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P. Duarte da Cunha
Inteligência Artificial e Ecologia

Talvez não sejam os temas mais urgentes, mas são, certamente, emblemáticos, para explicar a necessidade que, enquanto homens e, mais ainda, enquanto cristãos, temos de avaliar tudo e reter o que é bom (1Tes 5,21).

Não é fácil perceber bem tudo o que está na complexa situação cultural em que vivemos, mas há dois aspectos muito presentes hoje em dia e que, apesar de muito ligados, podem ser vistos pela cultura dominante como contraditórios. Queria sublinhar a relevância de ambos, mas também alertar para o perigo que será vê-los desligados.

Por um lado, assistimos a um endeusamento da tecnologia. A revolução tecnológica está aí e penetra todos os âmbitos da vida. Os computadores e os telefones, os meios de transporte ou de comunicação, as máquinas de diagnósticos ou de tratamentos nos hospitais, até os tecidos, e a comida podem ser hoje vistos como resultados da tecnologia. Mas, além do que temos, há o que esperamos, ou melhor, que já começamos a ter e que se espera venha a desenvolver mais e a ocupar mais espaço na nossa vida. Será isso tudo bom?

Falamos hoje muito de inteligência artificial, esperando para breve máquinas mais eficientes e capazes de gerarem um mundo perfeito, sem problemas e sem contradições. As máquinas terão maior precisão e não terão caprichos. Assim, elas poderão substituir os homens! Não só no fazer, mas até no decidir! Será que haverá mais justiça e felicidade! A confiança na tecnologia vai ao ponto de acharmos que podemos modificar a natureza, que a podemos melhorar e escolher o que ela deve ser: comer os frutos de Verão no Inverno, prolongar a vida de uma pessoa, construir cidades em terrenos que antes eram pântanos, inverter o curso dos rios e até mudar o sexo das pessoas. A natureza já não é um limite, mas um campo de trabalho que, com tecnologia – física ou bio –, se pretende moldar aos gostos ou desejos dos homens. O limite, para muitos, é apenas a autodeterminação, o que eu quero é o limite! Tudo se pode fazer, desde que se consiga fazer.

Este é um ponto, mas depois, quase no polo oposto, temos uma cultura que se vira para a natureza. A ecologia está muito presente em todos os âmbitos sociais. Há uma evidente preocupação com a poluição e com o clima; há uma valorização dos passeios no campo e um olhar para os animais com preocupação. Temos consciência de que a natureza é um bem, vemos que há vida para lá das máquinas e percebemos que a nossa ação tem influência no futuro do planeta. Infelizmente, muitas vezes, fica esquecida a dignidade da pessoa humana. Há uma abordagem destas questões que olha para a relação entre o homem e a natureza à luz do marxismo e, por isso, vê uma luta entre a natureza e o ser humano, e considera que o ser humano é o mau da fita, pelo que aceita, sem problemas, as políticas de controlo da natalidade, inclusivé, o aborto.

A esperança na tecnologia e o amor à natureza, apesar de poderem ser contraditórios, revelam que há algo do coração humano que nunca se apaga e que, mesmo quando distorcido, acaba por vir ao de cima: o desejo de plenitude de vida. É isso que nos leva a querer melhorar a vida e, para isso, sentimos vontade de desenvolver, com tecnologia adequada, instrumentos para ajudar a ultrapassar problemas que surgem neste mundo finito. É isso que nos leva a reconhecer a natureza como um dom sobre o qual temos responsabilidade. Mas se devemos melhorar a vida aqui, não podemos esquecer que a vida na terra não é definitiva, como dizia o Concílio Vaticano II.

A mentalidade que está por detrás dos sonhos tecnológicos tem o mérito de manter um olhar criativo, esperançoso, capaz de arriscar e de querer ir mais longe, e isto é próprio do homem. Mas o que verdadeiramente queremos não é um nunca mais acabar de vida, mas uma plenitude de vida e, para isso, é mais urgente encontrar um sentido para a vida, é mais relevante encontrar a Verdade, é mais decisivo encontrar Deus. Só assim se terá clara a direção que deve ter o desenvolvimento tecnológico.

Já a mentalidade que está por detrás do amor à natureza tem o mérito de aceitar que os homens e mulheres se reconheçam criaturas limitadas e se deem conta de estarem interligadas entre si e com as outras criaturas. Contudo, não podem deixar de ver uma hierarquia nas criaturas, as pedras não são seres vivos e os seres vivos não são todos a mesma coisa.

O desenvolvimento tecnológico revela a superioridade do homem da qual não podemos ter vergonha, mas esta deve estar submetida não apenas à vontade humana, mas a um critério superior: ao Criador. O que precisamos, por isso, é que, quer o desenvolvimento tecnológico quer o amor à natureza, sejam vividos dentro de uma perspectiva religiosa, diante de Deus. Só assim a tecnologia estará ao serviço da verdade e do bem, e o respeito pela natureza terá presente a dignidade e a responsabilidade do homem.

 

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