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António Bagão Félix
O bem supremo da vida

1. A vida é o bem supremo, o bem soberano, decorrente do direito natural. É o fundamento e a justificação para todos os direitos e deveres, no plano ético da consciência e no plano do ordenamento jurídico.

A vida é um continuum desde a sua concepção até à morte. Desvalorizar qualquer dos seus momentos é pôr em causa o seu valor inalienável e intransferível. Relativizar a vida é aceitar uma métrica de pseudo tecnicalidade, baseada em mínimos éticos ou em subjectivismos axiológicos e espiritualmente rarefeitos. Apontar descontinuidades para situar o início da existência de uma vida depois da concepção é sempre arbitrário.

Citando São João Paulo II, a “coligação contra a vida” começa na aceitação do aborto, que está na base de todas as derivas da chamada cultura de morte. Através da sua legalização e até do seu estímulo malthusiano, o valor da vida fica ferido de morte, porque incide sobre a criança inocente e indefesa que está por nascer. Citando Teresa de Calcutá, uma sociedade em que uma mulher tem o direito de matar um filho que traz no seu ventre é intrinsecamente bárbara.

O aborto e a eutanásia são o alfa e o ómega desta hedionda cultura de morte, gerados pela convergência entre o hedonismo comportamental, o implícito desprezo pela vida nascente, a secundarização da família como fundamento e fonte de vida, o enfraquecimento da responsabilidade, e o estabelecimento do poder utilitarista que permite e até estimula formas pretensamente assépticas de matar.

Na sociedade pós-moderna, tudo isto vem sendo induzido, com um gélido calculismo, por uma linguagem de deslizamento semântico que pretende anestesiar o sentido moral destas práticas. Assim se fala, biologicamente, de um feto e não, afectivamente, de um filho por nascer. Assim se fala, da mulher e não da mãe e se ignora, ou pior, se desresponsabiliza o pai. Assim se diluem as naturais distinções entre pai e mãe para se falar de progenitores “neutros”.

2. Entre défices de toda a espécie, pouco se fala do que será, porventura, o maior défice que germina lenta e inexoravelmente: o défice de nascimentos.

Portugal ocupa no planeta, uma das últimas posições. Cada mulher em idade fértil tem, em média, 1,4 filhos. Um valor que representa apenas 62% do necessário para se atingir o valor de equilíbrio geracional (no nosso caso, cerca de 2,1 filhos). Isto apesar da notável evolução da taxa de mortalidade infantil, que é agora de 3 crianças (até um ano de vida) por cada mil, quando há cinquenta anos atingia 55 nado-vivos!

Perante esta questão decisiva para o nosso futuro, o país assiste, com pusilanimidade, à promoção de políticas, directa ou capciosamente, anti-natalistas. A notícia, nos dias de hoje, é a morte, deixou de o ser o nascimento. Silenciosamente, a ameaça caminha perigosamente. Para quem vier a seguir. Como é um problema para “depois de amanhã”, não abre telejornais, nem suscita reflexões mais profundas. Em contraste, noticia-se qualquer estatística sobre os abortos permitidos por lei, como se se estivesse a almejar um objectivo nacional.

O que parece estar na “moda” não é falar do casamento, mas da sua dissolução. Não é defender a exigência, mas espraiar a lógica de um mero contrato que corre o risco de se tornar o mais fácil de romper. Não é investir na maturidade afectiva, mas estimular a precocidade sexual. Não é promover a responsabilidade, mas o facilitismo permissivo. Não é cuidar dos velhos quando a cura já não é possível, mas legislar sobre o direito à eutanásia.  Não é proteger e promover a vida, mas deixar-se fascinar por certa biotecnologia desumanizada.

Perante este quadro torna-se necessário, agora e sempre, responder com a cultura da compreensão e do coração, e com solidária sensibilidade para compreender e não para culpar. Mas, jamais se poderá aceitar a ideia de um Estado que que financia a morte de seres inocentes e a eutanásia. Os nossos impostos deveriam servir para salvar vidas não para eliminá-las. Não há verdadeira justiça quando a invocada liberdade de uns se sobrepõe ao direito a existir dos mais débeis, cuja protecção é uma das mais importantes funções de um Estado de direito. Transformar o problema na solução e um mal num direito, configura a mais vil, injusta e cobarde das discriminações: a da vontade da parte mais forte e impositiva sobre a mais débil, sem voz e sem protecção legal.

 

(por opção pessoal, texto escrito com a grafia anterior ao chamado Acordo Ortográfico)