório sobre a Liberdade Religiosa no Mundo. Este documento é precioso. A sua leitura deve indignar-nos. A nossa indignação deve mobilizar-nos e a nossa acção deve ajudar a mudar o mundo.

 

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