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Pedro Vaz Patto
Que “valores europeus”?

Vai ser discutido em junho no Parlamento Europeu um projeto de resolução sobre “saúde sexual e reprodutiva” que declara o acesso ao aborto a pedido como direito humano e a sua negação como violência contra a mulher, considerando ainda a objeção de consciência nesse âmbito como contrária ao direito de acesso aos serviços de saúde.

O projeto tem como alvo principal os Estados membros da União Europeia onde o aborto é ilegal em quaisquer situações (Malta), ou é fortemente restringido (Polónia). O Presidente da República de Malta, o médico George Vella, do Partido Trabalhista, afirmou recentemente, referindo-se a um eventual projeto de legalização do aborto (foi apresentado um no Parlamento, mas com poucas hipóteses de ser aprovado), que preferia demitir-se a assinar uma lei «que autoriza a matar». Na Polónia, um acórdão do Tribunal Constitucional declarou inconstitucional a legalização do aborto eugénico (ou seja, com fundamento em malformação ou deficiência do feto), decisão muito contestada em manifestação de rua (mas que surgiu em resposta a uma petição de iniciativa popular que recolheu mais assinaturas do que o elevado número de pessoas presentes nessas manifestações de rua). Com essa deliberação, a maior parte dos abortos até então legalmente praticados na Polónia deixarão de o ser. Este facto foi condenado numa resolução do Parlamento Europeu votada por larga maioria.

Uma resolução do Parlamento Europeu como a que vai ser agora discutida não tem força juridicamente vinculativa, mas tem relevo político, abrindo caminho para possíveis alterações legislativas no sentido da legalização do aborto nos Estados membros, ou travando iniciativas em sentido contrário.

De qualquer modo, e como foi já salientado a propósito da referida resolução que condenou a ilegalização do aborto eugénico na Polónia, a questão da legalização do aborto extravasa do âmbito das atribuições da União Europeia. É matéria que cabe aos Estados membros (como, além do mais, foi reafirmado no Tratado de adesão de Malta).

Por outro lado, o direito internacional não reconhece um direito ao aborto. Nas Conferências de Pequim (de 1994) e do Cairo (2014), também graças à intervenção da delegação da Santa Sé, foi rejeitada a inclusão do aborto entre os serviços de “saúde sexual e reprodutiva”. Nem o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, nem o Tribunal de Justiça da União Europeia alguma vez afirmaram esse pretenso direito ao aborto.

Quanto à objeção de consciência, corolário da liberdade de consciência como direito fundamental, ela tem apoio na Convenção Europeia dos Direitos Humanos e na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Uma resolução da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (Resolução 1928, de 24 de abril de 2013) afirmou com clareza a importância do direito à objeção de consciência.

Mas, mais do que estas objeções jurídicas, importa salientar o alcance nefasto que pode ter a aprovação de uma resolução que declara um pretenso direito ao aborto como direito humano, a par de outros que se definem habitualmente como integrando os chamados “valores europeus”. O efeito que pode ter essa aprovação será o de contribuir para afastar muitos cidadãos de um projeto de unidade europeia que identificam com valores ligados às raízes cristãs da cultura europeia. Se, afinal, entre os pretensos “valores europeus” se inclui a legalização de um atentado ao primeiro dos direitos (o direito à vida), um atentado que atinge os mais vulneráveis dos seres humanos, é de esperar que muitos europeus deixem de se identificar com esses pretensos valores e, reflexamente, com o projeto de unidade europeia. Há que pensar nisso precisamente numa altura em que, com o lançamento da Convenção sobre o Futuro da Europa, se pretende aproximar os cidadãos europeus do projeto de unidade europeia, do qual muitos estão cada vez mais afastados.