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P. Gonçalo Portocarrero de Almada
Gostar, amar, adorar

Gostar, amar e adorar: estes três verbos enunciam, por assim dizer, a gramática dos afectos. São diversas intensidades do querer humano, o único que, por ser inteligente, descobre a diferença essencial entre as coisas, os animais, os seres humanos e Deus.

Nestes tempos pós-modernos, estes três verbos tornaram-se quase sinónimos, como se o relativismo tivesse esbatido as diferenças essenciais entre o Criador e as criaturas, bem como entre os animais racionais e irracionais. Com efeito, elevam-se os seres irracionais à dignidade de titulares de direitos e degradam-se os seres humanos à condição de predadores da natureza. Enquanto os animais são criaturas inocentes, os homens são tidos por responsáveis dos grandes desastres naturais e, por isso, não são poucos os que defendem políticas restritivas da liberdade humana, em defesa da natureza e do equilíbrio ecológico.

Uma manifestação generalizada do animalismo triunfante é a humanização dos animais domésticos. Em tempos passados, ninguém se atrevia a dar um nome humano a um animal: recordo a indignação que causou, há já alguns anos, um cavaleiro estrangeiro que deu ao seu cavalo o glorioso nome do descobridor do caminho marítimo para a Índia: Vasco da Gama! Até o famoso cão do Tintin, que na banda desenhada original se chamava Milou, teve de ser denominado de outra forma em Portugal, por ser esse o diminutivo familiar de muitas Marias de Lourdes.

Actualmente, raro é o animal doméstico que não tenha um nome humano. Na publicidade comercial, a representação familiar já inclui os animais de estimação: a família não é apenas o casal, com os seus filhos, mas também o cão e o gato – que já não se chamam Tejo, ou Miau, mas Óscar, ou Leovigildo.

Perguntaram uma vez, a uma defensora dos alegados direitos dos animais: tendo em casa o filho e o cão, se se declarasse um incêndio e só pudesse salvar um deles, qual escolheria? Respondeu: o que estivesse mais perto! E, na abertura de um telejornal, numa cidade dos Estados Unidos em que nevava, foi dada a notícia de que um mendigo e os seus dois cães estavam ao relento, apesar da temperatura negativa. No fim da emissão, deu-se a boa notícia de que os animais já tinham sido recolhidos… mas não o sem-abrigo!

A Laudato si’ ensina que o mundo será mais humano se os homens aprenderem a respeitar a natureza, até porque a humanidade é parte da criação. Todas as coisas foram criadas por Deus e entregues ao homem, para que cuidasse da criação, como património que é de toda a humanidade, também das gerações futuras. Neste sentido, o ser humano, sem esquecer a sua singular dignidade, deve exercer o domínio do planeta tendo em conta que não é o seu proprietário, mas apenas um administrador provisório de um património natural sobre o qual pesa uma grave hipoteca social. Da mesma forma como a Doutrina Social da Igreja entende a propriedade privada, como um direito natural que deve ser exercido em ordem ao bem comum, também a ecologia representa, em termos morais, uma exigência de justiça e de caridade, no que respeita ao uso da natureza.

Respeitar a natureza sim, com certeza, mas sem a idolatrizar. As coisas, também as plantas e os animais, têm uma dignidade que deve ser reconhecida, mas não divinizada. Amar os animais e plantas é, afinal, uma versão moderna de uma antiga idolatria: a adoração do bezerro de ouro. As coisas, plantas e animais podem e devem ser devidamente apreciados, mas o amor é uma relação afectiva interpessoal que, portanto, não se pode estabelecer com nenhuma coisa, nem ser animado, por mais estima que se possa ter por um bem valioso, ou por um animal de companhia. É bom fomentar o gosto pelas coisas boas, mas o amor é, exclusivamente, uma relação interpessoal, porque só os humanos, porque criados à imagem e semelhança de Deus, podem amar e ser amados.

Gostar das coisas, das plantas e dos animais; amar o próximo e adorar a Deus. Que bom seria que, em todas as famílias cristãs, se aprendesse a conjugar os três verbos que definem a verdadeira ecologia.