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Pe. Alexandre Palma
4 Estações da fé

Simplicidade, complexidade, perplexidade e harmonia. A síntese não é minha, mas do heterodoxo autor evangélico Brian McLaren. Procura-se assim descrever as grandes etapas do itinerário crente. O seu esforço não é sequer original. Não faltam, ao longo da história cristã, esforços em tudo semelhantes a este. Como um mapa que se desenha à medida que a viagem se cumpre, o crente experimenta a necessidade de ir registando os traços fundamenteis desta sua grande viagem interior. Precisa de se dizer e, dizendo-se, de se conhecer. Mas a este exercício subjaz uma verdade que nunca poderá ser esquecida: a fé é uma viagem, não uma conquista. Por isso composta por estações distintas. Estas ou outras. Ditas assim ou de outro modo. Mas sempre uma viagem com as suas etapas.

Tudo começa, na síntese de McLaren, pela simplicidade, primeira estação deste caminho. Neste período a fé está muito marcada pela adesão a figuras de autoridade, como os pais ou ministros eclesiais. É uma etapa determinada pela necessidade de clareza na mensagem e, portanto, de simplificação da proposta. Com frequência ela assenta numa interpretação dual da vida e dos desafios de quem crê. A nitidez da distinção entre bom e mau, certo e errado, nós e eles traz o conforto de um certo tipo de segurança e de certeza na fé.

A dada altura, contudo, sobretudo quando a vida se nos complica, tornamo-nos mais sensíveis às nuances de acreditar e daquilo em que se acredita. Entra-se, então, numa nova estação, tomada pela consciência da complexidade da vida e da fé. Admite-se que aquilo que sabemos e cremos não resuma, afinal, tudo quanto existe; que entre o bom e o mau, entre o certo e o errado, entre nós e eles haverá bem mais do que aquilo que até então se julgava possível. Passamos, em síntese, a ter de lidar não apenas com questões mais complexas, mas a reconhecer a complexidade das nossas próprias questões.

Também isto muda, quando se agudiza em nós a sensação de que não somos capazes de administrar toda a complexidade da vida e da vida vivida em Deus. Entramos, pois, numa nova estação, marcada pela perplexidade. A confiança juvenil, satisfeita consigo por ter ultrapassado a simplicidade da infância, encontra aqui o seu limite. Custa, mas torna-se necessário deixar morrer a instrumentalização da fé como solução para todos os nossos problemas. Atravessa-se então uma fase marcada pelo questionamento da fé que se herdou e professa. Este questionamento, acompanhado por um possível afastamento da comunidade, pode com facilidade conduzir-nos a uma certa solidão. Não será por isso estranho que muitos interrompam aqui esta viagem, por terem perdido o sentido do seu sentido.

Torna-se muito importante ajudar a perceber que para além da perplexidade há ainda algo mais que a fé pode dar e ser. Para lá desta estação, encontrar-se-á uma fé pacificada com todo este itinerário, com as suas luzes e as suas sombras. Será isto o que o autor chama harmonia. Descomplexadamente, relativiza-se a necessidade de justificar a fé (desconfia-se inclusivamente da real fecundidade dessa apologética), mas relativizam-se também as dúvidas insuperáveis com que, legitimamente, o crente vai aprendendo a conviver. O medo da (perda de) certeza e da dúvida desaparecem. A compaixão para com o próximo e para consigo próprio tornam-se inclinações espontâneas do nosso ser. A fé torna-se mais orgânica, incorporada em nós e no nosso viver como tudo o mais que efectivamente somos.

O problema destes esquemas está na pergunta: Em que estação estou? Isso tende a fechar um esquema que se quer aberto, a bloquear uma análise que se quer dinâmica. Com grande probabilidade vamos experimentando um pouco de todas estas estações em todas as etapas do nosso itinerário. Não se trata, portanto, de saber em que estação estou. Trata-se sim de saber: Qual é dominante agora? Qual descreve melhor o presente do que sou e vivo? Mas mesmo essa não será a pergunta que realmente importa levantar. Decisiva mesmo é apenas esta pergunta: Quero seguir para diante?


foto por Kolbe Times