Lisboa |
Um padre agostinho português para o século XXI
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Diz que não sente medo. Talvez um nervoso miudinho. Afinal, frei Rui Caldeira vai ser ordenado sacerdote este sábado e tornar-se no primeiro padre agostinho português dos últimos 200 anos.

“Não, isto não é para mim… não tem lógica nenhuma, por isso vou continuar com a minha vida”. Por mais que quisesse fugir, o jovem Rui Caldeia era constantemente interpelado por Deus. E chegou o dia em que teve de ir falar com um padre. “Não falei nem com família, nem com amigos… estava a ‘aguentar’ tudo sozinho. Mas por mais que eu quisesse não pensar nisso, chegou um determinado momento em que tive mesmo de ir falar com alguém sobre esta inquietação”. O jovem Rui tinha então 19 anos e lembra-se bem desse encontro com o padre Miguel Ângelo, sacerdote espanhol da Ordem de Santo Agostinho (OSA) e coadjutor da paróquia de São Domingos de Rana. Estava dado o primeiro passo para o jovem Rui Caldeira se tornar agora no primeiro padre agostinho português dos últimos 200 anos.

 

Restaurar a Ordem em Portugal

A Ordem de Santo Agostinho, cujos membros são denominados agostinhos ou agostinianos, é uma ordem religiosa católica que segue o estilo de vida de Santo Agostinho. Tem como finalidade que, ‘unidos num só coração e numa só alma, em fraternidade e amizade espiritual, os irmãos busquem e honrem a Deus, trabalhando ao serviço do seu povo’.

Com a expulsão de todas as ordens religiosas de Portugal, em 1834, a Ordem de Santo Agostinho ficou sem sacerdotes no nosso país. Mais de cem anos depois, o Superior Geral do Agostinhos decide restaurar a ordem em Portugal, enviando padres das províncias espanholas. Começaram pela Guarda, no ano de 1974. Depois abriram uma casa em Arruda dos Vinhos, em 1975, e no ano seguinte em Sobral de Monte Agraço. A chegada a Santa Iria da Azóia dá-se em 1986. “O nosso grande objectivo era restaurar a Ordem de Santo Agostinho em Portugal, que tinha sido gloriosa”, sublinha à VOZ DA VERDADE o padre Félix Aliste Mezquita, Superior dos Agostinhos em Portugal. Em 2004, os agostinhos chegam a São Domingos de Rana. Nestes anos em Portugal, os padres agostinhos têm incidido a sua pastoral na catequese e na pastoral juvenil. Frei Rui Caldeira, que será ordenado sacerdote este sábado, dia 9 de Outubro, em Santa Iria da Azóia, é o primeiro fruto dessa pastoral com os jovens portugueses.

 

O silêncio como certeza de vocação

Os agostinhos já faziam parte da vida do jovem Rui. Nascido no seio de uma família cristã, Rui pertence à paróquia de Santa Iria da Azóia. Diz que se lembra desde criança de ir à Missa acompanhado pelos pais. A mãe ensinou-o a rezar. Fez o percurso de catequese sempre acompanhado pelos agostinhos e num percurso agostiniano.

Rui era um jovem como outro qualquer que, após o crisma, entra para o grupo de jovens dos agostinhos. O futuro? Talvez o mundo bancário. “Influenciado por um tio meu que era empregado bancário, recordo-me de que quando era pequeno queria trabalhar num banco. Cheguei a iniciar um curso no Instituto de Formação Bancária, onde estive um ano, tempo suficiente para perceber que não era bem aquilo que eu queria e decidi sair”, recorda, à VOZ DA VERDADE. Completou então o 12º ano e no final depara-se com a questão: trabalho ou faculdade? “Olhei para os cursos todos que existiam e de facto não houve nada que me interessasse… Gostava também de informática, mas não havia nada que me dissesse ‘É isto que eu quero!’, pelo que decidi não entrar na universidade nesse ano”. Rui tinha então 18 anos. E no seu horizonte estava uma espécie de ano sabático. “Logicamente que os meus pais não me queriam sem fazer nada e disseram-me para arranjar algum trabalhar para esse ano”.

