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Pedro Vaz Patto
Mártir da caridade

Mártir da caridade” – foi assim que o bispo de Luçon François Jacolin, qualificou o Pe. Olivier Maire, missionário monfortino de Saint-Laurent-sur-Sèvre, na Vendeia (França). O Pe. Olivier Maire havia acolhido, a pedido das autoridades judiciárias, o imigrante ruandês Emmanuel Abyisenga que aguardava julgamento pela (já confessada) autoria de um início de incêndio ateado na catedral de Nantes. Emmanuel Abyisenga sofre de graves perturbações psiquiátricas. Esse acolhimento, sob vigilância das autoridades judiciárias, permitia evitar a sua prisão e os danos que esta acarretava para a sua saúde mental. O gesto do Pe. Olivier representava, pois, um ato de extrema generosidade. Ele foi, porém, vítima dessa pessoa que generosamente acolheu e que veio a assassiná-lo brutalmente.

Este trágico acontecimento serviu de pretexto para uma polémica sobre a política de imigração do governo francês (a Emmanuel Abyisenga já havia sido negado o estatuto de refugiado e só a pendência do processo judicial em que é arguido justificava a sua permanência em França). Mas a questão central que poderá ser, a este respeito, suscitada é a do grave erro do sistema judicial quanto ao diagnóstico da perigosidade dessa pessoa, gravemente perturbada.

Houve quem censurasse a alegada ingenuidade ou imprudência do Pe. Olivier Maire. No entanto – dizem os seus confrades que acompanharam a situação – das informações que a ele chegaram (da parte das autoridades judiciárias e outras), nada faria supor que a perigosidade de Emmanuel Abyisenga poderia conduzir ao trágico desfecho que veio a verificar-se.

Certamente, haverá que evitar que acontecimentos como este venham a repetir-se.

Mas, mais profundamente, a reflexão que este acontecimento pode suscitar é esta: que sentido poderá ter esta morte?; que sentido tem o facto de um tão autêntico ato de caridade ser deste modo retribuído?; porque é que Deus permite isto?; que lição daqui podemos colher?

A morte do Pe. Olivier Maire não deixa ninguém indiferente e é mais eloquente do que qualquer discurso sobre o amor cristão. É esse o seu sentido, o de um testemunho (testemunho é o sentido do martírio) da caridade levada às últimas consequências, uma caridade que não espera qualquer recompensa terrena (a da felicidade eterna junto de Deus certamente chegará ao Pe. Olivier) e que chega ao ponto de dar a vida. Assim se demonstra a verdade do Evangelho: «Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos» (Jo 15, 13).

Para contrastar com as frequentes notícias de infidelidades de sacerdotes, eis que vemos aqui um testemunho de um sacerdote que levou até às últimas consequências a sua identificação com Jesus Cristo, o qual também levou o seu amor pela humanidade ao ponto de dar a vida.

Para compreender o sentido da morte do Pe. Olivier Maire (e o que Deus através dela quer dizer-nos), servem duas outras frases do Evangelho: «Quem perder a sua vida por minha causa, há de encontrá-la» (Mt 16, 25); «Se o grão de trigo, lançado à terra, morrer, dará muito fruto» (Jo 12, 24). O martírio da caridade do Pe. Olivier Maire, o testemunho que representa para cristão e não cristãos, não resulta de um gesto fracassado, insensato e absurdo, ele está a dar, e há de dar, muito fruto.