Artigos |
Pe. Alexandre Palma
O que será o futuro?

Esta pandemia apanhou-nos desprevenidos. Por isso, apanhou-nos impreparados. Com o vírus e o seu sobressalto veio a tentação de prever o futuro. E nesse particular não nos mostrámos mais competentes do que no controlo dos contágios.

A pandemia, segundo alguns, seria uma reacção da natureza e os confinamentos por ela impostos far-nos-iam adoptar condutas mais ecológicas. Com tudo fechado em casa, essa profecia parecia confirmada pela diminuição da poluição das nossas cidades. Um ano volvido, percebemos que ainda não foi desta que se restabeleceu a necessária harmonia com o meio ambiente. Produzimos agora mais lixo do que antes da pandemia. Considerem-se, por exemplo, as máscaras espalhadas um pouco por toda a parte. Este é um sinal eloquente do quanto eram optimistas essas previsões iniciais.

A pandemia iria revolucionar o mundo do trabalho. E, ao contrário do que habitualmente sucede nas questões laborais, com acordo fácil entre empregadores e trabalhadores. A generalização do teletrabalho tornaria desnecessário dedicar grandes espaços para as actividades profissionais. Mais importante ainda, este novo mundo permitiria um reequilíbrio entre trabalho e outras dimensões da vida. O ano que passou permitiu colocar à prova tal previsão. Os horários profissionais foram pulverizados. Neste novo paradigma, o trabalhador está sempre online. Percebemos, além disso, que o teletrabalho também gerou tensões na esfera doméstica e familiar. Acresce que sentimos uma imprevista saudade das rotinas e dos colegas de trabalho. Uma vez mais, a previsão mostrou-se mais um desejo que uma realidade.

A pandemia daria um novo protagonismo às novas gerações. Para protecção dos mais velhos, particularmente vulneráveis às consequências do vírus, avançaram os mais novos. Como noutros momentos críticos do nosso passado, os jovens elevaram-se e mostravam-se à altura das circunstâncias. Expunham-se, generosamente, para dar assistência aos mais idosos ou para fazer companhia aos mais sós. Em sociedades envelhecidas, emergia assim a promessa de um tempo em que a juventude garantiria a qualidade do nosso futuro comum. E eis que esses mesmos jovens, elogiados há apenas um ano pela sua conduta no combate aos efeitos da pandemia, são agora incluídos entre os responsáveis por sucessivos focos de contágio. A eles se imputam as mais intensas expressões de fadiga pandémica e de desobediência às indicações sanitárias. Estranha inversão de papéis, em tão pouco tempo.

Também no espaço eclesial nos aventurámos a tentar antecipar o futuro. Neste caso, talvez, de forma mais contrastante. A súbita suspensão da normal actividade pastoral anunciava ora um tempo temível ora uma oportunidade de mudança. O distanciamento impunha a quebra de um laço indispensável para a construção de comunidades: a presença, a companhia, a relação, a celebração. Com o previsível efeito de, face ao delongar-se da situação, muitos virem a perder por completo esse laço ou de nunca o chegarem a estabelecer. Ao mesmo tempo, vimos nesta situação o acelerador de uma transformação que tardávamos em abraçar. Por força das circunstâncias, abrir-se-iam novos canais e formas de vida comunitária. O online tornava-se, enfim, um ambiente eclesial. Por um tempo o único acessível, mas no futuro complementar do que estávamos habituados a fazer. Permitindo assim estar mais presente na vida dos cristãos praticantes e chegar àqueles mais distantes.

O problema com as previsões do futuro é que elas estão demasiado condicionadas pelos nossos medos e esperanças. É certo que sempre nos inquietámos com o futuro. Tentar antecipá-lo está inscrito no nosso DNA e evolução. Mas falhar essas previsões faz também parte do processo. Não o esqueçamos. Seja pelos limites da nossa análise, seja pela complexidade da realidade, seja porque a história não é sempre linear. Talvez o melhor seja mesmo esperar um pouco mais para conhecer o futuro.