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Rui Diniz, economista: ?É possível a santidade no mundo dos negócios?
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Economista e consultor da McKinsey, Rui Diniz considera que o grande desafio às empresas, hoje, é conseguir integrar a gratuidade no sistema económico. Em entrevista à VOZ DA VERDADE, este jovem economista diz ainda acreditar que “é possível a santidade no mundo dos negócios”.

Participou recentemente na iniciativa ‘Terça.com’ onde abordou os desafios lançados aos jovens na encíclica ‘Caritas in veritate’. Que ensinamentos o Papa procura transmitir à juventude na sua carta encíclica?

Esta encíclica do Papa foi uma encíclica que me interpelou de forma especial, porque os temas de que o Papa fala são temas muito relevantes para alguém que desenvolve a sua actividade profissional na gestão e na economia. O Papa desafia-nos a trabalhar de uma forma diferente, com outro tipo de perspectiva. Muitas das coisas que Bento XVI nos diz constituem desafios importantes para o nosso dia-a-dia. Desafios que devem ser postos em prática e devem ser implementados por nós.

Na encíclica destacaria três pontos-chave, os mesmos de que falei na conversa da ‘Terça.com’: o desenvolvimento humano integral, privilegiando não só uma parte do crescimento da pessoa humana, mas o todo; a globalização, com todos os problemas e proveitos; e a gratuidade no nosso dia-a-dia profissional e a necessidade de incluir a gratuidade no sistema económico e não apenas a posteriori. Entender a gratuidade como parte integrante da economia.

 

Sobre esses três pontos, o que é que os jovens não podem deixar de saber sobre estes conceitos?

No primeiro ponto, sobre o desenvolvimento humano integral, não podemos apenas pensar no desenvolvimento humano numa determinada dimensão, seja ela a do trabalho, a da família ou apenas pessoal… O desenvolvimento deve ser visto de uma maneira completa, de uma maneira que inclua todas estas dimensões, de uma forma equilibrada. Para além disso, não podemos pensar que o desenvolvimento pode ser apenas fruto da nossa própria acção. É sim, uma vocação! Todos temos a vocação para o desenvolvimento, mas não nos basta que sejam as instituições ou que sejamos nós próprios a promover o desenvolvimento. O nosso desenvolvimento tem de ter uma dimensão transcendente, tem uma necessidade de Deus, precisa d’ Ele. Caso contrário depende apenas de nós e é redutor!

 

E sobre a globalização?

No que diz respeito à globalização, e enquanto gestor e economista, é importante que se reconheça que a globalização teve aspectos muito positivos ao longo dos últimos anos e contribuiu em grande medida para o desenvolvimento de partes importantes do planeta… É certo que a globalização também traz muitos desafios. Em concreto, e ao nível dos Estados, a globalização faz com que haja muito mais concorrência, muito mais concorrência entre países, para que os países consigam eles próprios reter ou desenvolver determinadas actividades económicas que outros também querem ter. Nessas circunstâncias é natural que os países privilegiem a competitividade em detrimento de determinadas situações sociais ou condições de assistência, que sendo muito importantes para as pessoas e para os indivíduos, tornam a economia menos competitiva. Daí que se vejam os problemas da segurança social a serem um pouco descurados, a estabilidade no trabalho, que é um factor absolutamente crítico a ser posto em segundo plano e sendo certo que estes pontos são importantes, também é certo que a competitividade é fundamental para criar riqueza, para criar oportunidades de trabalho, para que as pessoas, também elas, tenham mais acesso ao trabalho! Este equilíbrio entre a necessidade de todos os países serem competitivos neste contexto de globalização, mas por outro lado não esquecer a importância das condições de segurança social, das condições de prestações sociais e de estabilidade no trabalho aos seus cidadãos, é um equilíbrio que é fundamental gerir e que falta gerir no dia-a-dia.

 

E quanto ao tema a gratuidade?

Finalmente, no tema da gratuidade, aquilo que o Papa nos diz – e que no meu entender é um tremendo desafio a cada um de nós – é que no passado havia uma perspectiva de que a gratuidade não podia estar integrada com a actividade económica. Ou seja, a actividade económica procurava maximizar o lucro e o Estado tinha uma função essencialmente distributiva para garantir que existia justiça social. A gratuidade entrava só no fim, na medida daquilo que fosse necessário: sempre que a justiça distributiva não fosse suficiente. Com a realidade que temos hoje, dada a dispersão das empresas por vários países, dado que muita da riqueza que é criada num determinado país não é retida nesse país, muitas vezes a função distributiva do Estado já não é eficaz por si! Dessa forma, é fundamental que esta justiça distributiva e que esta justiça caritativa seja iniciada mais a montante e esteja intimamente integrada com aquilo que é a justiça comutativa que é própria das relações económicas. Isto é, as relações económicas não podem ser vistas como uma coisa independente desta lógica da gratuidade, mas como diz Bento XVI, a gratuidade deve ser muito mais integrada com o próprio sistema económico e com a justiça comutativa que é própria das relações económicas. Este é um desafio tremendo para os gestores e para as empresas no seu dia-a-dia, porque a lógica de mercado não é uma lógica que à partida seja facilmente integrável com esta lógica de gratuidade e com esta lógica de caridade.

 

A santidade estará em foco na visita do Papa a Portugal, em Maio. É possível a santidade no mundo económico e empresarial?

A minha esperança é que sim, que é possível a santidade no mundo dos negócios! Aliás, esse deve ser o nosso objectivo e todos os dias faço por isso, quanto mais não seja por pertencer à ACEGE – Associação Cristã de Empresários e Gestores. Espero também que a vinda do Papa ao nosso país reforce essa mensagem e reforce a necessidade de olharmos para estes ensinamentos que o Papa dá na encíclica, como ensinamentos fundamentais para caminharmos nessa santidade, para introduzirmos este conceito de gratuidade no nosso dia-a-dia, nos negócios, em todo lado…

No meu caso pessoal, de uma forma prática e concreta, o esforço que eu procuro fazer no dia-a-dia é manter os mandamentos fundamentais, o estar atento ao outro e amar o outro também no mundo dos negócios, deixando de lado o atingir o objectivo a qualquer custo. É importante ter essa consciência e não deixar o mandamento no lado de fora do escritório.

 

Na 2ª Catequese Quaresmal, D. José Policarpo citou uma passagem do Evangelho segundo São Mateus: “Quando apresentas a tua oferta no altar, se te lembrares que o teu irmão tem razão de queixa contra ti, deixa a oferta diante do altar e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão; depois volta para apresentares a tua oferta”. Qual o papel do sacramento da reconciliação no caminho para a santidade?

Para mim o sacramento da reconciliação é fundamental! Neste caminho para a santidade, caímos e falhamos muitas vezes, seja no nosso domínio profissional ou noutro qualquer, e por isso a reconciliação é importantíssima para nos colocar de novo no caminho certo e para recomeçarmos o caminho para essa santidade.

Perfil

Casado e pai de quatro filhos, Rui Diniz, de 36 anos, pertence à paróquia de Cascais e é Location Manager de Lisboa da consultora McKinsey. Enquanto economista e gestor é membro da ACEGE – Associação Cristã de Empresários e Gestores, onde participa num grupo de reflexão sobre como ser católico e trabalhar numa empresa e como estas duas realidades se podem misturar. A nível da paróquia, uma vez por ano, durante o Verão participa em campos de férias para crianças entre os 11 e os 13 anos. Durante os tempos de faculdade fez parte do grupo de acção social da Universidade Católica e em dois desses anos realizou missão em África.

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