Onde Rui se sentia bem era no grupo de jovens da Juventude Agostiniana Portuguesa (JAP). É através dos vários encontros, das Páscoas juvenis, dos acampamentos, do retiro de Colares que o jovem Rui se começa a interrogar sobre a sua vocação. Por volta do ano de 1999, procura então o padre Miguel Ângelo, da Ordem de Santo Agostinho, e passa três anos em discernimento, lendo várias coisas sobre a vocação e conhecendo um pouco melhor os agostinhos. Na Páscoa de 2002, o jovem Rui compreende então o seu caminho vocacional. “Foi num momento de silêncio e oração, na páscoa juvenil dos agostinhos, que o chamamento de Deus me ‘bateu mais forte’. Foi a partir daí que comecei a pensar mais a sério na minha vocação”. A opção de vida estava tomada. “Fui então falar novamente com o padre Miguel, que me propôs entrar no noviciado, que é o primeiro ano da formação”.

 

A paixão pela pastoral juvenil

Toda a formação dos jovens agostinhos é feita em Espanha. O primeiro ano, de noviciado, é feito no norte de Espanha, em Burgos, enquanto a formação filosófica (dois anos) e a formação teológica (quatro anos) são feitas em Madrid. Por isso, a vocação sacerdotal do jovem Rui iria trazer consigo o problema da distância.

Aos 21 anos, entrou na vida religiosa agostiniana. “Foi uma mudança complicada. Em Burgos éramos oito jovens, de seis nacionalidades diferentes. Uma espécie de ONU! Mas foi uma experiência complicada, uma vez que troquei uma vida em casa dos pais por uma vida entre pedras, já que a nossa formação era feita num mosteiro”. Depois de fazer a profissão temporal dos votos de castidade, pobreza e obediência no ano 2004, começou a formação filosófica e teológica no Centro Teológico San Agustín, em Los Negrales, Madrid. No ano passado, fez a profissão solene e foi ordenado diácono no Mosteiro de San Lorenzo de El Escorial, também em Madrid.

Hoje, questionado sobre o que o cativou na missão dos agostinhos, frei Rui Caldeira não tem dúvidas em afirmar que se sentiu cativado pela pastoral juvenil. “À parte os agostinhos serem os padres que melhor conheço, cativou-me o facto de viverem em comunidade – algo importantíssimo para os sacerdotes –, mas também o trabalho com os jovens, ao nível da pastoral juvenil. Santo Agostinho dizia que queria passar a vida dele com amigos. Isso foi algo que sempre me chamou a atenção…”.

A partir deste sábado, dia 9 de Outubro, o futuro padre Rui Caldeira espera conseguir mostrar Deus aos jovens. “Primeiro de tudo, temos de assumir os jovens que temos à frente. Há que conhecê-los, ver as necessidades deles e perceber o que estão à procura. Acho que no fundo, podemos chamar a isso uma procura de Deus de alguma forma”.

 

 

Informação complementar:

Vocações portuguesas na Ordem de Santo Agostinho

Além do frei Rui Caldeira, que será ordenado sacerdote este sábado, a Ordem de Santo Agostinho tem mais dois jovens portugueses em formação. Um deles está a fazer os estudos eclesiásticos do 2º ano, enquanto o outro entrou no passado mês de Setembro para o noviciado.

A nível feminino, existem oito agostinhas contemplativas e duas agostinhas missionarias, todas elas portuguesas. Uma das missionárias está na Índia e a outra em Barcelona.

 

Os Agostinhos em Portugal

Presentes em Portugal há mais de 30 anos, os padres da Ordem de Santo Agostinho têm a seu cargo duas paróquias do Patriarcado de Lisboa: Santa Iria da Azóia e São Domingos de Rana. A partir deste domingo estarão sete padres agostinhos em Portugal, sendo seis deles espanhóis e… um português. Em Santa Iria da Azóia estão os padres Arturo Carrascal Mínguez, Luís Xavier Reyes Marzo e Francisco Javier Carreras de Bergareche; São Domingos de Rana está confiada aos padres Félix Aliste Mezquita, Miguel Ângelo San Gregório Hernandez, Adrian Alvarez Campo e Rui Caldeira.

 

Bento XVI e Santo Agostinho

Bento XVI é um Papa muito ligado a Santo Agostinho. Numa catequese recente, Bento XVI recordava assim este doutor da Igreja: “Tive o grande dom de conhecer Santo Agostinho muito de perto, através do estudo e da oração. Tornou-se um bom ‘companheiro de viagem’ na minha vida e no meu ministério”. Frei Rui Caldeira saúda o facto de Bento XVI se sentir tão ligado a Santo Agostinho e acredita que isso pode fazer com que haja um maior interesse pela vida deste santo. “Santo Agostinho é o doutor da Igreja! Mas se calhar por muitos, sobretudo leigos, é ainda um desconhecido. Por isso, esta ligação do Papa a Santo Agostinho orgulha-nos imenso e poderá fazer com que as pessoas se interessem pela sua vida e pelos seus ensinamentos”.

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